Caranguejo Negro: O que faz o sucesso das distopias?
Caranguejo Negro - a guerra e suas questões morais. Foto: Divulgação
“CARANGUEJO NEGRO” (Black Grab,2022 ). A história, atemporal e ambientada num cenário de guerra absoluta, versa sobre um grupo de militares com uma missão específica: atravessar um campo de gelo, absolutamente expostos ao frio intenso e à artilharia inimiga. Do sucesso do grupo, depende o fim da guerra. E é isso. Parece pouco, mas garanto que não é.
O rosto mais conhecido é o da atriz sueca Noomi Rapace, que possui uma filmografia bem extensa, que inclui “Sherlock Holmes – O Jogo de Sombras” (2011), “Prometheus” (2012) e “Os Segredos que Guardamos” (2020). Parece destinada a fazer papéis marcantes. Neste filme, ela é Caroline Edh, uma mãe desesperada e uma militar determinada.
O elenco é quase todo sueco. Há atores do Iraque e do Irã. Tanto o cinema europeu como o árabe e asiático estão entregando blockbusters do nível de Hollywood, deixando definitivamente para trás a tradição de fazer somente filmes independentes e cult.
Caranguejo Negro é muito bom. Aborda questões humanas e morais como os limites da própria guerra e da esperança em meio ao caos. A produção acerta inclusive ao deixar certas pontas soltas; não há grande preocupação em explicar quem é quem e como tudo começou. É uma guerra e é o que basta. Exceto pelas crianças, todos sabem o que é uma guerra. E dependendo do lugar, infelizmente, até mesmo as crianças.
Guerra da Ucrânia
Inescapável relacionar as cenas do filme ao que vem ocorrendo na Ucrânia. Cidades em ruínas, pessoas sem rumo, fome. É a imagem da destruição na realidade e na ficção. Acredito que este seja o conflito com maior profusão de imagens em tempo real e narrativas. O acesso às redes sociais tem sido fundamental por trazer uma guerra tão distante à nossa rotina, bem como a Economia.
Neste ponto, chego ao questionamento do título: o que faz o sucesso das distopias? É um filão de filmes que não se esgota. O primeiro que assisti foi “Planeta dos Macacos” de 1968 e que estreou na TV brasileira no início dos anos 70. A cena final, quando o astronauta George Taylor descobre ser a Terra o planeta onde aportou – ao ver a Estátua da Liberdade enterrada em uma praia –, é icônica. “Desgraçados, vocês conseguiram”, gritou socando a areia. Em “De Volta ao Planeta dos Macacos”, fica mais claro que foi uma guerra nuclear a oportunidade para os primatas evoluírem e dominarem os homens.
O conflito entre homens e máquinas é o estopim para o fim do mundo em “O Exterminador do Futuro”, “Matrix” e “Mad Max”. Thrillers recentes como “Um Lugar Silencioso”, trazem suas visões. Todos viraram franquias. Não será o caso de “Caranguejo Negro”, que irá se somar às inúmeras outras produções com o tema como “Blade Runner” e “Laranja Mecânica , embora sem potencial para se tornar cult. Fica acima, porém, de filmes como “2012” e o “Dia Depois de Amanhã”.
Fim do Mundo
Afinal, o que atrai nesses filmes? Há 55 anos, o historiador Duby escreveu Ano Mil, no qual descreve a ansiedade da sociedade na transição para o século 12 na expectativa pelo fim do mundo. Não havia filmes na época, mas o Livro do Apocalipse para dar os contornos dramáticos do fim da humanidade, a vinda do anticristo e o julgamento final. É o último livro bíblico, encerrando a história humana contada desde o Gênesis.
A ideia de fim de mundo nunca foi uma exclusividade do Cristianismo. O Hinduísmo e o Mazdaísmo já tinham suas versões bem antes. O Islamismo, no século 7, apresentou a sua proposta. Podemos dizer que as religiões tratam e se preocupam com a questão da finitude, tanto individual quanto coletiva.
É difícil dizer se a religião conforma nossas crenças de fim de mundo ou é o contrário, ou seja, apenas refletem nosso medo ancestral sobre o dia de amanhã. O homem é a única espécie consciente de sua morte. É um fato inexorável. A única certeza. Entendendo-nos como parte de um todo -a espécie humana – parece razoável acreditar que haverá um ponto final para todos e para tudo.
Crises mundiais
Períodos de epidemias e de guerras acentuam a impressão de fim do mundo. Assim foi na Peste Negra, na Gripe Espanhola, nas Grandes Guerras do século XX. As cidades desoladas nos períodos mais críticos do isolamento pela Covid-19 despertavam a impressão do non plus ultra (não mais além) inscrito por Hércules nos montes Calpe e Ábila segundo a fábula. Ainda em pandemia, o mundo revive o medo da Guerra Nuclear, após o “descongelamento” da Guerra Fria. As crises apresentam os elementos reais que o cinema adapta, variando somente no plano de fundo.
As produções fazem o rodízio entre guerras, epidemias, fome, clima, tecnologia. A mensagem é: algo lá na frente irá nos pegar. Acredito que é por isso um tema é tão atraente para os estúdios e para o público; nossos medos se identificam com os cenários que a razão repele.
Como normalmente os personagens superam as adversidades e resgatam a humanidade dos escombros, o que temos no final é uma mensagem de esperança. Parece contraditório, mas a crença no triunfo final compete com o próprio medo da aniquilação. Assim sendo, continuaremos a ver as distopias no cinema. Isso, é claro, se o mundo realmente não acabar.
Este artigo foi escrito por Renato Assef e publicado originalmente em Prensa.li.