Carnaval Tipo Exportação
No momento em que escrevo estas linhas, as prefeituras dos municípios do Rio de Janeiro e São Paulo discutem a liberação total do Carnaval, sem restrição, sem uso de máscaras, sem nenhuma regulamentação.
Ok, nada mais natural. Carnaval é isso mesmo. Uma festa, teoricamente, sem limites. Mas tem um detalhezinho besta aí, quase imperceptível, que creio ser necessário relembrar: ainda não chegamos ao final da pior pandemia dos últimos cem anos.
Se não me engano, ainda tem gente perdendo a vida a torto e a direito. A população residente ainda não foi totalmente vacinada, na verdade, ainda falta muita gente.
Precisando relaxar? Nós também. Mas…
Entendo que estamos todos cansados, e vamos ser honestos, precisando mesmo de um refresco. Um bom Carnaval seria muito bem-vindo, não? Mas desde o começo desta história, caso não esteja equivocado, o que os médicos, o Átila Iamarino, a OMS, o Papa e se marcar, até o Super-Homem recomendam é evitar aglomeração.
Não me considero um sujeito carnavalesco. Pelo contrário, sempre fui avesso às festividades e prefiro ficar em casa. Mas em três décadas de trabalho, participei de várias transmissões do tal “evento momesco”, ao menos umas dez vezes.
São Paulo, litoral paulista, Recife, Vitória… volta e meia trabalhei na cobertura pela TV, na avenida, em clubes, shows, na rua, no estúdio, estando em coordenação na emissora. E se tem uma coisa que aprendi com isso tudo é que, Carnaval é aglomeração por natureza.
Duas vezes dois, duas vezes dois, duas vezes dois…
Vamos tentar fazer essa equação carnavalesca: junte um monte de gente, sem máscara, com pouca roupa, sem vergonha de ser feliz, muita gente inspirada pelo deus Baco, e vamos lá. Tá divertido, não tá?
Aí imagine que no meio dessa turminha muito louca aprontando altas aventuras tenha um, só um, que tenha ali, mesmo que quietinho, o famoso vírus Covid-19. Mesmo que um monte de gente ali esteja devidamente vacinado com suas duas doses (da vacina que seja), dá pra prever o estrago, não dá?
Não dá pra confiar
Não esqueça que muitas destas pessoas podem também não estar vacinadas por vontade própria. E pensa num outro detalhe: esse vírus presente aí pode não ser o Covid-19 raiz, mas sim uma de suas variantes. Sim, porque para os eventos carnavalescos do Rio e de São Paulo, chegam sempre milhares de turistas de tudo quanto é canto desse mundão de meu Deus.
Aí imagina que a Variante Delta começa a se espalhar no meio daquela aglomeração citada ali em cima… pior, ela se encontra com a Variante Gama, ou Alpha, talvez Beta e por aí vai, e acabam gerando uma variantezinha nova em folha. Ô saudade de quando Variant era só o nome de um carrinho feio…
Vírus tipo exportação
Ok, tomando por base que um montão de gente que estava se divertindo ganhou totalmente de graça um vírus desse (talvez até mutante), um legítimo Souvenir of Brazil… pensa nessa galerinha pegando o avião e voltando pra casa depois da quarta-feira de cinzas.
Já pensou no número de novos casos de Covid-19 que vão se espalhar pelo mundo, que já comemora o declínio nos últimos tempos, com uma nova infestação made in Brazil?
Quem paga a conta?
Politicamente e comercialmente, isso vai pegar mal? Sim, claro ou com certeza? Eticamente, quem liberar essa comemoração completamente fora de propósito vai conseguir colocar a cabeça no travesseiro com tranquilidade? Provável.
Digam o que quiserem, o Covid-19 (ou se preferir, o tal Novo Coronavírus) ainda não está neutralizado. Diria que ainda falta muito pra isso. E um Carnaval, como nos velhos tempos, agora, é uma insanidade sem tamanho. Carnaval é uma ocasião excelente para se deixar o juízo de lado, mas também não precisa ser tão a sério.
Carnaval padrão agora, é simplesmente a crônica do desastre anunciado. Vamos esperar, e torcer pelo menos pior.
Foto: Polina Kovaleva / Pexels
Este artigo foi escrito por Arthur Ankerkrone e publicado originalmente em Prensa.li.