Caso Richthofen: Como os acusados, filmes mais confundem que explicam
A um ano de completar duas décadas, o caso Richthofen retorna em dois filmes da Amazon Prime Video: A Menina que Matou seus Pais e O Menino que Matou Meus Pais. Os filmes são baseados nos depoimentos do julgamento de Suzane Von Richthofen e Daniel Cravinhos, seu namorado. Pela ordem, o primeiro filme traz a história sob o ponto de vista de Daniel e o segundo de Suzane.
Nos papeis título estão Carla Diaz, atriz experiente na televisão apesar de jovem e ex-participante do BBB 21, e Leo Bittencourt, ex-malhação que também participou de Segunda Chamada e de Temporada de Verão, que ainda aguarda estreia na Netflix. Sem dúvida, Daniel Cravinhos é o primeiro personagem relevante do ator. Os filmes ainda trazem os bons atores Leonardo Medeiros (Manfred), Vera Zimmermann (Marísia) e Alan Souza Lima (Cristian Cravinhos). Debutante no elenco é somente Bittencourt e surpreende tantos bons atores além dos mencionados fazerem “escada” para ele.
Escalar um ator pouco experiente para o papel foi um risco para um dos principais lançamentos do serviço de streaming. Não é que ele não foi bem, mas não é um papel que vai alavancar sua carreira, creio. O personagem não foi feito para isso. A opção de basear o roteiro e a produção no depoimento dos acusados é um bom ponto de partida, contudo não poderia ser o único. O resultado foi personagens um tanto superficiais, ficcionais, o que deveria ser esperado uma vez que os cúmplices se tornaram adversários no tribunal.
É relevante o que ambos disseram ao juiz se pesquisas fossem feitas para buscar traçar um perfil mais aproximado dos personagens, só que isso dá mais trabalho e antes que o crime completasse vinte anos é mais conveniente explorar o fato primeiro. Nem Manfred ou Marísia parecem convincentes – um se apresenta como autoritário e ranzinza ao máximo, enquanto Marísia se movimenta entre a futilidade e a aspereza com a filha. Os pais dos Cravinhos, ao contrário, são gente boa nas duas versões.
Cristian Cravinhos aparece com um papel secundário, exceto na execução do crime. É natural imaginar que ambos buscariam não envolver demais o irmão do namorado de Suzane, afinal ele poderia endossar uma ou outra história. Na maior parte das histórias, ele aparece como coadjuvante mesmo, ainda que retratado como alguém irresponsável e possivelmente criminoso. Surpreende que ele participe da ação criminosa apenas pela pressão do irmão. Difícil crer que seria somente essa a motivação.
Fazer um filme cujo desfecho é demasiadamente conhecido requer aprofundar informações verídicas e a impressão que fica é a reprodução de versões construídas por quem visava amenizar a acusação, e não poderia ser de outra forma. A produção é honesta ao declarar ser baseada nos depoimentos dos acusados, mas não bastou para um resultado minimamente satisfatório. No final das contas, há uma exposição de meias verdades e outra dose de mentiras que devem permear o depoimento de ambos.
Como curiosidade e por causa de seu referencial, o filme pode ser visto sob a perspectiva do que um acusado falou sobre o outro e como ambos viam – ou ainda veem – suas relações familiares. Apesar de iniciar as duas narrativas, a crueldade do crime parece ficar em segundo plano ao mesmo tempo em que se tenta entender a versão dos personagens. E ficamos no caminho, sem conseguir chegar a nenhuma conclusão.
O caso Richthofen merece um documentário como o de Anne Elize Matsunaga disponível na Netflix. Este, sim, explorou bem os dois pontos de vista em episódios divididos segundo a abordagem e a cronologia, permitindo uma visão mais aprofundada tanto da autora do filme como da vítima e os fatos ocorridos antes do desfecho fatal. Como já mencionei, isso dá trabalho. Não parece ter sido essa a preocupação dos produtores dos filmes.
Foto: Divulgação
Este artigo foi escrito por Renato Assef e publicado originalmente em Prensa.li.