Cético quanto ao metaverso
Curioso que antes do anúncio feito por Zuckerberg da mudança de nome de Facebook para Meta, quase ninguém falava no termo metaverso. Na semana seguinte já começaram a pipocar palestras, vídeos, cursos e até MBAs sobre o assunto. Não sei, mas me deu claros sinais de hype nessa popularidade instantânea.
Uma semana antes do anúncio, ninguém lembrava do Second Life, criado em 2003, quase 20 anos atrás, e que continua bem vivo. Têm ainda 70 milhões de usuários registrados, 350 mil novas contas adicionadas mensalmente e cerca de 40.000 usuários ativos no mesmo instante. Um pouco dos números sobre o Second Life você encontra aqui. Games como Roblox e Fornite já incorporam há muito tempo conceitos de mundos virtuais em suas plataformas, e geram negócios além dos jogos, como shows de música e lojas virtuais de empresas. Mas, parece que nada disso existia...
O que vimos foram entusiásticas áreas de marketing de algumas empresas vibrando com a oportunidade de mostrar serviço e dizer que são “cool”, criando iniciativas aqui e ali. Ótimo como experimentação, mas tirando esse oportunismo, o que fica?
Tom FIsh Burne - Marketoonist.com
Passados alguns meses vimos o interesse se desvanecer. Continua falado sim, mas já não tem o nível do hype inicial. Recentemente, Marc Petir, VP da Epic Games, em uma entrevista “Epic Games VP: ‘People have lost interest in the metaverse’ “, disse que "Pessoas meio que perderam o interesse no Metaverso, porque os personagens tem a aparência de personagens de desenho animado sem pernas. Digo, quem quer ser assim? Não é atraente." É verdade, os avatares sem pernas da Meta são claramente bem mais toscos que os produzidos pelos games.
Além disso, uma pesquisa feita nos EUA, com a Gen Z, “Taking Stock With Teens” mostrou que enquanto 26% dos adolescentes possuem algum tipo de dispositivo de RV, apenas 5% o utilizam diariamente e 17% o utilizam semanalmente. Além disso, 50% dos adolescentes não têm certeza do que seja metaverso ou não têm intenção de comprar um dispositivo VR. Apenas 9% mostraram interesse em comprar esses dispositivos. Por outro lado, são entusiastas dos games, com 68% dizendo que são gamers.
Aqui no Brasil o número de dispositivos e o interesse e a disponibilidade financeira para comprar esses equipamentos é muito menor. Afinal, o futuro dispositivo da Meta, o projeto Cambria, terá custo por volta de 800 dólares ou cerca de 4.000 reais. E, não esquecendo que a internet de alta velocidade é também bem mais cara aqui que nos EUA. Um artigo que descreve o projeto Cambria pode ser lido aqui.
Por que o interesse está caindo?
A maioria das pessoas, principalmente aqueles que não estão envolvidos ou se interessam diretamente com a tecnologia digital, ainda não entendem o que é o metaverso e por quê deveriam se preocupar com isso. E não é à toa.
Embora estejamos ouvindo os “futuristas” e fãs alardeando que “metaverso é o futuro”, vemos também as ressalvas (até da própria Meta) que para termos o conceito na prática, precisaremos ainda de uns 10 anos de avanços tecnológicos. E, no mundo real, ninguém fica empolgado com coisas tão distantes. Uma pesquisa do Forrester, também nos EUA, mostrou que apenas 34% dos adultos ficaram entusiasmados com o anúncio do metaverso e menos de 30% consideram que seria bom para a sociedade. Não é um hype sustentável!
O próprio Mark em entrevista “Mark Zuckerberg’s bet on the metaverse is off to an expensive start” confirma que as coisas ainda estão distantes e meio confusas: “This fully realized vision is still a ways off. And although the direction is clear, our path ahead is not yet perfectly defined.”.
Os óculos da Meta, além de caros e incômodos, causam ainda alguns efeitos colaterais de enjoo em determinados movimentos rápidos, e estão ainda muito longe de gerar aquele entusiasmo que os iPhone geram. As teorias do nosso sistema nervoso sugerem que a VR inevitavelmente induz a uma “simulator sickness”, como acontece com a maioria das pessoas.
Os cérebros de vertebrados evoluíram milhões de anos para fazer imagens 3D a partir de minúsculos pulsos de entrada. As entradas sensoriais vêm dos globos oculares, tímpanos, receptores de paladar e olfato e, especialmente, de milhões de sensores de vibração espalhados por todo o corpo. O som do ar atinge os ouvidos e a pele juntos, e nossos cérebros os combinam em uma única experiência unificada tão sólida e crível que sabemos com certeza que o mundo existe, mesmo quando não podemos vê-lo.
Obviamente, um cérebro construindo uma única experiência unificada é o oposto de construir duas experiências inconsistentes e concorrentes, que é o que a RV força em nossos cérebros. Os olhos de um gamer podem estar convencidos de que ele está fazendo curvas de altas forças G dentro de um avião de combate, porque a VR é muito boa em criar ilusões visuais, tornando cada sugestão visível consistente com o movimento, torção, oclusão e queda.
Mas outros sentidos concordam que o corpo não está se movendo ou voando, mas sentado em uma cadeira. Sinais neurais do ouvido interno, pernas, intestino e coluna confirmam que não há manobras fechadas, nem voo de cabeça para baixo, nem forças G puxando ou empurrando. Nenhum motor a jato faz barulho nos ouvidos.
Nesta configuração, aproximadamente metade do cérebro está convencida de que o corpo está parado, a outra metade convencida de que está voando forte e rápido. Um cérebro não pode manter uma contradição tão profunda por muito tempo, por isso a “doença do simulador” deixa o jogador enjoado. Esse problema nunca mudará, porque os cérebros só podem sentir uma realidade de cada vez, e a realidade real está sempre centrada em seu intestino, independentemente do que os globos oculares digam.
Outro problema é a rapidez com que a VR responde aos movimentos. No mundo real, toda vez que você move seu corpo, pescoço, cabeça ou globos oculares, a imagem em seus globos oculares muda com esse movimento. Para fazer sua imagem do mundo, o cérebro antecipa uma mudança física antes de mover seus músculos e usa essa antecipação para prever o que verá. O cérebro cria expectativas internas muito antes que qualquer movimento possa ser visível de fora.
Na melhor das hipóteses, a VR pode medir seu movimento após o fato. Ele não pode medir coisas que ainda não aconteceram. Portanto, mesmo uma resposta rápida de VR seria atrasada, em relação a como seus olhos e cérebro normalmente funcionam, porque não se origina de dentro do cérebro, mas de um dispositivo externo. O que a VR mostra aos seus olhos não é exatamente o que viria de um mundo real, mas milissegundos mais lento e apenas aproximado. Quanto mais rápido você mover a cabeça e os olhos, mais estranhamente será esse mundo falso. Uma boa discussão sobre isso está no artigo “Virtual Reality is Impossible, Like Perpetual Motion”.
Recentemente a Meta abriu uma loja física, para despertar, através de experimentações reais, interesse pela tecnologia.
O alto custo para viver em um mundo virtual
Para criar uma imersão mais completa, já se fala até dispositivos adicionais como luvas e outras tecnologias que estão sendo desenvolvidos para melhorar essa interação com o mundo virtual.
Mas, por outro lado, se para “viver em um mundo virtual”, a pessoa tiver que se paramentar toda de óculos, luvas, sensores de movimentos das pernas e pés e assim por diante, isso não só aumentaria em muito o custo, mas também criaria muita fricção na experiência, diminuindo a praticidade. Aliás, quanto a esses dispositivos, tem uma frase sarcástica de Scott Galloway, “The Oculus is a prophylactic ensuring you will never conceive a child, as no one will want to get near you.”, que sintetiza a opinião de muita gente!
Lembrando ainda a importantíssima questão da privacidade. Esses sensores coletariam tudo sobre uma pessoa! Se hoje já somos assolados por ataques cibernéticos em larga escala, e em grande parte sua origem está na engenharia social, com dados pessoais sendo usados para o phishing, imagino que quando dados íntimos coletados por esses sensores forem usados de forma criminosa...
Os sensores dos dispositivos XR começam a ser acionados assim que os colocamos, e nos monitorarão e rastrearão enquanto usarmos o dispositivo. E esses sensores não vão mais coletar apenas as nossas atividades como compras, navegação, localizações, etc., mas vão monitorar até as nossas respostas fisiológicas. Esses tipos de dados podem ser usados para fazer inferências sobre o que as pessoas gostam com base em nossas respostas fisiológicas a vários estímulos, como analisando nossa orientação sexual.
O XR também pode usar sensores que coletam a resposta galvânica da pele (que mede a atividade elétrica das glândulas que produzem suor nas palmas das mãos e pontas dos dedos, mais sensíveis às emoções e pensamentos. É muito usada para ajudar a identificar as situações que causam stress e ansiedade), eletroencefalogramas (EEGs), eletromiografia (EMGs) ou eletrocardiogramas (ECGs).
Os dados desses sensores também podem determinar os nossos interesses, mas também podem ser altamente lucrativos quando vendidos a companhias de seguro de saúde, que, no pior cenário, podem aumentar os prêmios com base na detecção ou não de sinais de alerta para determinadas condições de saúde.
Os sensores em dispositivos XR irão capturar cada vez mais dados pessoais e isso questiona diretamente o direito à privacidade mental. Se os dados coletados por esses sensores forem usados para analisar nosso humor ou saúde mental, fazer suposições sobre nossa sexualidade ou rastrear nossa atenção no trabalho, isso não é uma violação fundamental da nossa privacidade? Ou, se nossos óculos AR estiverem constantemente escaneando novos ambientes que visitamos? O que gostamos de fazer e olhar? De quem gostamos ou não. Se estamos atentos às conversas e reuniões? Não é violação de privacidade?
Esses são questionamentos que precisamos considerar antes que esses dispositivos se tornem disseminados. Leiam um interessante artigo sobre o tema aqui.
Na minha opinião, o maior desafio para o metaverso ser realmente “o futuro onde nós viveremos” será convencer as pessoas de que essa forma de conexão, totalmente virtual, é melhor do que a interação física. Ao levarmos esse conceito ao extremo, ou seja, nós humanos conduziremos 100% de nosso trabalho, lazer e vida social por meio de um mundo virtual, será que isso não poderá gerar consequências perigosas, como depressão, vícios e problemas de saúde mental, sem contar uma mudança radical na maneira em que criamos e mantemos nossos relacionamentos e amizades? Será que queremos realmente isso?
Bem, até agora, confesso que a proposta de metaverso da Meta não me entusiasma.
Este artigo foi escrito por Cezar Taurion e publicado originalmente em Prensa.li.