Com quantos neurônios se faz um cérebro?
Um breve panorama sobre nosso cérebro e as questões que ele gera.
Embora Copérnico tenha nos expulsado do centro do Universo; Darwin tenha nos mostrado que não somos o ápice da vida; e Hubble tenha nos posto na periferia de uma galáxia comum, nós humanos sempre tivemos admiração e assombro por nossa capacidade cognitiva.
Cerca de 20% de nossa energia é consumida apenas pelo cérebro 1.
Foi a invenção da cocção que nos permitiu absorver mais calorias dos alimentos que, quando crus, permitem uma aproveitamento em torno de 30%, similar a um veículo movido a diesel.
Em outras palavras, para se ter um cérebro como o nosso é preciso cozinhar.
Não temos o maior cérebro, mas temos o córtex com mais neurônios, como explica a neurocientista Suzana Herculano-Houzel.
Este é o segredo de nossa grande capacidade cognitiva.
Tal faculdade nos permitiu erigir uma sociedade complexa, que abriu portas a questões mais complexas e mais abstratas. Em igual patamar de importância está nossa capacidade de trabalho em equipe.
“Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes”. - Isaac Newton
Isaac Newton não teria visto tão longe se não tivesse espiado por sobre os ombros de gigantes; Kepler não teria feito sua revolução sem os dados de Tycho Brahe; Leonardo da Vinci não seria o mesmo sem seu mestre Verrocchio.
É pelo tremendo esforço coletivo obliterado sob as chamas que se lamenta a destruição da Biblioteca de Alexandria, cujo ataque derradeiro foi desferido por Califa Omar, como conta Simon Singh em O Último Teorema de Fermat.
O córtex avantajado e o trabalho em equipe foi o que nos permitiu chegar à “sociedade de alta tecnologia”. Há menos de dois séculos boa parte do que nos cerca não passava de ficção.
O assombro ao verificarmos quão recente nossas tecnologias são, só se equipara ao assombro por tão célere mudança. Embora tenhamos buscado muitas respostas olhando para fora do continente, do planeta e até mesmo da galáxia, dentro de nós ainda reside o questionamento e o objeto questionado.
Afinal, como opera o cérebro?
O advento do computador eletrônico é a prova cabal de que algo complexo pode ser decomposto numa essência atômica. Refiro-me ao bit, a unidade elementar de informação, como nos ensinou o matemático Claude Shannon.
Ainda no começo do século 20 outros dois matemáticos, Alan Turing e John von Neumann, fizeram contribuições fundamentais à computação. Em especial a arquitetura de von Neumann tinha uma inspiração muito distante no cérebro humano.
Sendo este um computador biológico (afinal processa dados), os computadores eletrônicos pareciam fadados a seguir os passos do cérebro humano, além de ajudar a desvendá-lo. Mas não saiu conforme a encomenda.
Cérebros e computadores eletrônicos são fundamentalmente diferentes.
O funcionamento do computador eletrônico é descrito pela formulação matemática chamada Máquina de Turing. Isso significa que um computador pode processar qualquer coisa que possa ser escrita em forma de algoritmo, uma sequência finita e organizada de passos.
O cérebro humano não é uma Máquina de Turing (geralmente é isso que querem dizer quando afirmam que o cérebro não é um computador). No entanto, nosso cérebro parece mais poderoso do que uma Máquina de Turing nos aspectos quantitativos e qualitativos.
É por isso que o neurocientista Miguel Nicolelis argumenta, em O Cérebro Relativístico, que jamais poderemos fazer uma simulação completa do cérebro num computador eletrônico, e critica as altas expectativas sobre o Human Brain Project 2.
Acima de tudo, a computação eletrônica não parece ser capaz de autoconsciência, algo natural ao cérebro humano e de outros animais. Mas, por que não?
Questões limítrofes costumam desafiar nosso intelecto. Estudar a fisiologia do paladar é muito diferente da experiência subjetiva de sentir o gosto e a textura de uma maçã.
Como esta multidão de células pode fazer emergir uma mente que se sente una?
As variadas histórias que o neurologista Oliver Sacks nos conta, e os módulos mentais, como comenta o psicólogo e neurolinguista Steven Pinker, são demonstrações de que a mente é divisível a nível físico e funcional.
Especula-se, ademais, que a consciência seja o efeito colateral da profunda integração interna do cérebro.
Apesar dos avanços recentes, ainda estamos longe de compreender a emergência do “eu” a partir do fluxo e processamento de dados que o cérebro opera.
A natureza sempre foi mais criativa do que o ser humano, e nós ainda temos muito a desvendar. Sempre que um tema é resolvido, novos questionamentos mais complexos são gerados.
Podemos dizer, fazendo certa graça, que as grandes mentes do passado responderam as questões fáceis, e deixaram as difíceis para nós. Este certamente é um vislumbre terrificante.
Será que não temos cognição suficiente para resolver esse e outros mistérios?
Ironicamente jamais saberemos se somos capazes, a menos que sejamos.
Talvez algum dia tenhamos uma fórmula para o cérebro humano assim como temos para a Máquina de Turing. Seria uma espécie de Ciclo de Krebs3 do processamento de dados.
Enquanto isso, continuaremos usando nosso cérebro para desvendarmos a nós mesmos.
O ciclo de Krebs, tricarboxílico ou do ácido cítrico, também referido como ciclo dos ácidos tricarboxílicos, é uma série de reações químicas que ocorrem na vida da célula e seu metabolismo foi descrito pelo bioquímico alemão Hans Adolf Krebs.