Com quê roupa você vai?
Em 2021 eu comemorei quatro anos de casado, tempo suficiente para ver uma copa do mundo e viver uma pandemia. Perceba também que eu uso o termo comemorar e não "venci" ou "pela graça de Deus sobrevivi". São quatro bons anos de matrimônio. Brigas à parte, vai tudo bem, obrigado. O que não exclui diálogos inusitados e negociações inacreditáveis.
A pergunta que dá o título a essa crônica me foi feita quando eu a informei que estava indo a um enterro. Sim, fui interrogado sobre vestimentas ao mesmo tempo que precisava lidar com luto. A inesperada luta pela emancipação do vestir se misturava com a estranha sensação de não poder mais ver alguém. Um pouco mal humorado respondi "Sei lá, qualquer coisa preta!".
O ponto não é crucificar a minha mulher, mas a Mattel. A fabricante da Barbie e da figura masculina mais vestida sob demanda, o Ken. Minha teoria sociológica da alta complexidade é que porque gerações inteiras vestiram um boneco, querem fazê-lo também qualquer homem a sua frente. Maridos, irmãos e amigos sofrem porque brinquedos, Project Runaway e o David Beckham acabaram com a paz de quem só quer usar jeans e camiseta.
Que se normalize a camiseta amassada, a regata colorida, bermuda de tactel e o boné na igreja. Confesso saudade da calça/bermuda que, com um zíper, nos adaptava a qualquer clima ou estação. Veja bem, não sou radical. Reconheço que houve melhora para quem não via problema em "combinar" listrado com xadrez; tênis de corrida com jeans; roxo com laranja.
Sei também que a inquisição sobre a indumentária vem de um coração que não quer que eu passe vergonha (ou seja, use camisa de time no terraço itália). No final, algumas das principais dificuldades de um casamento e, de qualquer relacionamento, são um pouco assim: querer o bem do outro sem saber expressar; ou reconhecer isso a tempo.
Ironicamente ser o animal com a maior capacidade de comunicação na terra, não nos faz os melhores nisso. Golfinhos não brigam por chinelo na casa da sogra; cachorros não discutem sobre pochete. Mas gente se separa por toalha na cama e louça suja na pia. Talvez o segredo não esteja no falar e sim no ouvir. "Você tá bem?".
Imagem de Capa - Parece que a cor preta seria mais adequada - Photo by Artem Beliaikin
Este artigo foi escrito por Daniel Manzano e publicado originalmente em Prensa.li.