Como a inflação mudou nosso comportamento de consumo
Ser brasileiro é, antes de tudo, ser um equilibrista. Alguns podem ser mais exímios, outro menos habilidosos, mas estamos todos tentando atravessar de ponta a ponta a corda bamba que é viver com o salário do mês.
Contudo, nos últimos dois anos, com a alta dos preços dos combustíveis, tem sido ainda mais difícil sobreviver com o ordenado mensal. E, pouco a pouco, fazer o simples vem se tornando caro demais.
Entre o carrinho de compras meio vazio e os programas de fim de semana cancelados, estão as contas que, via de regra, não fecham de jeito nenhum.
A economia já não vinha bem
O final da década de 2010 trouxe uma série de transformações econômicas que, em maior ou menor grau, reduziram o poder aquisitivo dos brasileiros. Passado o boom das commodities, o país pouco desenvolveu sua indústria, que não era (e ainda não é) competitiva com os parques industriais norte-americanos, europeus ou chineses.
Em pouquíssimo tempo, a reforma trabalhista de 2017 impôs severos desafios aos trabalhadores num processo de precarização sentido até hoje, sob a justificativa de flexibilização e aumento da oferta de emprego, algo que nunca se concretizou.
Mas, sem dúvida, o período pandêmico foi avassalador para as finanças mundiais, principalmente para o Brasil. Em 2020, a pandemia bagunçou a economia do país. A indústria, novamente, foi a mais prejudicada com uma queda brusca de demanda diante da paralisação das atividades econômicas e do distanciamento social.
Os setores de comércio e serviços também foram impactados, mas a retração foi contida com o Auxílio Emergencial, que injetou mais de R$ 300 bilhões de reais, e o saque do FGTS emergencial. Sem isso, a queda poderia ser de 12,6% na comparação 2019/2020.
Em 2021 e 2022, o aumento contínuo no preço dos combustíveis, agravado devido à guerra entre Ucrânia e Rússia, resultou num peso de 8% sobre a inflação total em junho desse ano.
Não demorou muito para que toda essa conjuntura trouxesse consequências para o bolso de grande parte da população do nosso país.
Ir ao supermercado, uma missão quase impossível
Se você faz compras semanalmente, já pôde perceber a constante variação nos preços dos alimentos. O vilão vai mudando: pode ser o arroz, o tomate ou a cenoura, mas a vítima sempre é o bolso do consumidor.
A recente pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), em parceria com o Instituto FSB Pesquisa, trouxe um dado alarmante: 40% dos brasileiros e brasileiras deixaram de comprar alguns alimentos. A explicação para isso é mais do que óbvia. A inflação salgou a cesta básica.
Os institutos entrevistaram presencialmente 2.008 pessoas, em todos os Estados e no Distrito Federal, entre os dias 23 e 26 de julho.
Entre os itens que mais pesaram no bolso dos entrevistados nos últimos seis meses, o gás de cozinha lidera, com 68% de citações. Em relação aos alimentos, arroz e feijão (64%), carne vermelha (61%) e frutas, verduras e legumes (59%) são os mais citados.
Isso impacta diretamente o hábito alimentar de milhões de pessoas, que vão buscar alternativas para colocar no prato. O ovo no lugar da carne é um clássico, mas é um exemplo infinitamente mais saudável do que a substituição de demais alimentos por ultra processados, que geralmente são mais baratos, mas que proporcionam uma nutrição inferior.
Outro impacto econômico sobre a alimentação preocupa tanto quanto: empresas vêm reduzindo (ainda mais!) a qualidade de produtos industrializados, como o leite. Para manter os lucros e reduzir os gastos, empresas do ramo vêm oferecendo um produto pobre nutritivamente, à base de soro de leite, açúcar e aditivos químicos, e não leite. Nas embalagens, encontramos a descrição "pó para preparo de bebida sabor leite".
O preço fica mais acessível, mas o organismo de quem compra pede socorro.
Comer fora, nem pensar!
Os hábitos dos brasileiros mudaram não só no supermercado, e isso tem ficado cada dia mais evidente. A pesquisa da CNI/FSB demonstrou isso ao apontar que gastos com lazer, roupas e viagens foram sensivelmente reduzidos.
A fórmula "inflação + subemprego + redução de salários" resultou este ano em 64% dos brasileiros cortando gastos para conseguir dar conta dos compromissos do mês.
Sem trégua e com uma perda considerável do poder aquisitivo, 45% dos brasileiros pararam de comer fora de casa enquanto 43% reduziram gastos com transporte público, acompanhando a alta nos preços dos combustíveis - que encareceu, e muito, o ir e vir da população nas grandes cidades.
Ou seja, mesmo a saidinha do final de semana precisou ser cortada dos planos.
Mas as necessidades básicas permaneceram, e nessas horas, a saída foi negociar: para 68% dos entrevistados, a conversa com o vendedor foi necessária para conseguir preços mais acessíveis.
O mês de julho, contudo, apontou deflação (quando os preços são reajustados para baixo) de 0,68%, acompanhando o corte de impostos sobre eletricidade e combustíveis. Excelente, não? Não. Em 12 meses, já temos inflação de mais de 10%. Trocando em miúdos, a queda do mês passado foi ínfima diante da alta no recorte de um ano.
Viagens, alimentação, lazer, educação... são tantas as áreas da vida humana afetadas pela inflação que, para sobreviver, precisamos todos passar por um processo de mudança de hábitos.
Este artigo foi escrito por Pablo Michel Magalhães e publicado originalmente em Prensa.li.