Como anda seu título de eleitor?
Sócrates em campanha pelas eleições diretas. O jogador foi um dos símbolos da luta por democracia. Foto: J. B. Scalco
Democracias são testadas constantemente, faz parte do jogo. O fundamental é o que fazemos com as experiências de cada momento. É possível aprender com erros e acertos. Passamos por alguns testes entre 1954 e 1964, por exemplo.
Em 54, até o suicídio de Getúlio Vargas, fez-se coro por intervenção militar. Em 55, tentaram impedir a posse de Juscelino. Em 56, no início de seu mandato, militares da aeronáutica tomam a base de Jacareacanga, no Pará, querendo derrubar a República.
Em 61, a tentativa de impedir a posse de João Goulart, que deveria assumir com a renúncia de Jânio Quadros. Até que em 1964, finalmente o caldo golpista entornou.
Nossa experiência entre 1945 e 1964 é riquíssima em desenvolvimento, arte e democracia. Apesar do golpe, em todas as outras vezes citadas a sociedade brasileira agiu nas conjunturas a favor da continuidade democrática.
A história é a maior pregadora de peças que existe. O que poderia sugerir exímia habilidade, está mais para número de oportunidades.
As eleições de 2022 - em pleno bicentenário da Independência - prometem ser as mais importantes desde a redemocratização. A esse processo, do restabelecimento da livre participação política, é que retornaremos em outubro. Ainda que às avessas.
A lista de chamadas
A eleição presidencial, particularmente, está substancialmente carregada de conteúdo plebiscitário. A discussão está para além de diferentes projetos – que indicariam livre debate de ideias. O que se vai decidir, no frigir dos ovos, é entre democracia ou ditadura – civilização ou barbárie.
Esse conteúdo começa a aparecer, ao avançar do ano, cada vez com mais força. Pôde ser visto na transmissão do Festival Lollapalooza.
Das primeiras reuniões, pós-Covid, de centenas de milhares de pessoas no mesmo espaço no Brasil, o Festival foi invadido por palavras de ordem contra o presidente, instigando atrapalhadas reações autoritárias por parte do governo.
O Supremo Tribunal Federal está julgando ações contra a política ambiental executada nos últimos quatro anos. As decisões podem representar um enquadro judicial no estímulo à completa destruição de nossa biodiversidade.
A ministra Carmem Lúcia, muito acertadamente, se referiu ao retrocesso ambiental como “cupinização institucional”. Essa cupinização, no entanto, se alastra a todas as esferas da República.
A festa de aniversário do fundador do “Congresso em Foco” foi invadida por policiais militares, no DF, após gritos de #forabolsonaro. A ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e diversos outros veículos se solidarizaram.
Após notícias de que o número de jovens tirando títulos de eleitor é o menor da história, artistas, personalidades em geral e até o TSE atuam em campanha de conscientização sobre a participação no pleito. Após apelos, mais de cem mil jovens resolveram se envolver no rito.
Um a um, os setores que formam a sociedade estão sendo chamados a se posicionar de alguma forma sobre o plebiscito. A tensão está entranhada e expõe as vísceras a cada oportunidade.
Como responderemos dessa vez?
Vivemos o desgaste da normalidade democrática a ponto de ascender ao poder, por expressiva vontade popular, aspirações abertamente ditatoriais – louvando página infeliz da nossa história.
As sucessivas crises resultaram num rebaixamento geral do horizonte de expectativas. Não há utopia que permita sonhar com o amanhã. O desgaste da política, porém, não pode representar seu fim. Somente fazendo política é que se encontra uma saída.
Esse ano, vivemos o maior teste da experiência democrática de nossa geração. O que fazer com ela é decidido dia a dia – “não existe um arco da história”, diria Anne Applebaum.
A sociedade tem de se mobilizar para garantir que sua resposta seja bem assimilada, sem chances a “narrativas” ou teorias da conspiração.
Como mostram os acontecimentos das décadas de 50 e 60, rechaçar um golpe uma vez não é sinônimo de fim do golpismo. Mas abre-se oportunidade pedagógica de valorização da liberdade.
Este artigo foi escrito por Matheus Dias e publicado originalmente em Prensa.li.