Como o Tik Tok transformou nosso jeito de ouvir música
Já parou pra pensar como você descobriu que gostava das músicas que escuta diariamente?
Uma dica de amigos, um programa de rádio, um clip na MTV, um vídeo no Youtube... ou uma dança no TikTok?
Não somente a história da música, mas a história da forma como ouvimos música também é marcada por profundas transformações tecnológicas que, em menor ou maior grau, influenciaram o nosso gosto musical.
Há toda uma geração, por exemplo, que ouvia ansiosamente os programas de rádio para acompanhar as novidades ou descobrir quais eram os hits do momento. Os mais atentos davam o rec/play na fita cassete no exato momento em que "aquela música" tocava, para depois ouvir repetidamente, até as pilhas do walkman acabarem.
E essa era uma forma de conhecer a personalidade de uma pessoa: as seleções musicais das fitas cassete de alguém eram sintomáticas e carregavam um quê de especial, único, pessoal.
A mudança de mídias nos anos 90 fez com que muitos migrassem para o CD, que, de certa forma, manteve o charme nostálgico das seleções musicais, agora armazenadas em mp3 nos computadores.
Das ondas do rádio aos compartilhamentos na internet, muita coisa rolou sobre a maneira que escolhemos as canções que embalam nossos corações.
E é sobre isso que vamos tratar neste artigo.
O que mudou com o TikTok?
O advento das tecnologias digitais e, principalmente, a revolução causada pelas mídias sociais de relacionamento, como o TikTok, provocaram uma mudança radical nesta forma de ouvir, amar e compartilhar músicas.
Além do rádio, os clipes musicais ao longo dos anos 80, 90 e 2000 introduziam no repertório cultural de milhares de pessoas novas músicas. A MTV em nível global e o Multishow no Brasil eram canais cuja programação apresentou aos espectadores artistas e bandas que despontavam no cenário musical.
Contudo, essa dinâmica mudou. Em vídeos curtos, de 1 minuto, tela na vertical e um algoritmo desenvolvido com o intuito de prender o usuário, o TikTok potencializou ao máximo o consumo de música, numa velocidade completamente diferente.
Ao invés de clips ou shows, o app viraliza canções por meio de desafios, trends e danças, que se espalham entre curtidas e compartilhamentos. Além disso, com a liberação dos pólos emissor/consumidor, todo usuário da rede se tornou um criador de conteúdo em potencial. Esta é uma das características da cibercultura, assunto muito bem abordado pelo pesquisador André Lemos em um artigo que você pode ler aqui.
O TikTok e as demais mídias sociais são espaços digitais onde os próprios usuários criam o conteúdo, que é consumido por outros usuários que também podem criar, num ritmo frenético. Ou seja: não basta curtir, é preciso também reproduzir a trend ou iniciar uma nova.
Nesse embalo, artistas como Olivia Rodrigo, o rapper Lil Nas X e o cantor brasileiro João Gomes viram suas músicas se transformarem em hits.
De fato, o TikTok foi criado para ser viciante. Segundo Matthew Brennan, autor de Attention Factory (Fábrica de Atenção, em português) e especialista em tecnologia na China, o app possui um dos algoritmos de recomendação mais sofisticados do mundo. Esse seria um dos motivos para o vício dos usuários.
Em sua base, o algoritmo usa machine learning (aprendizado da máquina) para oferecer à pessoa um conteúdo cada vez mais aproximado de seu comportamento e preferências.
O que isso significa? Mais tempo de uso do app, maior interação e consumo. Algo fundamental na indústria musical, que se beneficia com essa ferramenta.
No Brasil, por exemplo, o Ecad, a entidade brasileira responsável pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais das músicas aos autores e demais titulares, fechou um acordo com o TikTok, garantindo uma fonte de receita para os artistas brasileiros, referente à reprodução das músicas no aplicativo.
O que mudou nas músicas?
A dinâmica das redes e o curto espaço de tempo (15, 30 ou 60 segundos) também modificaram a própria estrutura musical.
O que podemos observar é que o recurso do looping dá a tônica das composições que buscam o tão desejado viral nas redes, com refrões simples e "grudentos" que se repetem ad infinitum.
Nesse contexto, alguns estilos musicais despontam como os preferidos dos artistas, como o breganejo, o bregafunk, o forró eletrônico e o pagode baiano, pensando especialmente no público brasileiro.
Desta maneira, o combo "música + viral + dança" é o que permite que o artista e sua composição cheguem a um nível de exposição necessário para povoar os hits dos usuários com uma maior frequência.
Isso provoca uma transformação na produção musical, sem dúvida. Há compositores que criam suas músicas especialmente para o TikTok, caso, por exemplo, de Kevin O Chris, com o single Tipo Gin.
Ouvimos melhor ou pior? O dilema das tecnologias
É um conflito geracional bem comum: as gerações mais velhas tendem a dizer que "naquele tempo é que era bom". Já pudemos abordar este assunto em texto aqui na coluna.
Vivemos em um momento histórico onde a revolução digital proporcionou a criação de uma cultura mundial conectada, o que chamamos de cibercultura. E sempre, via de regra, todo processo cultural é marcado por mudanças.
Ouvir música numa fita cassete ou no Spotify pode trazer ao usuário experiências diferentes, mas nem uma forma e nem outra são melhores ou piores.
O legal nesse processo é compreender como as gerações se apropriam da cultura, nesse caso, da música, e com ela estabelecem relações de pertencimento. É óbvio que a música de cada geração será diferente e marcará as pessoas de formas distintas. O retorno, por exemplo, de músicas dos anos 1980, como "Running up the hill", da cantora inglesa Kate Bush, tem muito a ver com isso.
Seu estouro recente se deu, em parte, pela presença na trilha sonora da série Stranger Things, da Netflix. Mas, em parte, também foi graças ao compartilhamento massivo nas mídias em vídeos do TikTok e do Reels (Instagram), atingindo até mesmo quem não assistiu à série.
Em resumo: não se trata do fim da música, tal qual conheciam a geração X ou Y, mas o início de uma (nem tão) nova experiência musical das novas gerações.
E o TikTok é parte dessa revolução.
Este artigo foi escrito por Pablo Michel Magalhães e publicado originalmente em Prensa.li.