Comprovante de engano bancário
Entre fatos, fatos criados e versões de fatos, algo acontece na relação escritor-leitor: o vernáculo escrito permite, ainda que sob tutela de palavras escolhidas, o conhecer daquele que escreve. Longe de ser diário, confessionário ou qualquer coisa didática, espaços como esse permitem que leitores conheçam parte da cabeça e um pouco do coração dos que editam ideias em vocábulos.
Todo o exordium anterior, por exemplo, serve para trazer algum verniz de erudição para a mais prosaica das minhas indignações. Me refiro ao ato das pessoas insistirem em mandar comprovantes de pagamento logo depois de se comprometerem ou efetuarem transações. Estão excluídas, portanto, transferências que envolvam CNPJs em alguma das pontas.
Que o Brasil está em crise generalizada, ninguém dúvida. Da estética ao preço do gás de cozinha, a pindaíba nacional é tanta que o melhor cronista do país (Antônio Prata) diz que o melhor comentarista nacional é lusitano (Ricardo Araújo Pereira). Ainda assim me arrisco a dizer que nenhum acinte é tão desgostoso quanto a "prova" de honestidade em formato de imagem no whatsapp.
Não apenas isso, rotineiramente ouve-se o sinceridio "eu juro". Esse artifício verbal é nada mais, menos do que o confessar involuntário de algo como "dessa ver é verdade, pode acreditar". E antes disso? Vivíamos cegos nas trevas? Chafurdávamos na lama do engano? Essa mandinga argumentativa denuncia o caos da confiança nas relações pessoais.
Parece que o "sim" virou "não" e vice-versa ao contrário. Todos primos de primeiro grau do "vamo marcar", "a caminho", "tô dando só uma olhandinha" e o filho de belial "na volta a gente compra". Evitamos dizer "nao sei" para manter escondida a ignorância. Usamos termos raros, quando não anódinos em nome da intelectualidade. Escolhemos estrangeirismo na projeção de uma falsa erudição.
A minha aflição bancária é moral, cívica e apocalíptica. Um verdadeiro sitz in leben desgraçado e desonesto.
Só manda comprovante que não se garante - Photo by Michael Walter on Unsplash
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Este artigo foi escrito por Daniel Manzano e publicado originalmente em Prensa.li.