Computação Quântica
Apesar da contínua evolução tecnológica dos sistemas computacionais ao longo do último meio século, ainda existem muitos problemas que os computadores atuais não conseguem resolver.
Muitos desse problemas estão e estarão fora do alcance dos computadores que temos atualmente. É a perspectiva de finalmente encontrar uma solução para esses problemas “intratáveis” que tem alavancado as pesquisas para a computação quântica. Um estudo do BCG, “What Happens When ‘If’ Turns to ‘When’ in Quantum Computing ?” estima que a computação quântica pode criar valor de US$ 450 bilhões a US$ 850 bilhões nos próximos 15 a 30 anos.
Portanto, os computadores quânticos não substituirão os computadores tradicionais que usamos hoje. Em vez disso, eles trabalharão lado a lado para resolver problemas computacionalmente complexos com os quais os computadores clássicos não conseguem lidar com a rapidez necessária.
Os ganhos aparecerão primeiro para empresas nos setores que demandam requisitos complexos de simulação e otimização. As aplicações que farão diferença na computação quântica são as que exploram otimização combinatória (otimização logística e otimização de portfólio de investimentos em serviços financeiros), equações diferenciais (simulação de dinâmica de fluído para projetos de automóveis e aeronaves, bem como na simulação molecular para descoberta de novas drogas), álgebra linear (sequenciamento do DNA e segmentação de clientes), e fatorização (criptografia). Talvez a primeira “killer application” da computação quântica seja quebrar a criptografia do bitcoin!
Atrasos quânticos
Mas o estudo também alerta que as oportunidades não serão distribuídas uniformemente. A computação quântica é uma tecnologia com elevadas barreiras para a adoção. A escassez de talentos, softwares muito diferentes dos atuais, que demandam altos investimentos, são problemas que tendem a aumentar o fosso entre empresas e países que se posicionarem como líderes e os que ficarem para trás.
Esse fosso já é palpável na adoção de IA, quando vemos uma grande concentração de talentos e pesquisas em um grupo pequeno de empresas e países. Na computação quântica, assim como em IA, o predomínio está, indiscutivelmente, com EUA e China, com as duas superpotências disputando acirradamente a liderança. IA e computação quântica estão para a preponderância política, econômica e militar como o poder nuclear estava para a Guerra Fria.
Um gif animado do Gato de Schrödinger
Mas, o que é computação quântica? De forma simplificada, é uma nova arquitetura computacional que executa determinadas tarefas com muito mais eficiência que a computação eletrônica tradicional.
Os computadores atuais são baseados em bits, que podem ser zero ou um. Cada aplicação, fotografia ou base de dados é constituída por milhões de bits. Os computadores quânticos não usam bits, mas “quantum bits” ou qubits, que são partículas subatômicas como elétrons ou fótons. Os qubits obedecem às leis da física quântica, com suas propriedades peculiares que lhes dão as capacidades de supercomputação.
A primeira propriedade é a superposição, ou a capacidade de cada qubit estar em múltiplos estados ao mesmo tempo. Isso permite múltiplos qubits em superposição a processar um grande número de saídas simultaneamente.
É como jogar xadrez tridimensional em ainda mais dimensões (Jani Kaasinen - via Unsplash)
Vamos imaginar um jogo de xadrez. Um sistema de IA atual vai tentar calcular todas as possíveis jogadas, uma de cada vez, para escolher a que estatisticamente oferecer o melhor resultado. No computador quântico, o sistema de IA pode processar todos os movimentos ao mesmo tempo. Um ganho de tempo fantástico!
A segunda propriedade é o emaranhamento, que significa que dois qubits permanecem conectados de modo que as ações executadas por um afetam o outro, mesmo quando os dois estão separados por grandes distâncias. Assim, cada qubit adicionado ao sistema aumenta sua capacidade computacional.
Para dobrarmos a capacidade computacional de um supercomputador atual, devemos dobrar sua capacidade e claro, dobrar seu custo. Para dobrar a capacidade de um computador quântico basta adicionar um novo qubit.
Computadores difíceis de lidar
Mas, construir um computador quântico não é uma tarefa simples. São muito sensíveis às mínimas alterações no ambiente, como pequenas vibrações, interferências elétricas, mudanças de temperatura ou ondas magnéticas, que podem provocar a degradação ou anulação da superposição.
Um computador quântico não pode operar em ambientes normais como os atuais, mas precisam de ambientes totalmente isolados, em câmaras de vácuo e baixíssimas temperaturas para diminuir a perda de coerência quântica ou decoerência quântica.
A decoerência quântica é um imenso desafio. Para minimizar os erros de perda de coerência quântica, cada qubit lógico precisa ser representado por muitos qubits físicos. Estima-se que um computador quântico precise de no mínimo um milhão de qubits físicos para prover desempenho equivalente a 4.000 qubits lógicos. Construir e operar uma máquina dessas não é simples. Produzir e operar em escala potencializa o desafio.
Por isso, apesar da realidade da computação quântica, em uso amplo, ainda está situada a pelo menos dez anos de distância (apesar do hype agressivo e otimista das empresas que estão pesquisando o assunto). É essencial que as empresas e países comecem a desenhar planos estratégicos para sua adoção.
Aprendendo a pensar em estilo quântico
A curva de aprendizado é muito íngreme e quanto mais cedo começarmos a escalar a encosta, mais cedo chegaremos ao cume. A computação quântica provavelmente apresentará uma curva de evolução exponencial, como já vimos acontecer com outras tecnologias da era digital, e as empresas e países que chegarem primeiro ao ponto de inflexão, aumentarão exponencialmente sua distância em relação aos retardatários.
Isso implica que no início, sua adoção será bem limitada, pelas restrições tecnológicas, humanas e financeiras, mas a partir de determinado ponto sua evolução aumentará de forma rápida e sua aplicabilidade se ampliará drasticamente.
O aprendizado obtido nas fases iniciais será de grande valia para a sua fase de aceleração. A formação de talentos e conhecimentos de potenciais e limitações deve, portanto, começar o mais rápido possível e não aguardar a fase pós-inflexão.
A culpa é toda dele. (Andrews George - via Unsplash)
Hora de se preparar
Para se preparar para esse futuro com a computação quântica, devemos considerar algumas linhas de ação, tanto para empresas, como para a academia e projeto de país:
Acompanhar a evolução tecnológica. Não ficar alheio ao que acontece no mundo da computação quântica. O governo deve incentivar a criação de observatórios de acompanhamento da tecnologia pela academia e órgãos de pesquisa.
Identificar potenciais talentos dentro das empresas e em universidades, incentivando programas de incentivo à geração de ideias e aquisição de conhecimento. As universidades deveriam inserir disciplina de computação quântica em seus cursos de ciência da computação. Afinal, um aluno que inicia hoje um curso de ciência da computação encontrará, ao se formar, daqui a quatro anos, a computação quântica provavelmente já muito mais avançada que hoje, com diversos protótipos funcionando e alguns até mesmo disponíveis para operação restrita. Os cursos de IA têm, por obrigação, dar base teórica (e talvez prática, usando os recursos já disponíveis ofertados por empresas de tecnologia, de “quantum computing as a service”), pois sua aplicabilidade em potencializar a IA se mostra bem promissora.
Considerar que daqui a dez anos o cenário da computação quântica começará a criar disrupções em muitos setores. Não seria má ideia considerar esta possibilidade nas análises estratégicas de longo prazo. Segundo o Gartner, espera-se que 20% das empresas, aquelas mais maduras em mentalidade digital, reservem budget para experimentos e PoCs em computação quântica já em 2023.
Minha sugestão para os executivos das empresas e profissionais de TI é, pelo menos, inserir o tópico nas discussões e iniciar um programa de conhecimento básico. Um “quantum computing for dummies”. Para o pessoal mais técnico, se quiserem começar a praticar, leiam o artigo “How to get started in quantum computing”, com boas dicas de tools kits de software.
Para os gestores, recomendo a leitura do estudo “A business leader’s guide to quantum technology”. É apenas o primeiro passo de uma longa e tortuosa jornada.
Imagem de capa - Anton Maksimov-Juvnsky - via Unsplash
Este artigo foi escrito por Cezar Taurion e publicado originalmente em Prensa.li.