Consignado no Auxílio Brasil, boa ou má ideia?
Recorrer a um empréstimo é um atitude que pode ter algumas motivações. Pagar contas que estouraram o teto orçamentário do mês, adquirir um bem móvel ou imóvel, complementar o valor de um investimento que terá usufruto a longo prazo...
Em tempos de crise econômica pós-pandemia, como é o caso, com alta de preços em diversos setores e a necessidade urgente de alimentação, empréstimos acabam sendo feitos a curto prazo, o que aumenta ainda mais as dificuldades de famílias com orçamento apertado e finanças pouco planejadas.
Em 2020, o projeto que gerou a lei 13.982 proporcionou à população de baixa renda no país um auxílio emergêncial no valor de R$600. O impacto disso para a economia nacional foi fundamental para a sobrevida e famílias e trabalhadores autônomos.
Passados dois anos, a transformação deste auxílio em um benefício governamental, intitulado Auxílio Brasil, trouxe em seu bojo alguns pontos controversos, e não nos referimos aqui ao caráter eleitoreiro da ação.
Em um acordo entre bancos e a esfera federal do poder, está se abrindo a possibilidade de que os beneficiários deste auxílio possam realizar empréstimos consignados.
Quais os riscos disto para as finanças familiares? Vamos pensar um pouco.
Consignado com juros altos
Partimos de um ponto óbvio: um empréstimo significa, sim, um alívio econômico, muito embora seja uma folga de curto prazo. O ônus, então, recai sobre a taxa de juros cobrada sobre o valor tomado. O empréstimo consignado, que é aquele em que as parcelas são descontadas diretamente na fonte salarial, é o que geralmente apresenta as taxas mais baixas.
Pensionistas, aposentados e servidores públicos são as categorias que possuem essa facilidade.
Porém, após a medida provisória editada pelo governo e aprovada no Senado, os beneficiários do Auxílio Brasil também poderão acessar este tipo de empréstimo. Contudo, as condições são diferentes.
A taxa de juros cobrada pelos bancos para esse caso específico chega a quase 6% ao mês. É uma porcentagem superior ao que é cobrado às demais categorias que mencionamos acima.
Segundo a comentarista da Globonews, Flávia Oliveira, são "juros de agiotagem" cobrados de famílias vulneráveis.
Outro ponto a ser refletido é o limite de consignação. Também aprovada na MP e no Senado, até 40% do subsídio pode ser utilizada para consignação. Isso significa que, dos R$600 reais, a pessoa pode comprometer R$160,00 no valor das parcelas do empréstimo.
Há como sobreviver com os R$440 restantes? A resposta pra isso só pode ser dada mediante planejamento das finanças de cada família. Por exemplo: os juros do consignado são inferiores às dividas familiares com cartão de crédito (algo em torno de 8,51% ao mês)? Neste caso, sim.
O problema é que há o risco de um afundamento generalizado em dívidas, minando o valor do benefício e colocando novamente estas famílias a fila da fome.
Para além dos números, é preciso lembrar que existem pessoas de verdade que dependem desse tipo de negociação.
Em reportagem da Folha de São Paulo, conhecemos o caso de Amanda Prado, beneficiária do programa e que já simulou o empréstimo. Seu benefício já será depositado com R$160 a menos, referente às parcelas do empréstimo de R$2.056, sobre o qual Amanda pagará 79% de juros ao ano.
Mãe de quatro filhos e atualmente desempregada, ela precisa comprar roupas para as crianças, que passam sérias dificuldades.
Os bancos vão aderir?
Há uma tendência provável de que a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil sejam os principais operadores destes consignados.
Entre as instituições privadas, Itaú, Santander, Nubank, BMG, Inter e Sicoob já sinalizaram que não irão ofertar esta modalidade de crédito. Estes bancos seguem a mesma linha do Bradesco, cujo presidente, Octavio de Lazari Junior, afirmou que a operação apresenta riscos.
Além do endividamento das famílias vulneráveis, Lazari junior evidenciou o alto risco de um consignado sobre uma fonte temporária de renda, o que justificaria os juros mais altos.
Ao fim e ao cabo, não se trata de benevolência com os mais pobres. A fala do executivo deixa claro que os bancos privados não pretendem arriscar seu capital em uma modalidade arriscada de empréstimo.
Na contramão, o banco Pan e o Agi pretendem explorar essa linha de crédito em sua carteira de serviços.
Se precisar, planeje!
Se você que me lê é um beneficiário o auxílio ou está pleiteando recebê-lo, tenha cuidado ao considerar o empréstimo consignado.
Antes de mais nada, planeje. Simule os valores, compare com suas dívidas atuais e observe em qual caso a taxa de juros é menor. Apenas neste caso é recomendável retirar o empréstimo.
Além disso, calcule o valor restante do auxílio em comparação com as despesas mensais. É possível encher o carrinho do supermercado com o valor restante? Sobrará algum valor para pagamento das despesas domésticas com água, luz e internet, por exemplo?
A educação financeira, tão negligenciada pelo Estado no sistema de ensino, nunca foi tão necessária!
Este artigo foi escrito por Pablo Michel Magalhães e publicado originalmente em Prensa.li.