Conversa de Espermatozoides
Dois espermatozoides estão a caminho para penetrar na parede de um óvulo, quando um se vira para o outro e diz:
- Meu amigo, que briga é essa, hein? Todos querendo entrar nesse tal de óvulo...
- Claro! – diz o outro. Todos querem fazer parte desse projeto, formar um bebê.
- Mas qual a real vantagem disso? – pergunta o primeiro.
- Hum, bem, acho que é participar do que chamam de vida, formar um bebê, receber uma alma.
- Mas nós já estamos vivos!
- Mas não temos alma. – diz o segundo.
- E qual é a vantagem de ter uma alma?
- Olha, isso eu não sei dizer, mas se há tantos espermatozoides brigando para entrar no óvulo, é porque deve ser uma coisa boa.
- Sei não. Esse bebê vai ser formado e pode nascer naquela tragédia que é o Afeganistão, sofrer pra caramba. Ou então pode nascer em uma família desestruturada, passar fome, entre outras necessidades. E se todos esses espermatozoides, inclusive eu e você, estivermos apenas enganados, iludidos?
- Mas se não entrarmos no óvulo nós iremos morrer!!
-Mas se entrarmos iremos morrer também um dia. Ou seja, de qualquer forma, a inexistência será sempre nossa maior realidade. Então talvez seja melhor já permanecer na inexistência. Você não acha?
- Meu amigo, você é muito filosófico, pensa demais. Se eu fosse você, entrava logo nesse óvulo e deixava de conversa.
- O problema é que, se eu entrar, todos os outros espermatozoides irão morrer, inclusive você. Isso é uma injustiça social.
- Cara, você é muito estranho. Isso é a natureza. É assim que as coisas funcionam.
- A natureza é que é estranha. Ou você mata ou você morre? Se é assim que as coisas funcionam, então elas funcionam de forma errada. Eu acho que não vou entrar. Não faz sentido. Se eu ficar, eu morro. Se eu entrar, eu também morrerei daqui um tempo, sendo que o tempo é algo totalmente relativo, passa voando. Então, eu acho que eu vou ficar por aqui mesmo.
- Mas você pode formar o bebê filho de um bilionário, ter uma vida maravilhosa em todos os sentidos...
- Será? As chances disso acontecer são mínimas. O mundo é totalmente desigual, com pouquíssimos bilionários. E quem disse que os bilionários são pessoas completamente felizes? Acho que não vale a pena. Vou ficar por aqui mesmo. Não terei desilusões, não me decepcionarei com as pessoas, não terei que acordar cedo, não enfrentarei doenças...
- Realmente você é muito estranho.
- Talvez. Porém, mais estranho do que eu é tudo isso, entrar no óvulo, formar um bebê, crescer, morrer... não há nenhum sentido nisso.
- Eu não sei qual é o sentido, mas tiauzinho. Estou indo.
- Vá, meu amigo, mas leve com você a certeza de que a ignorância é uma grande felicidade...
Nota do autor: Quando me olho no espelho e me lembro que sou o resultado da soma de um bichinho gorducho mais um outro cabeçudo e rabudo, percebo que até estou mais ou menos bem fisicamente, apesar dos meus 52 anos de idade.
Este artigo foi escrito por Sandro Mendes e publicado originalmente em Prensa.li.