Olá! Confira a 6ª edição da Pausa Para Um Café — nosso respiro cultural em meio às demandas cotidianas. Na edição de hoje:
Bouba ou Kiki? a designer
na busca por compreender como assimilamos o mundo a partir das formas e organização visual;Lendo Imagens: o redator
lê a capa do disco Panis Et Circensis ou Tropicália, de 1969;As células de uma heroína involuntária: o editor audiovisual
evoca a memória de Henrietta Lacks;As coisas que ficam: uma seleção de indicações da editora
para noites — ou dias — inquietos.
ÓCIO CRIATIVO
por Maytê Emilly
Quando comecei a faculdade de design gráfico, lá em 2019, fui bombardeada com uma série de curiosidades sobre as relações que fazemos de modo inconsciente porém constante. Mais especificamente, na matéria “Cor, forma e percepção” era comum o levantamento de temas como Gestalt e semiótica na busca por compreender como lemos o mundo a partir das formas e organização visual.
É comum que nosso interesse caia mais pesadamente na psicologia das cores, o que é completamente compreensível pois os estudos nessa área são recheados de descobertas fascinantes — por exemplo, o contexto em que a cor está inserida pode mudar não só as sensações que relacionamos a elas (como quando dizemos que vermelho é a cor da paixão mas linkamos a combinação de vermelho e preto a terror ou violência) mas também enganar nosso cérebro gerando ilusões de ótica.
A título de exemplo, nessa imagem criada por David Novick as 12 esferas são da mesma cor, no mesmo tom, mas sua interação com os arredores “contamina” nossa percepção, criando a ilusão de que algumas são mais esverdeadas, azuladas ou avermelhadas.
No entanto, um efeito igualmente interessante foi descoberto na associação que fazemos entre sons e formas. Um estudo realizado com pessoas de diferentes idades e ocupações consistia em apresentar duas formas, uma com bordas suaves e arredondadas e outra com extremidades pontiagudas, e perguntar aos participantes qual delas era Bouba, e qual era Kiki. Quase 100% dos partícipes coincidem em responder que a forma curva seria Bouba, e a dentada seria Kiki.
De vez em quando esbarro em algum criador de conteúdo revisitando o tema e continuo achando impressionante a quantidade de associações que podemos fazer mesmo que não tenhamos consciência do porquê.
E aí, você já tinha ouvido falar do efeito bouba/kiki?
GELEIA GERAL
por Gal Florentino
A digestão cultural do tropicalismo é muito bem sintetizada na capa do disco Tropicália ou Panis Et Circensis.
O registro feito por Oliver Perroy em São Paulo, analisado à partir do diálogo com a estética do manifesto antropofágico, representa um marco da cultura audiovisual brasileira, onde diversos artistas de diferentes segmentos e expressões uniram-se em criação conjunta nos anos de Regime Militar, produzindo material artístico inovador e subversivo — sem ser literal — a ponto de não ser compreendido com clareza na época.
A composição da foto parte da ideia de parodiar a tradicional foto em família, costume simbólico da classe media brasileira.
Sentados, a cantora Gal Costa e o poeta Torquato Neto representam o casal dessa classe média, acima deles há Tom Zé carregando bolsa de couro em alusão ao retirante nordestino.
O maestro e compositor Rogério Duprat está na outra ponta da foto segurando um penico, ele foi considerado quase que um mentor para os tropicalistas e a adição do penico dialoga com as vanguardas europeias e Duchamp. Acima, Os Mutantes seguram guitarras elétricas e a transgressão musical e a controvérsia que o instrumento trouxe à música brasileira.
Abaixo, Caetano Veloso segura um quadro com a foto de Nara Leão, em referência à bossa-nova, um dos gêneros musicais que fazem parte da digestão tropicalista. Gilberto Gil segura um retrato de formatura de Capinam, poeta negro — a presença de Gil em destaque e Capinam em seu momento célebre de formatura é um ponto de virada na representação do negro.
O tropicalismo atravessa as décadas reverberando em discurso, estética e narrativa. A identidade cultural brasileira, rica, plural e diversa, também é marcada pelos atravessamentos tropicalistas que inspiram novos artistas. Confira uma playlist criada por mim com uma seleção dos Novos Tropicalistas da Música Popular Brasileira:
PORTAL PARA ESTA DIMENSÃO
por Júlio César
Para celebrar o Dia Internacional da Mulher, trago um breve resumo sobre as células de Henrietta Lacks.
Em 1951, Henrietta Lacks, uma mulher negra de 31 anos, morreu de câncer cervical no Hospital John Hopkins. Sem seu conhecimento ou consentimento, um médico removeu um pedaço de seu tumor para pesquisa, numa época na qual não havia legislação clara sobre isso. As células do tumor de Henrietta se mostraram únicas, pois se multiplicavam indefinidamente em laboratório, tornando-se a primeira linhagem celular humana imortal, conhecida como HeLa.
As células HeLa revolucionaram a pesquisa médica, contribuindo para o desenvolvimento da vacina contra a poliomielite, testes de medicamentos e cosméticos, mapeamento do genoma humano, estudos sobre o câncer e outras doenças. Elas foram levadas nas primeiras missões espaciais e em testes atômicos. Estima-se que existam bilhões de células HeLa em laboratórios do mundo todo.
A família de Henrietta Lacks só soube da existência das células HeLa em 1973. Chocados ao descobrir que as células de Henrietta estavam sendo usadas para pesquisa sem seu conhecimento ou consentimento, eles lutaram por reconhecimento e compensação financeira pela contribuição involuntária de Henrietta à ciência. A venda e uso de células HeLa movimentavam milhões de dólares.
Henrietta Lacks é considerada uma heroína científica por sua contribuição involuntária à pesquisa médica. Sua história levanta questões éticas sobre o uso de células e tecidos humanos para pesquisa. A luta da família Lacks contribuiu para aumentar a consciencialização sobre o consentimento informado e a justiça social na pesquisa médica.
"As células dela têm sido a base de dezenas de milhares de estudos médicos em todo o mundo e em diversos ramos da ciência biológica. Foi um elemento crucial para o desenvolvimento no século 20", diz o geneticista John Burn.
A família de Henrietta Lacks continua sua luta na justiça.
REALISMO FANTÁSTICO
por Fernanda Waisman
(♫ Para ler ouvindo Já fui uma brasa, do Adoniran Barbosa)
Essa semana eu fiquei insone e aproveitei o (raro) silêncio da casa para escrever e tirar da minha cabeça aquilo que não estava me deixando dormir. Entre as várias coisas que saíram dali, estavam esses parágrafos:
“... passei mais de uma hora pensando sobre tudo o que vem acontecendo, tanta coisa que eu não fiz.
De novo não respondi mensagem de ninguém, não deu tempo de retornar aquela ligação, esqueci um prazo importante e não retomei meu projeto autoral.
Um dia eu quero zerar essa conta em aberto; quitar essa dívida, esse débito que sempre se estabelece entre quem eu sou, quem eu quero ser e essa aqui, que é quem eu consigo ser agora.”
Já faz tempo que eu não tenho dado conta de tudo e, de verdade, acredito que a vida é assim para a maioria das pessoas. Mas acreditar nisso não tem necessariamente feito com que eu me cobre menos com relação ao que eu gostaria de fazer e realizar.
Com tanta coisa para resolver, entre as mil facetas e afazeres que a gente tem, uma ou outra coisa sempre acaba se perdendo no caminho. Para mim, é muito importante não deixar de olhar para trás para reencontrar o que ficou por lá.
Por isso, hoje quero compartilhar com você algumas coisas que me ajudam a não me perder por completo de mim mesma quando a agenda fica cheia demais e nada parece ser suficiente. São lembretes de que, em meio a tudo o que passa, tem muita coisa que fica. Ainda bem!
Um livro: Se você me chamar eu largo tudo... mas por favor me chame, do Albert Espinosa – livro sobre se encontrar, se perder e se encontrar de novo (e assim por diante).
Uma série: Please like me – série australiana de 2013 que acompanha um jovem tentando encontrar seu lugar no mundo.
Um filme: A vida secreta de Walter Mitty – filme também de 2013 que mostra que viver já é, por si só, uma aventura imprevisível.
Um álbum: Ao vivo lá em casa, do Arnaldo Antunes – apresentação de 2010 que me lembra quem eu fui e embalou vários momentos enquanto eu me tornava quem eu sou.
A Pausa Para Um Café é uma newsletter quinzenal. Saiba mais sobre o projeto e cada uma das colunas aqui.
Até a próxima Pausa,
Time Prensa