Coringa: a loucura como resposta à indiferença
(Imagem: Divulgação | Warner Bros.)
O filme Coringa, de Todd Phillips, estrelado por Joaquin Phoenix, é muito mais do que um belo poema cinematográfico sobre a loucura. É uma feroz crítica ao sistema e às instituições. As instituições que deveriam proteger os cidadãos, os ignoram. O sistema apresenta a lógica psicopata.
O filme parece defender a ideia de que apenas a lógica psicótica pode combater à lógica psicopata, pois a primeira é amorosa e criativa apesar de violenta. A segunda é só violenta, mas não suja as mãos.
O comediante Arthur Fleck parece simbolizar a força devastadora daqueles sem voz nem vez na sociedade. Humilhado e desprezado por quase todos que passam por seu caminho, começa o filme sendo espancado por um grupo de delinquentes juvenis, meninos sádicos que fazem o mal pelo mal.
Por causa de uma intriga perde seu trabalho como palhaço e devido à cortes de verba do governo fica sem acesso aos seus medicamentos psiquiátricos. No ambiente doméstico, tenta cuidar bem de sua mãe, que futuramente ele descobre ser paranoica e negligente.
O rapaz ingênuo e infeliz do começo do filme, portador de uma estranha patologia que faz a pessoa rir compulsivamente nos momentos mais inadequados, torna-se um ícone da luta de classes. Milhares de homens pobres, cidadãos comuns , tachados de palhaços pelo poderoso empresário e candidato a prefeito Thomas Wayne, começam a usar máscaras circenses e a cometer atos de vandalismo inspirados pelo palhaço que assassinou três jovens de classe alta e pelo ódio reprimido durante uma vida de ostracismo.
Muitos personagens do filme são arquetípicos. Temos o empresário e candidato a prefeito representando o encontro dos poderes econômico e político. Temos o famoso apresentador de TV representando o mais nefasto do poder midiático. A entediada assistente social que atende Arthur de forma desumanizada pois ela mesma se reconhece como uma ignorada pelo sistema. A bela vizinha representando uma possibilidade de bondade e amor num mundo em que todo mundo é rude, como disse o próprio Arthur. Os homens mascarados de palhaço representam a massa de desprezados e Arthur, o poder revolucionário da loucura.
Uma cena igualmente poética e sombria do filme é quando Arthur brinca com uma criança no ônibus e a mãe do menino se irrita. Nesta cena, podemos perceber claramente como é complexo tentar fazer rir num mundo em que todos estão contaminados pelo medo e pelo ódio. Muito mais do que um filme sobre heróis e vilãos, violência e loucura, Coringa mostra os efeitos devastadores da indiferença.
Este artigo foi escrito por Silvia Marques e publicado originalmente em Prensa.li.