Cowboy Bebop cancelada! Causas e especulações
Virou poeira estelar! A realidade bateu com força em Cowboy Bebop — que foi lançada e cancelada em menos de 30 dias (★ 19/11/21 - † 09/12/21).
Baseada no anime clássico cult dos anos 90 de mesmo nome, Cowboy Bebop vinha numa crescente hype a cada imagem, a cada teaser e anúncio até que finalmente foi lançada com toda pompa e circunstância pela Netflix. Até mesmo o anime foi dublado e guardado na “na geladeira” por 2 anos esperando para ser lançado próximo a data da série. Bem, parece que o trem do hype descarrilou com força dessa vez.
Não chega a ser uma surpresa, a Netflix que tanto foi vista como uma segunda chance para séries canceladas por suas emissoras, adotou nos últimos anos uma postura bem exigente com suas produções originais. Ou acerta a audiência logo de cara ou vai sumir sem conclusão.
Também não chega a ser um choque para os fãs do anime, afinal, uma grande parcela saiu desapontada com o resultado da série. Entre quem desistiu nos primeiros episódios, quem esperava que falhas fossem corrigidas numa segunda temporada e quem desligou a televisão quando abandonaram o cachorro, poucos vão realmente sentir falta dessa série no futuro. Inclusive, vamos começar por esse ponto.
NÃO SE ABANDONA O CACHORRO
A regra é clara: Ninguém mexe com os doguinhos! Mais que bebês humanos, na cultura pop, cães são tão sagrados quanto as vacas são para os hinduístas. Se Thanos tivesse deixado os cães de fora do blip, talvez tivesse mantido a cabeça presa ao corpo. Abandonar o Ein foi um erro colossal.
Kevin Spacey matou um cachorro no primeiro episódio de House of Cards e hoje sabemos que tipo de pessoa ele é. Mas espera só essa história de cachorro abandonado chegar no Keanu Reeves (que inclusive foi cotado para o papel de Spike em outra época) pra ver se o John Wick não embarca numa nave pra resolver isso na hora.
Mesmo que ele soltasse lasers e não fizesse as necessidades no jornal, nada me faria largar dessa coisa fofa aí. (imagem: Divulgação/Netflix)
Tentando muito não ser piegas, Ein é parte da tripulação da Bebop. Não me interessa se tem projeto pra ele voltar, se era apenas um recurso pra causar comoção. Eu odiei o cachorro virar um projetor holográfico, mas estava disposto a ignorar isso antes dele ser abandonado no meio do nada pra sofrer sozinho na noite gélida!
NÃO SE ESCONDE QUE FOI MAFIOSO
Os maiores acertos da série foram quando repetiram o anime. As maiores falhas, por outro lado, não vieram do que tentaram acrescentar. Os grandes erros de Cowboy Bebop ocorrem quando tentam mudar algo pré-estabelecido no anime.
A primeiríssima cena do anime Cowboy Bebop, mesmo que não seja possível entender isso de primeira, é justamente Spike caindo fora da máfia. Ele contava que Julia o acompanhasse. Não rolou. Vida que segue e pula para Spike e Jet na Bebop sendo caçadores de recompensa.
Spike se importa com Jet, inventar que os dois não são francos um com o outro, como se o Jet fosse ter algum tipo de preconceito pelo passado é baboseira pra enrolar na história. Os dois estiveram em lados opostos da lei. Jet Black não é mais policial e Spike não é mais mafioso.
Jet merecia ser mais do que um pai e um “paizão” dos outros na Bebop, o Cachorro Preto teve pouco destaque na série. (imagem: Divulgação/Netflix)
As desculpinhas e artimanhas tolas que a série inventa pra sustentar isso como um segredo idiota custa caro para a série. O verdadeiro Spike Spiegel não colocaria a vida dos companheiros de nave em risco só para esconder sobre seu passado. E por falar em Spike mafioso…
NÃO SE INVENTA UM PSEUDÔNIMO PORCARIA
Fearless é o C@r#!h0, o nome é Spike Spiegel! De todas as ideias idiotas de Cowboy Bebop, essa é a mais infantil, a mais ridícula, a risível tentativa de pegar um nome que já é cool e tentar deixar ainda mais descolado enfiando um codinome por cima faz parecer que é um filme B de ação dos anos 80, daqueles que eu definitivamente não gosto.
Desculpa aí pessoal da produção, mas essa ideia é indefensável e mal executada. Se a Julia da série (que só tem a cor do cabelo em comum com a Julia do anime) ama e foi tão íntima do Spike, por que mesmo ela o chamaria de Fearless?
Eu também queria fechar os olhos e os ouvidos se ficassem me chamando de Fearless na rua. (imagem: Divulgação/Netflix)
Uma antiga aliada chamando-o assim, fica minimamente aceitável apesar da forçação de barra, a máfia de forma padrão chamá-lo assim é uma coisa, mas seus antigos aliados, seu inimigo que já foi amigo e a própria Julia falarem Fearless não faz sentido.
Inclusive, aquela cena do Spike de franco-atirador ligando pro Vicious e deixando ele sair vivo foi o momento que mais me deu vontade de largar a série (depois da cena de abandonarem o Ein, é claro). Não existe q-u-a-l-q-u-e-r justificativa de roteiro pro Spike ter a chance de matar seu perseguidor e deixá-lo sair vivo com apenas um educado aviso. Pra completar, ainda termina com o Vicious gritando “Fearless” toscamente. O que me leva a…
NÃO SE ESCALA ATORES TÃO RUINS
John Cho já era reconhecido como um bom ator antes de ser escalado. Mustafa Shakir e Daniella Pineda entregaram performances entre aceitáveis e boas apesar da falta de colaboração do roteiro. Enquanto eles estavam em primeiro plano, tá tudo certo, tudo beleza. Mas a cada vez que Vicious (Alex Hassell) surgia na tela, especialmente sem a Julia (Elena Satine), meu instinto era pegar o controle remoto e pular a cena.
É perfeitamente normal odiar vilões, mas eu odeio esse Vicious pelas razões erradas. (imagem: Divulgação/Netflix)
Antes tivesse seguido meus instintos, em vez disso eu vi e sofri (da forma errada) com os ímpetos de fúria de Vicious, gritando como único recurso de atuação. Seu ódio por tudo e por todos na série não se justificam, ele é um dos mais poderosos em seu grupo mafioso, está com a mulher que deseja e consegue quase tudo o que quer ao longo da série. Não pode ser só falta de terapia que levou esse personagem a ser assim.
Sem citar diretamente a opinião de outras pessoas internet afora, parece ser uma unanimidade que a série perde pontos toda vez que essa segunda narrativa surge. Se cortássemos sumariamente tudo que tivesse aquela peruca branca mal feita, a série manteria seu sentido quase que na íntegra e seria bem mais agradável viajar com o pessoal da Bebop.
NÃO SE JOGA TUDO FORA
Depois de tantos parágrafos apontando falhas pungentes em Cowboy Bebop, talvez, apenas talvez, você tenha ficado com a impressão que odiei a experiência toda ou que sou um hater qualquer. Mas vou escrever umas últimas palavras boas sobre a série, quase como uma eulogia ao defunto.
O visual da série é bacana, uma coisa meio à la Blade Runner, um futuro luminoso como um painel neon de longe, mas que de perto só se nota a sujeira. As roupas ficaram boas, tanto imitando fielmente a do Spike quanto criando uma mais apropriada para Faye Valentine, afinal, a roupa do anime era um fan service totalmente desnecessário.
Terem chamado Yoko Kanno, compositora da trilha sonora do anime, como responsável pela parte musical da série foi uma boa pedida. Deveriam, inclusive, ter chamado alguns dos roteiristas originais para participar da sala de roteiro também. Aquilo que tentaram imitar ou deixar próximo do original, funcionou relativamente bem.
As singelas críticas à sociedade presente na série e no anime também são bem-vindas, como mostrar que destruímos o planeta Terra e da importância que precisamos dar ao meio ambiente a importância que ele merece.
A Netflix errou com Cowboy Bebop, mas errou bem menos do que errou com Death Note, por exemplo. Adaptar grandes obras nunca é uma tarefa fácil e eu vou continuar preferindo que tais adaptações não aconteçam, mas eu preciso admitir do esforço da produtora em fazer a série funcionar.
Apesar de lançarem todos os episódios de uma vez, a série foi nitidamente pensada para ser vista de forma serializada, tal qual a animação base. Assistir aos episódios com calma definitivamente torna a experiência algo mais agradável, quem sabe no sistema de episódio semanal o sucesso da série teria sido maior.
Não foi dessa vez Cowboys, não vejo vocês na próxima, mas espero que todos assistam ao anime. (imagem: Divulgação/Netflix)
Infelizmente, a abertura e o encerramento (quase os originais) acabaram sendo a melhor parte da série Cowboy Bebop. Para quem gostou e para quem não gostou da série, recomendo o anime disponível na Funimation e na própria Netflix.
Este artigo foi escrito por Gustavo Borges e publicado originalmente em Prensa.li.