Crise energética: medo de apagão volta a assombrar Brasil
Escassez hídrica e crise energética. A população brasileira foi impactada em julho com o anúncio de uma conta de luz que pesa ainda mais no bolso: 52% mais cara. A situação tem se agravado de tal forma que Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e o Ministério de Minas e Energia divulgaram a nova bandeira tarifária ‘escassez hídrica' nesta semana (31/08). Ela representa um acréscimo de 6,78% na tarifa média dos consumidores.
A partir de 1º de setembro o custo de cada 100 kilowatt-hora irá de R$ 9,49 para R$ 14,20 e esse valor segue assim até 30 de abril de 2022. O novo valor representa um aumento de 49,6% em relação à atual bandeira vermelha patamar 2.
Vale ressaltar que de acordo com a Aneel “os consumidores dos sistemas isolados, tais como os de Roraima e de outras áreas remotas, não pagam bandeira tarifária”.
Para que servem as bandeiras tarifárias
O sistema de Bandeiras Tarifárias foi implementado em 2015 no Brasil e é regulamentado desde então pela Aneel. Ele indica os custos variáveis da geração de energia elétrica e servem para conscientizar a população a respeito do consumo responsável. Para a Aneel, as bandeiras tarifárias oferecem aos consumidores um papel mais ativo na definição de sua conta de energia.
Antes desse sistema, o repasse dos custos de geração termelétrica a população tinha defasagem de até um ano, e como consequência havia a incidência de juros. O estabelecimento das bandeiras permitiu uma economia de R$ 4 bilhões aos consumidores brasileiros.
Entenda os novos valores das bandeiras tarifárias a partir de setembro:
Crédito: Enel
E por que a conta de energia tem ficado mais cara?
Uma das explicações para os aumentos na conta de energia é a dependência do país das matrizes de energia hidrelétricas. Aproximadamente 63% dos recursos energéticos são oriundos dessas matrizes, e com a escassez hídrica, é necessário concentrar a produção de energia em usinas termelétricas para atender à demanda do país.
A questão das termelétricas é que estas custam mais e funcionam a base de queima de combustíveis. Em 2021, o Ministério de Minas e Energia estima que o acionamento de termelétricas resultará em um custo de R$ 9 bilhões aos consumidores.
Em meio a mais recente crise energética do país, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, fez um pronunciamento em rede nacional na noite de terça-feira (31/09) a fim de explicar as iniciativas restritivas e alertar a população da importância de reduzir o consumo de energia.
Segundo o ministro, “para aumentarmos nossa segurança energética e afastarmos o risco de falta de energia no horário de maior consumo, é fundamental que a administração pública, em todas as suas esferas, e cada cidadão-consumidor, nas residências e nos setores do comércio, de serviços e da indústria, participem de um esforço inadiável de redução do consumo”.
A fala veio poucas horas depois da Aneel anunciar a bandeira tarifária ‘escassez hídrica’.
Consumo de energia em 2021
O nível dos reservatórios segue caindo, e em contrapartida o consumo de energia elétrica cresce e supera o patamar pré-pandemia. Até abril de 2021 o consumo já havia atingido a marca de 169 mil GW, o maior valor desde 2004, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Esta alta no consumo vem em uma crescente desde 2015.
Uma das medidas do governo foi a criação do Programa de Incentivo à Redução Voluntária do Consumo de Energia Elétrica. Essa é uma iniciativa que pretende recompensar quem diminuir pelo menos em 10% seu consumo de energia. O desconto é limitado a 20%, mesmo que a economia seja maior. O programa dura de setembro a dezembro de 2021 e oferece desconto de R$ 50 reais a cada 100 kWh reduzidos.
Momento atual no Brasil
Em 2021, o Brasil tem passado pela pior crise hidrológica em 91 anos. Os baixos índices pluviométricos prejudicaram vários setores, por exemplo agricultura, e impactaram na geração de energia elétrica.
O ONS realizou um levantamento e constatou que nos últimos sete anos os reservatórios das hidrelétricas — responsáveis por grande parte da energia gerada no país — receberam um volume de água abaixo da média histórica.
Em 5 de maio deste ano, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico do Ministério de Minas e Energia (CMSE), em função da estiagem, optou por manter o despacho de de usinas termelétrica mais caras, diante da escassez hídrica nos reservatórios hidrelétricos. Vale pontuar que termelétricas são mais poluentes. O CMSE também determinou a importação de energia elétrica sem substituição da Argentina ou Uruguai.
Com a estiagem sendo uma constante no em grande parte do território nacional, o país volta a ser assombrado por acontecimentos que marcaram a população 20 anos atrás.
O apagão de 2001
Pode até parecer estranho, mas o apagão de 2001 constituiu em um um corte programado de energia elétrica, em uma tentativa de diminuir em 20% o consumo de energia, fugindo de um possível colapso no abastecimento em todo o país. E foi exatamente essa medida adotada pelo governo em 2001.
O racionamento valia para tanto para consumidores residenciais quanto industriais e atingia 16 estados das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste e o Distrito Federal. Na época, o cenário era esse: ruas parcialmente iluminadas, proibição de eventos noturnos, de shows a partidas de futebol. Já hospitais e delegacias foram excluídos da obrigatoriedade de racionamento por serem serviços essenciais.
A cobrança de energia durante o período era da seguinte forma:
Entre 101 kWh e 200 kWh — sem cobrança de tarifa extra;
entre 201 kWh e 500 kWh — sobretaxa de 50% para quem não atingisse a meta de consumo;
acima de 500 kWh — sobretaxa era de 200%
E quanto tempo durou o apagão?
A previsão era para ter início em 1º de junho de 2001, mas a gravidade da situação fez com que ele fosse antecipado para 17 de maio e seu fim foi anunciado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso no dia 19 de fevereiro de 2002.
No caso desse blecaute tudo foi programado, mas na maioria das vezes um apagão devido a acidentes, queda de linhas de transmissão, sobrecargas ou pane parcial do sistema de geração de energia. Um exemplo bem conhecido é do apagão no Amapá, causado por uma explosão seguida de incêndio que danificou os três transformadores na mais importante subestação do estado, na Zona Norte de Macapá.
Desde o incidente em 3 de novembro de 2020, 89% da população do Amapá sofreu com o fornecimento de energia. O incidente afetou o armazenamento de alimentos, serviços de telefonia e internet, entre outros. Somente após 2 blecautes totais e 22 dias rodízio no fornecimento de energia (em turnos de 6 horas), a situação foi normalizada.
Como o desmatamento se relaciona com a crise hídrica e energética
Em 2017, a Embrapa publicou um artigo que indicava que florestas são responsáveis pela reciclagem das chuvas na Amazônia, e que até 70% da chuva em São Paulo depende do vapor d’água amazônico e a sua redução poderia levar a gravíssimos problemas de abastecimento de água. Uma das evidências dessa influência foi a "chuva preta" que caiu na capital paulista em agosto de 2019.
O desmatamento da Floresta Amazônica bateu recorde em abril deste ano, cerca de 580 quilômetros quadrados de destruição, segundo dados do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter). Em relação a 2020, esse valor representa um aumento de 43%. O Deter realiza levantamentos sobre alteração na cobertura florestal, e seus índices são divulgados mensalmente.
Essa série de desmatamento teve início em 2015 e vem causando um déficit pluviométrico em muitos reservatórios de usinas hidrelétricas como Furnas, Emborcação, Serra da Mesa e Nova Ponte.
Outros fenômenos que afetam as chuvas
Além do desmatamento da Amazônia, outros fatores também explicam a falta de chuvas no Brasil:
Aquecimento global;
La Niña.
As causas do aquecimento global atualmente são as emissões provenientes da queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural). Ele consegue alterar a temperatura média global da atmosfera e dos oceanos. O aumento dessa temperatura leva a redução de chuvas.
Já La Niña é um evento climático natural que ocorre no Oceano Pacífico. Ele resfria suas águas e altera a distribuição de calor e umidade em várias partes do globo. O efeito La Niña foi responsável pelo período de estiagem na região sul do país. Na última vez que chegou ao Brasil, seus efeitos duraram do segundo semestre de 2020 até o começo de maio de 2021.
Impactos econômicos da crise hídrica e energética
A crise hídrica e dificuldades em fornecer energia inevitavelmente causam danos a setores dependentes da eletricidade para seu funcionamento, sem contar a questão do meio ambiente. Ainda que o governo tome medidas para evitar um episódio similar a 2001, a tendência é que a conta de energia permaneça alta, pelo menos até o final de 2021.
Esse cenário deixa mais uma preocupação na conta do brasileiro: a inflação. A crise hídrica pode elevar em até um ponto percentual na inflação 2021 e reduzir até 2,1% do PIB do país, de acordo com estudo da RPS Capital. O aumento na inflação por consequência irá afetar o setor de alimentos, aumentando seus valores. Um agravante em um país que viu sua população vivendo abaixo da linha da pobreza triplicar durante a pandemia, atingindo cerca de 27 milhões de pessoas, 12,8% do Brasil de acordo com Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Sem mencionar que de 2018 para 2020 o número de pessoas passando fome aumentou em 9 milhões, segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan).
Ao avaliar o atual cenário de pandemia, no qual muitas pessoas e empresas ainda se esforçam para se recuperar de 2020, as circunstâncias se tornam ainda mais delicadas. Já que mesmo economizando, o aumento na energia e em outros produtos será evidente, especialmente para a população brasileira de baixa renda.
Este artigo foi escrito por Luana Brigo e publicado originalmente em Prensa.li.