CRÍTICA: PATERNIDADE - Tudo é possível quando se tem amor
Certas histórias parecem que surgem “de propósito” pra certas épocas, principalmente quando são histórias reais que ganham as páginas dos livros ou as telas de cinema. O novo filme da Netflix, Paternidade (Fatherhood, 2021), é uma delas.
Baseado na história real biográfica contada por Matthew Logelin em seu Best Seller “Dois beijos para Maddy: Uma história real de amor e perda”, Paternidade cai como um bálsamo em nosso tempo, onde cada vez mais se “demoniza” algo que deveria ser encarado de forma tão natural: ter filhos.
E é da forma mais natural possível que esta história é contada. Os acertos do filme começam na decisão de abordar um drama familiar de uma perspectiva suavizada através da comédia. Assinam a produção Marty Bowen, David Beaubaire, Peter Kiernan e Kevin Hart (Todo mundo em pânico 3, Jumanji: Bem-vindos à Selva), que também é a estrela do filme. Para a direção, Paul Weiz (American Pie, Entrando numa fria, O céu pode esperar, etc) foi uma escolha de mestre.
O filme traz para as telonas a história de Logelin (Kevin Hart), um homem comum que está à espera de sua primeira filha, Maddy. Poucas horas depois que sua esposa Liz dá a luz à pequena, é acometida por um mal súbito e vem a falecer, deixando Logelin com a dura missão de ter que cuidar da filha recém nascida, além de ter de superar a dor pela perda de sua esposa.
Dar a atores de comédia os papéis principais (destaque também para Lil Rel Howery - Corra, Bird Box - no papel de Jordan, melhor amigo de Logelin) e a abordagem pela ótica da comédia dão o tom perfeito para a condução do longa, pois tira o peso intrìnseco à uma história como essa, mudando o “Vou ser pai de primeira viagem e solteiro! E agora??” por: “Vou ser pai de primeira viagem e solteiro. E daí?"
A forma como Logelin encara o seu drama tem sua mudança de perspectiva logo nas primeiras cenas, com seus amigos atrapalhados Jordan e Oscar (Anthony Carrigan - série Gotham, como Victor Zsasz), fato que se repete no decorrer do longa. As interações entre o trio fazem o drama pessoal parecer brincadeira de criança, literalmente, além de trazer à reflexão a importância de se ter amigos verdadeiros nessas horas.
Ao se ver diante do grande dilema de ser pai solteiro, a reação do personagem diante de tamanho desafio é a reação que qualquer pessoa teria. Ninguém acredita realmente que consegue dar conta de criar uma filha sozinho (ou sozinha). Mas a forma como Logelin encara a situação e tem fé em si mesmo de que é capaz, mesmo duvidando de si é algo tocante, e um ponto interessante, bem explorado pelo roteiro.
Ainda sobre o protagonista, o carismático Kevin Heart consegue emprestar todo seu carisma na pele de Logelin de forma brilhante. Mesmo a dificil relação com a sogra durona Marian (Alfre Woodard - 12 anos de escravidão, Anabelle) é contornada pela simpatia natural do personagem, que não admite ficar longe de sua Maddy.
Outro grande destaque é a relação entre Logelin e Maddy (vivida na segunda fase por Melody Hurd) , construída literalmente desde o parto até a fase que mostra a menina já criança indo pra escola. A relação pai / filha é algo tão natural entre os dois atores que nos fazem lembrar de pessoas de nosso convívio, como se estivéssemos vendo a vida cotidiana de fulano ou ciclano em forma de filme. Característica marcante dos filmes de Paul Weiz.
Histórias como essa sempre trazem questões muito importantes de serem discutidas em sociedade, como o grande desafio que é para pais ou mães solteiros criarem seus filhos. E ela nos mostra que, definitivamente, o amor é sim capaz de superar qualquer obstáculo.
Maddy em nenhum momento se torna um peso, um fator impeditivo na vida de Logelin. Pelo contrário: se torna uma pequena “grande” parceira. E isto se torna possível porque tanto o pai quanto a nova “pretendente” Lizzie Swan (DeWanda Wise) entendem que a melhor maneira de lidar com uma criança é também “ser uma criança”.
Paternidade nos traz a lição de que, mesmo quando nos planejamos, a vida tem suas próprias “regras”, e que nunca sabemos se estamos preparados ou não de fato para sermos pais, e só se descobre isso de forma “prática.” É claro que a paternidade em si assusta, mas, se como Logelin, não dermos a ela um peso maior que o que ela já tem, ela pode se tornar a melhor fase de nossas vidas.
Além destas e outras questões acerca do tema, Paternidade é cartilha obrigatória para pais, solteiros ou casados, de como lidar com os filhos e construir relações sadias, além de seguir em frente depois de qualquer tragédia. Se houver amor, então tudo é possível.
Imagem de capa - Divulgação
Este artigo foi escrito por Eliezer J. Santos e publicado originalmente em Prensa.li.