Crítica: Um Lugar Silencioso - Parte II: Hora de fazer barulho!
Não é de hoje que Hollywood aposta na fórmula “children Power”, principalmente em filmes de terror. E mais uma vez a fórmula funciona! Em Um lugar silencioso - Parte II, a vez é, literalmente, das crianças, que “pedem emprestado” o protagonismo dos adultos (pra não dizer que “roubam” a cena).
De volta ao cenário pós-apocalíptico do primeiro filme, mergulhamos novamente na rotina da família Abbott e sua saga de tentar sobreviver num mundo dominado por criaturas horrendas, que atacam ao ouvir qualquer ruído. Agora, sem o patriarca Lee Abbott (John Krasinski, que é também o diretor do filme), a matriarca Evelyn (Emily Blunt, casada na vida real com Krasinski) precisa encontrar um novo lugar para ficar e criar o pequeno bebê, nascido no final do primeiro filme.
Com a necessidade de expandir o seu próprio universo, Krasinski acerta ao abordar a história de uma perspectiva mais aventuresca e menos densa do que no primeiro filme. Aqui vemos mais cenas de ação, além de conhecermos também um pouco da história por detrás desse universo, de como as criaturas surgiram.
A falta de cenas “de roer as unhas”, como a cena do parto “silencioso” do primeiro filme não chega a ser um ponto negativo, já que a própria história já indicava uma expansão, visto que os Abbott descobriram uma forma de combater as criaturas, até então imbatíveis, e surgiu então a necessidade intrínseca de compartilhar este segredo com possíveis outros sobreviventes.E é neste contexto que a pequena Regan (Millicent Simmonds) ganha destaque.
A evolução da personagem é uma grande sacada deste filme. Enquanto no anterior ela se sentia culpada pela trágica perda do irmão, Beau, e por isso se comportava de forma infantil e irresponsável, aqui ela tem plena consciência do papel que desempenha. Como sendo a descobridora do segredo que pode combater as criaturas, ela se enche de coragem e determinação para compartilhar este segredo com o máximo de pessoas que puder.
Um conflito que poderia ter sido melhor explorado é entre Emmet (Cillian Murphy) e a família Abbott. Ao reencontrar seu antigo amigo, agora amargurado pelo contexto de sobrevivência em que está inserido e pela perda de sua família, Emmett reluta em ajudar os Abbott, mas sua relutância é logo vencida pela determinação de Regan, que logo o coloca numa posição onde ele precisa entrar em conflito consigo mesmo e encarar os seus demônios.
O tempo de exibição reduzido das salas de cinema por conta da pandemia pode ter prejudicado o corte final do filme, que deixa a impressão de que haviam mais arcos a serem explorados, mas a narrativa flui muito bem. E o grande mote do filme fica por conta do surpreendente protagonismo dos jovens, principalmente Regan. É dela as principais ações que levam a narrativa adiante, fazendo com que todas as ações dos demais personagens fluam em direção às ações tomadas por ela, com as exceções de Evelyn e Marcus (Noah Jupe), que se voltam para cuidar do pequeno bebê Abbott.
Tendo que enfrentar além das criaturas o risco de encontrar sobreviventes dos quais, segundo Emmett, são “pessoas das quais não vale a pena salvar”, Regan e Emmett se vêem com um objetivo em comum, e as interações entre os dois personagens funcionam bem. O interessante é que Regan é deficiente auditiva e se expressa por linguagem de sinais, e Emmett pouco conhece sobre o assunto, mas num “acordo de cooperação mútua”, eles conseguem se entender, e este entendimento é fundamental para o desfecho final do filme.
A parceria entre Krasinski e Micheal Bay (trabalharam juntos em 13 Horas - Os soldados secretos de Benghazi, filme de 2016 dirigido por Bay e que Krasinski atua como Jack Silva. Aqui, Krasinski assume a direção e Bay {franquia Transformers, franquia Bad Boys, Tartarugas ninja, etc} assina a produção) é algo que também chama a atenção, principalmente nas cenas de ação (marca registrada do diretor/produtor). As cenas que mostram os primeiros ataques das criaturas são bem intensas, bem ao estilo Michael Bay. Já em comparação com o primeiro filme da franquia, também assinado por Krasinski, o ator/diretor tinha um grande desafio pela frente: contar uma história mais abrangente sem perder o clima de tensão. Apesar de o desenrolar da história aqui ser bem menos densa e até apresentar momentos de leveza e sorrisos em algumas cenas, coisa rara no primeiro filme, a premissa de um “revés” da humanidade sobre as criaturas funciona. Primeiro porque parte das circunstâncias mais impensadas, onde literalmente por acaso se descobre uma forma de neutralizar as criaturas (ainda no primeiro filme), e segundo porque ela vem da personagem mais improvável: uma adolescente problemática e deficiente.
E é a pequena Regan e seu irmão Marcus quem se encarregam de trazer um final Hollywoodiano à trama, que na verdade, pode ter tido uma inspiração bem brasileira, mais especificamente a cena icônica de Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, com crianças “fazendo o papel de adultos.”
Imagem de capa - Divulgação
Este artigo foi escrito por Eliezer J. Santos e publicado originalmente em Prensa.li.