Crônica do perfeccionismo - e sua terrível violência
Ultimamente, existem na internet diversos registros de brigas públicas e, nelas, haviam sérias pautas – especialmente sobre comportamento. Esses dias, estava vendo a reação de uma eliminação no BBB (que nada mais é que a Copa dos Influenciadores Digitais). Fui acompanhar e a pauta que se lia era entendível dessa forma:
Traidora não merece perdão,
Fulana macetou ciclana e defendeu sua família – com unhas e dentes
Porque que uma traição ocorrida vinte, trinta anos atrás volta a ser pautada na sociedade? Quem nunca teve um desentendimento com alguém a ponto de começar a trocar olhares com outra pessoa, alheia a seu respectivo relacionamento, e mais tarde poder ter a vontade de findar àquele relacionamento e se aventurar? Pois bem, vamos a uma conversa séria e franca sobre um assunto a qual nem deveria ser tabu – mas é, e podemos provar.
Sobre a traição e o telhado de vidro: do "pecado" ao crime
A expressão “telhado de vidro” se refere àquele(a) cuja reputação pode ser questionada por eventos que a trouxeram uma fragilidade à nível de ser considerada uma falta, um erro, ou até mesmo um crime.
A traição em algumas religiões ou filosofias que literalmente endossam uma vertente até mesmo monogâmica sobre as relações amorosas, é considerada como uma falha moral. Porém, contudo, essa falha pode ser perdoada pela pessoa que realmente a cometeu, sente culpa, e quer voltar atrás? Isso é uma questão a qual, privadamente, pode ser resolvida desde que não haja violência envolvida (pois, nesses casos, haverá um clamor pelas forças de proteção policial ao atendimento para a vítima).
"Numa sociedade onde até a cultura das relações passam a ser desiguais e antiquadas para os anseios do novo século, as bases de sustentação dessa cultura ainda são perpetuadas, difundidas, como se elas fossem as “corretas”."
E quando o episódio é exposto publicamente, a mulher considerada traidora torna-se completamente nua sob o olhar punitivista daqueles que acompanham em seu ofício, por exemplo. Ela não teve chances de ser defendida e nem poder falar sobre se ela foi traída também – e isso é sobre o episódio de mais de 20 anos atrás. Logo, haviam pessoas privadas que a julgaram como se ela cometeu um crime de fato – o que não foi bem assim – e o desfecho poderia ser bem pior, considerando os dados do Atlas da Violência.
Em 2021, mais de 81% das vítimas de feminicídio no Brasil foram companheiras dos algozes. Desses, mais de 55% utilizaram alguma arma, seja ela de fogo ou branca (por exemplo, facas e pedaços de madeira) para atacar a vítima. Numa sociedade onde até a cultura das relações passam a ser desiguais e antiquadas para os anseios do novo século, as bases de sustentação dessa cultura ainda são perpetuadas, difundidas, como se elas fossem as “corretas”.
A carência de um ensino que aborde esse combate à violência nas escolas públicas também é parte dessa base de sustentação da imposição de uma estrutura de relação que, na verdade, é imposta até nas abordagens mais sutis sobre a forma a qual o ser humano irá se relacionar com outro(a)s e vice-versa. E como essas abordagens sutis ocorrem? Na totalidade, pelo custo de vida, pelo sustento de si e daqueles com quem compõe às nossas famílias.
Sobre a superexposição e a cultura do perfeccionismo: é necessário?
Se existe uma coisa a qual um dia podemos ensinar à nossos descendentes (caso prefiram ter), é sobre uma coisa não muito ensinada nestes tempos que se chama cultura da discrição. Por quê a discrição? Pois neste mundo da metaversidade, como estamos vendo ela nascer e se desenvolver, algumas vezes, acabamos expondo coisas do nosso dia-dia por impulso. Seria um impulso natural, de estar bem naquele momento? Ou era um impulso forçoso e disfarçante?
"A discrição é uma chave a qual cada um de nós possuímos e podemos usá-la a nosso favor de obtermos a privacidade necessária, o cultuamento de um mistério ao público alheio…"
Porque o impulso natural é aonde eu consigo expor ideias, pensamentos, imagens, de uma maneira onde eu faça com que você possa sentir à vontade de visualizar essa demonstração do bem estar físico e psíquico e há, infelizmente, casos onde a pessoa, que vai publicar algo para nós, possa estar disfarçando que “está tudo bem”, quando, na verdade, ela grita por ajuda para sair daquela situação onde se encontra.
Podemos ver o quão prejudicial à nossa saúde os pensamentos de termos uma vida perfeita, como se vivesse no melhor apartamento de Metrópolis, ou numa fazenda tranquila, onde te servem pão com margarina. A perfeição, no estado físico e psíquico de um ser humano é inexistente. Eu sou uma ser humana, você também é, com as características de um ser humano, as vivências de um ser humano e é natural todos termos os acertos e as falhas, por mais que as falhas sejam muito lembradas, os acertos precisam ser mais valorizados.
A discrição é uma chave a qual cada um de nós possuímos e podemos usá-la a nosso favor de obtermos a privacidade necessária, a cultuação de um mistério ao público alheio, onde àqueles que podemos considerar como próximos, conseguirão desvendar esses mistérios. É um antídoto à cultura da superexposição, onde conseguimos realizar o equilíbrio físico, mental e ainda identificar e poder ajudar àqueles que não se encontram confortáveis diante dessas culturas de violências.
Fontes:
SaferNet – Qual a fronteira entre a exposição e a superexposição?
Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2021. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-seguranca-publica/
Dício – Telhado de Vidro
Psicologia Viva – Perfeccionismo
Brasil Escola – A Busca Pela Perfeição
Este artigo foi escrito por Camila L. Oliveira e publicado originalmente em Prensa.li.