Crônica do preconceito
Lá nos anos de 88 e 89 – eu tinha, mais ou menos, uns 13 para 14 anos – eu conhecia a Geisa e a Silvana que estudaram com meu amigo cadeirante na parte de cima do colégio onde estudávamos (colégio Rodrigues Alves em homenagem ao presidente e tombado pelo patrimônio histórico paulista). Como estávamos com a “onda” de incluir – começava o movimento das inclusões já – e convivíamos com o pessoal sem deficiência. As duas não tinham deficiência, mas, Geisa convivia muito melhor conosco do que, um ano depois, começou a conviver Silvana.
Geisa era uma loirinha linda com seus 11 ou 12 anos, não sei bem, mas quando sorria fechava os olhos. Já tinha corpo de adolescente e os meninos ficavam interessados nela, porém, eu não, eu tive minha paixão, pois saia de uma outra paixão que não deu certo. Mas, a paixão anterior era com deficiência e namorava um outro amigo nosso, que usava muletas. Na minha cabeça – porque eu vi um dos meus amigos namorar uma pessoa sem deficiência – se outras pessoas conseguiram namorar uma pessoa sem deficiência, eu poderia também namorar uma pessoa também. Mas, a timidez e a incapacidade de lhe dar com aquilo que não controlamos, me fez ver, que existem muito mais do que poder e não poder.
Como dizia, Geisa se misturou com a gente – a parte das classes especiais – por muito tempo. Tomei coragem e escrevi um bilhete me declarando e ela só quis minha amizade, até namorar o “Véio” – uma espécie de versão tupiniquim do garoto popular – e ela se afastou da ala, depois, passou para de manhã. Nunca mais vi ela. Daí veio a Silvana, linda do mesmo modo, mas, falava pouco, não tinha tanta amizade com meu amigo cadeirante, não olhava para minha cara. A questão era – percebi muito anos depois disso – que ela se sentia incomodada. Quando eu estava longe, ela falava normalmente. Dançava lambada no meio do pátio e tal.
Todo preconceito é aquilo que se transforma em conceitos aquilo que não se examinou ou aquilo, sem esse mesmo exame, que se pensa ser verdade. Sempre me perguntei: o que seria a verdade? Geisa tinha a verdade de achar – do jeito dela – que éramos seres humanos como ela. Silvana, talvez, achava que não servia nem para amigo, pois, seria uma questão de educação. Na verdade, muito pouco preconceito vivemos dentro do colégio Rodrigues Alves – muito mais por parte do corpo de voluntarias da entidade em questão – por parte de um trabalho que fizemos de classe em classe, incentivando uma maior inclusão por parte das pessoas com deficiência e os que não tinham deficiência.
Não é muito diferente do caso de racismo dos filhos pretos da Giovana Ewbank, onde uma mulher os ofendeu e que eu sei, ainda existe em muitas sociedades. Como disse, preconceito são conceitos que são verdades sem ser verdades, realidades que não são reais, coisas que não constroem um conceito verdadeiro daquilo. Talvez, pela idade ou pela época – tanto só conseguimos começar a ideia de acessibilidade nos anos 90 – a Silvana e a Geisa, eram diferentes por causa da empatia. A Geisa era mais empática do que a Silvana, mesmo assim, achava que a amizade era muito mais importante. Preferiu aderir a sociedade e namorar o mais popular.
Das duas não sei mais nada. Mas, essas histórias que fazemos a verdadeira filosofia em discuti temas, nesse caso, como o preconceito é uma questão de visão.
Este artigo foi escrito por Amauri Nolasco Sanches Junior e publicado originalmente em Prensa.li.