Cultura do respeito
Em 2006 tive a oportunidade de ir ao Japão. Um tio gremista pagou uma promessa enviando seis torcedores do Inter para acompanhar o time colorado em terras japonesas no Campeonato Mundial de Clubes FIFA. Muito feliz por ter voltado com o título e sobretudo impressionado com o choque cultural que tive do outro lado do mundo. Sempre tive a idéia de que as adversidades formam o caráter de um povo. Uma nação que se desenvolveu com pouco espaço, catástrofes naturais a todo momento só podia desenvolver tecnologia que de alguma forma trouxesse paz e harmonia. Os edifícios possuem tecnologia para balançar em meio a terremotos, onde o gás é cortado imediatamente. Lembro de ter lido que os engenheiros japoneses ficaram intrigados com os templos que permaneceram intactos por séculos em meio a terremotos e deles saiu o grande segredo: balançar conforme a espinha dorsal para não quebrar ao meio. Tudo é pensado para que possam sobreviver e conviver com os tremores sismológicos.
Foi uma semana intensa de emoção e aprendizado. Venho do Brasil, onde o conceito de cidadania simplesmente não existe e chego em uma metrópole cosmopolita onde o respeito ao próximo e sentido de coletividade estão em primeiro lugar. Quando saí do hotel Keyo Plaza pela primeira vez já estranhei ver cidadãos parados com sinal vermelho para pedestre, mesmo sem nenhum carro vindo de nenhum lado. Em seguida ouvi sons de pássaros e descobri que ajudam ao deficiente visual entender se o sinal está abrindo ou fechando. Outra curiosidade é sobre lixeiras: não tem em Tóquio depois de um atentado de gás sarin em uma lixeira e incrivelmente não há um mísero papel ou toco de cigarro no chão. Ir ao Japão e não se defrontar com uma privada com um monte de botões da famosa marca Toto é outra aventura. Confesso que só apartava o básico para evacuar as necessidades. Ainda no banheiro chamou a atenção o sistema colocado no espelho onde apesar do vapor do banho um espaço retangular permanecia sem que ele ficasse embaçado, possibilitando fazer ao barba sem maiores percalços.
Agora, estamos vivendo os Jogos Olímpicos 2020, empurrados para 2021 devido a pandemia e fico pensado que sorte o mundo teve, pois não teria país melhor para encarar este desafio com logística e muita disciplina. A mensagem que o Japão quer passar é de jogos onde tudo pode ser reciclado (camas dos atletas feitas de papelão), mas a mensagem que o Japão sempre passou foi de cidadania, respeito e harmonia. Quando se fala em cuidado com o próximo na pandemia com uso de máscaras e distanciamento social, é algo já inserido na sociedade japonesa, pois o japonês sempre usou máscara quando está doente para não passar sua enfermidade para alguém, assim como o distanciamento faz parte de sua cultura. Poderia ficar aqui escrevendo por horas, mas volto à 2006 com muita saudade. Lembro que quando desci em Guarulhos e peguei um ônibus em direção à Congonhas eu vi que tinha chegado ao Brasil ao olhar pela janela uma montanha de lixo. Konitsua.
Imagem de capa - Conquistando o Monte Fuji com o Inter (Imagem - Marcelo Nunes)
Este artigo foi escrito por Marcelo Nunes e publicado originalmente em Prensa.li.