☕Cultura é comunidade
Confira a 4ª edição da Pausa Para Um Café — nosso respiro cultural em meio às demandas cotidianas.
Nesta 4ª edição da Pausa Para Um Café você verá:
O Minecraft como palco de trocas culturais: a designer
conta como o game tornou o inglês e o espanhol familiares;A Beyoncé já sabia que o samba é da Bahia? o redator
explora o conceito de soft power no Brasil;1986: o ano que abalou dois mundos: o editor audiovisual
convida à reflexão sobre os desastres e indica duas séries;Desde que aprendi a escrever, eu escrevo: a editora
compartilha sua íntima relação com a escrita.
ÓCIO CRIATIVO
por Maytê Emilly
Por volta de 2013/2014 tive meu primeiro contato com Minecraft: não se falava em outra coisa na escola e, quando eu abria o Youtube, a página de sugeridos estava lotada de gameplays e até séries roteirizadas no mundo de cubinhos. Nessa época eu praticamente respirava o jogo e quando não estava jogando, estava assistindo alguém jogar. Então, apesar de ter perdido completamente o interesse com os anos, nutri um carinho nostálgico tanto pelo Mine quanto pelos criadores de conteúdo que eu passava o dia assistindo.
Para minha surpresa, em abril de 2023 me deparei com a informação de que vários deles seriam os representantes brasileiros no QSMP — Quackity Survival Multiplayer. Após ver os nomes que ilustraram boa parte da minha adolescência juntos em um mesmo projeto, descobri que QSMP é um servidor de um streamer mexicano (Quackity). Porém, mais do que isso, é o primeiro servidor de Minecraft multiplayer em modo sobrevivência com tradução simultânea do mundo. Em resumo, o servidor conta com um tradutor que permite que pessoas conversando em línguas diferentes consigam se comunicar em tempo real (você fala no seu idioma, e aparece um balão em cima da sua cabeça com a frase no idioma do ouvinte).
Há muito pra se falar sobre esse projeto mas eu gostaria de focar nas trocas culturais que eu não esperava presenciar com tanta força em um jogo. No momento, o QSMP tem 35 participantes, isso significa que o público de 35 streamers nacionais e internacionais passa horas assistindo as lives e depois comentando sobre em redes sociais, ou seja, a comunidade da série é enorme e muito ativa.
Cultura é um tópico delicado para o criador — o Quackity cria conteúdo em inglês e espanhol e, em diversos momentos, sofreu xenofobia não só do público como de outros criadores de conteúdo. Assim, o servidor ser um espaço seguro para as pessoas manifestarem o orgulho que sentem de seus idiomas nativos e a cultura de seus países de origem sempre foi uma prioridade.
Com a chegada dos brasileiros, o foco em compartilhar doses de cultura aumentou muito e os participantes começaram a trocar músicas, memes, aprender o idioma um do outro e realizar eventos. Isso mobilizou a comunidade e um número impressionante de pessoas começou a assistir lives em outras línguas, fazer amigos de outros países para praticar, estudar o idioma do streamer de outro país que conheceram no projeto e compartilhar as similaridades e diferenças de suas culturas. Pessoalmente, meu entendimento de inglês e espanhol melhorou tremendamente. Um ano atrás eu mal entendia o que os streamers mexicanos falavam e hoje assisto lives de oito horas sem pestanejar.
Para ser breve, fazer parte da comunidade do QSMP foi uma surpresa muito agradável pra mim. Comecei a assistir por nostalgia e me apaixonei pelas interações com pessoas criadas em realidades tão diferentes da minha. Lembro que o primeiro evento cultural do servidor foi a festa junina, organizada de forma independente pelos brasileiros, mas que foi abraçada pela administração e virou um evento oficial com posts nas línguas principais explicando o que é uma festa junina, os trajes típicos, as brincadeiras, danças e comidas. Lembro que esse dia em específico foi muito emocionante pra mim e passei o dia vendo a timeline lotada de pessoas falantes de espanhol, francês e inglês encantadas com as fotos e interagindo com brasileiros para saber mais sobre.
Acredito que foi quando caiu a ficha do impacto do QSMP na vida dos membros do fandom: pessoas interessadas em culturas que não tinham curiosidade antes e depondo sobre como se sentem respeitadas e valorizadas pela primeira vez ao falar abertamente dos costumes nos quais foram criadas, conversas sobre xenofobia, interesse em novas línguas… foi um choque processar que tudo isso aconteceu tendo um jogo como meio e é um bom lembrete de como uma boa ideia pode revelar um potencial transformador incrível em algo que parece ordinário.
GELEIA GERAL
por Gal Florentino
O poder sutil da cultura vai além daquilo que gostamos de ouvir, ler e assistir. Discutido globalmente desde Carmen Miranda até o K-pop, soft power é um conceito trabalhado pelo cientista político Joseph Nye para se referir a países, marcas e organizações que conquistam territórios muito além dos seus por meio da cultura, do esporte, da língua, da religião e de outros segmentos expressivos.
“O poder é entendido, classicamente, pelo poder militar, então é o hard power, o poder de você obrigar os outros a fazer o que você quer. O soft power, por sua vez, vai se afirmar em oposição a esse conceito de hard power e vai tentar abarcar outros recursos para convencer sem a necessidade de recorrer à violência.” — comenta o professor Caio Gracco no Jornal da USP.
Entretanto, mais do que uma ferramenta para exportar ideologias políticas e maneiras de ver o mundo, o soft power é um mecanismo político lucrativo. Segundo dados do site Fortune, apenas o BTS, o maior grupo de k-pop, o pop coreano, gerou mais de US$ 29 bilhões para a economia sul-coreana entre os anos de 2014 e 2023.
Em 2017, as estimativas eram de que, a cada 13 turistas que visitavam a Coreia do Sul, um foi por conta do BTS. O país triplicou seu Produto Interno Bruto (PIB) entre 2000 e 2018 - de US$ 500 bilhões a 1,5 trilhão. A música está em um contexto de inovação em cultura e tecnologia que ajudou neste salto.
O estalo para o investimento público no setor nem foi musical. Foi a explosão de audiência de uma novela sul-coreana na China, "What is love", em 1997, que fez o governo pensar em globalizar sua cultura pop. É o que os pesquisadores Tae Young Kim e Dal Yong Kim contam em artigo analisado pelo G1.
“Para mim, o Brasil é o estudo de caso dessa questão, ele não possui capacidade orçamentária nem tecnológica para se impor através do poder militar como outras superpotências. Se fosse apenas pelo poderio militar, o Brasil não conseguiria explicar a posição de destaque que tem. Entretanto, o Brasil possui outros recursos de poder que justificam o seu destaque e que são de soft power, ele possui uma boa imagem com os outros países pela cultura e o povo brasileiro” — complementou Gracco.
Responsável por propagar e também esvaziar discussões culturais, o programa de maior audiência na TV brasileira é o Big Brother Brasil. Em um típico quiz para definir o novo líder da semana, a faculdade Estácio chamou a minha atenção com a seguinte pergunta: O samba é um gênero musical brasileiro que conquistou gerações e continua muito popular, com diversas segmentações e vertentes. Nesse sentido, o samba de roda teve origem em qual estado?
De um lado, os participantes que acreditavam que a origem da roda de samba é da Bahia, do outro, os que apostavam no Rio de Janeiro como o berço da roda de samba. Nas redes sociais - e até mesmo na expressão dos participantes - houve uma surpresa pelo pioneirismo ser do estado que está ao nordeste do Brasil.
O samba pode ter ganhado o mundo quando o Brasil era capitaneado pelo Rio de Janeiro, mas nunca deixou de ser baiano. Se investigarmos uma possível arvore genealógica de grande parte dos gêneros que ainda tocam no Brasil, a Bahia estará lá. O soft power brasileiro é baiano e as narrativas brasileiras têm capacidade de se conectar com um público em constante crescimento: o chamado Sul Global.
A presença exclusiva no lançamento da versão cinematográfica da Renaissance Tour em Salvador confirma que a Beyoncé, como uma grande mulher de negócios, também aposta no soft power brasileiro. Assim como Viola Davis, o axé da Bahia inspirou a estrela de Hollywood a firmar a produtora audiovisual Ashé em Salvador.
"Salvador é o grande cavalo de Tróia do nosso soft power, com capacidade de exportar a cultura e a narrativa brasileira. Quando eles viram a força intergeracional da comunidade afrobrasileira, entenderam o poder de Salvador para ser a ponte entre o Brasil e Hollywood. O soft power brasileiro é mais cosmopolita, porque se conecta com a cultura afro-americana. Está na hora de o Brasil superar o complexo de vira-lata, de exportar cultura, de se tornar mundial. Já tem qualidade para isso, não temos que pedir permissão para ninguém." — comentou Mauricio Mota, sócio de Viola, na Fast Company.
O que é que a Bahia tem?
Eu sei que a imagem de Carmen Miranda vem à tona e não é a toa. Afinal de contas, a primeira a propagar uma ideia de Brasil lá fora é um exemplo vivo para compreender algumas premissas do soft power.
Carmen Miranda surgiu do desenvolvimento das alianças estadunidenses com o Brasil, antecedendo a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, em busca de estreitar o terreno político estratégico entre os países - não somente dos governantes brasileiros pelas urgências econômicas – mas também o apoio cognitivo, em âmbito nacional. O pesquisador Haroldo Leme analisou o primeiro fenômeno pop brasileiro diante da indústria cinematográfica sob a luz do soft power.
“Nossa música é um soft power nosso. A gente importa mais cultura do que exporta. Todo mundo viaja para fora do Brasil e, quando vai a um bar, a um restaurante ou a um hotel, ele está sempre com música brasileira. Mas quem promove essa música lá fora? Acho que tinha que ser uma pauta estratégica do governo. São pouquíssimos os artistas brasileiros que conseguem de fato ter uma carreira internacional” — comentou Diogo Castelão, criador do festival Universo Spanta n’O Globo.
PORTAL PARA ESTA DIMENSÃO
por Júlio César
Hoje meu texto será de recomendação de duas séries que, porquanto não têm relação entre si, tratam de dois desastres que ocorreram no mesmo ano, 1986.
Para aqueles que nasceram depois de certos marcos, o mundo aparenta sempre ter sido assim. Mas, acreditem, houve um tempo em que as Torres Gêmeas estavam de pé; os Mamonas Assassinas estavam vivos; o Telescópio Espacial Hubble foi posto no espaço e o Muro de Berlim dividia a capital alemã. Hoje já podemos dizer, houve um tempo sem internet.
Entre conquistas e desastres, o ano de 1986 ficou na memória de dois mundos como trágico. No mundo capitalista o ônibus espacial Challenger explodiu durante o voo, à vista dos olhos atônitos dos espectadores no local e pela TV. Parafraseando Ivair Gontijo, engenheiro brasileiro que trabalha no JPL (Jet Propulsion Laboratory), da NASA, assistir um foguete subir é algo fantástico que nos faz acreditar na humanidade. Infelizmente o desbravamento carrega consigo um perigo constante. Após a Challenger virar uma bola de fumaça, ainda era possível ver os dois foguetes auxiliares viajando de forma errática pelo céu. Na espaçonave estava Christa McAuliffe, uma professora que foi selecionada para ser a primeira “pessoa comum” no espaço. Ela conduziria experimentos e aulas de dentro da Challenger.
O mundo socialista presenciou o desastre de Chernobyl, na região da atual Ucrânia. Durante um teste de segurança, um misto de falhas de procedimentos e excesso de confiança no projeto do reator foi a fórmula do desastre. O núcleo do reator 4 foi exposto com a explosão, um brilho azul saia do núcleo e cortava o céu, o efeito Cherenkov. É desalentador assistir a um helicóptero despencar do céu ao se aproximar demais do núcleo radioativo exposto. A cidade de Pripyat virou um local fantasma. Segundo artigo da BBC de 2019, A Ucrânia paga pensões a 36.525 viúvas de vítimas do desastre de Chernobyl.
Em ambos os desastres houve pressão por prazos e resultados. Atualmente os ônibus espaciais estão aposentados. Apesar dos grandes feitos, nunca se tornaram uma forma barata de viajar ao espaço como havia sido prometido. A energia nuclear está há muito difamada, no futuro é possível que lideranças políticas tenham que encarar esse tema novamente, porque o declínio do uso dos hidrocarbonetos precisará ser compensado, em parte, pela energia nuclear.
Abaixo deixo os trailers das duas séries. Nenhum desastre é desejável. Uma vez ocorrido, que ao menos fiquem as lições.
Challenger: The Final Flight (2020)
REALISMO FANTÁSTICO
por Fernanda Waisman
(♫ Para ler ouvindo Meu Caro Amigo, do Chico Buarque - uma carta musicada)
Eu costumo dizer que escrevo desde que aprendi a escrever — e não é mentira.
Aos 8 anos, brincava de publicar livros. Lembro que, com essa idade, cheguei a pensar que inventei uma palavra e fui surpreendida pela língua portuguesa ao descobrir que ela já existia: pulular.
Segundo o dicionário Michaelis:
Pulular:
verbo intransitivo
multiplicar-se rápida e abundantemente, espalhando-se profusamente; irromper, surgir.
lançar rebentos (a planta); brotar.
Quando passei por um dos momentos mais difíceis da minha vida, aos dezoito anos, foi a escrita que me ajudou a olhar para cima e enxergar a luz. Nessa época, eu listava todos os dias três coisas agradáveis que me aconteceram ao longo do dia - era uma forma de lembrar a mim mesma que até os piores dias têm seus detalhes bons. Na maioria das vezes, era muito difícil conseguir encontrar essas três coisas. Mas eu sempre encontrava, e vê-las no papel eternizava a ideia de que elas sempre estariam lá.
Dois anos depois, em 2016, fiz minha primeira exposição literária, que ganhou o nome de Cartas para Ninguém.
No começo da pandemia, com o isolamento social, comecei a escrever cartas semanais em formato de newsletters, em inglês. Paralelamente, me juntei com duas pessoas muito queridas e escrevi mais cartas, quinzenais e em português. Assim como as “mensagens em garrafas”, essas newsletters eram uma forma de me conectar com o mundo lá fora, compartilhar notícias de mim com quem tivesse o interesse de lê-las. As cartas para ninguém ganharam destinatários, pela primeira vez. Mantive essas cartas por quase três anos e cada resposta que eu recebi me fez sentir menos maluca e menos sozinha.
Aliás, falando em mensagens em garrafas, recomendo fortemente que você escute o episódio Garrafas ao Mar, do podcast Rádio Novelo Apresenta, que conta sobre mensagens que atravessaram décadas até encontrar destinatários.
Voltando à palavra que eu inventei, mas já existia, acho que o poder da escrita está nisso: pulular. Multiplicar e espalhar. Escrever é conseguir se conectar com os outros e, ao mesmo tempo, se enxergar com mais clareza.
Desde que aprendi a escrever, eu escrevo — para você e, principalmente, para mim.
Finalizo esse texto com uma poesia que escrevi em 2018 e uma anotação do Charles Bukowski com a qual sempre me identifiquei.
A poesia é o que precisa ser dito
o que não cabe no peito
o que precisa ser feito.
A poesia é a realidade
nua,
pura,
crua,
tua.
É parte da personalidade.
A poesia é o que existe para nos salvar
antes que seja tarde.
A Pausa Para Um Café é uma newsletter quinzenal. Saiba mais sobre o projeto e cada uma das colunas aqui.
Até a próxima Pausa,
Time Prensa
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