Da corrida contra a COVID-19 à falta de vacinas
Negra. Enfermeira. Monica Calazans, de 54 anos, trabalha na Unidade de Terapia Intensiva do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo. Ela foi a primeira pessoa no Brasil a receber a dose da vacina (CoronaVac).
O ato, em 17 de janeiro, marcou o início da vacinação no país e sucedeu a autorização de uso temporário e emergencial da vacina CoronaVac e do imunizante Covishield, desenvolvido pelo laboratório sueco-britânico AstraZeneca e pela Universidade de Oxford, do Reino Unido.
Em seguida a Anvisa concordou com o uso na população das 6 milhões de doses importadas da China pelo Butantan e de 2 milhões de doses da vacina de Oxford compradas pelo governo brasileiro da Índia.
Confira algumas das vacinas contra a COVID-19:
CoronaVac
De origem chinesa, a vacina desenvolvida pela farmacêutica Sinovac, foi a primeira utilizada na imunização da população brasileira contra o novo Coronavírus. A previsão é de que 46 milhões de doses estejam disponíveis no país até o fim de março deste ano, de acordo com cronograma previsto no contrato com o MS (Ministério da Saúde).
No Brasil, a parceria com transferência de tecnologia é realizada com o Instituto Butantan.
O procedimento escolhido consiste na injeção do vírus inativo através de agentes químicos ou físicos no organismo. Assim o sistema imunológico dá início a produção de anticorpos necessários para combater a doença. Isso ocorre pois, ao identificar o vírus inativo, as células os capturam e ativam os linfócitos (produtores de anticorpos).
Atualmente, vacinas como a da gripe, ministradas anualmente, utilizam desse mesmo método (vírus inativo).
No dia 6 de janeiro, em uma entrevista coletiva, o Butantan anunciou eficácia superior a 78%. Esse valor, entretanto, foi obtido por meio da análise de somente parte dos profissionais da saúde que recebeu a vacina e era referente à proteção contra casos moderados e graves.
Dessa forma, a falta de dados completos, especialmente quanto à eficácia geral da vacina, causou descontentamento e desconfiança entre parte da população e até mesmo motivou críticas dentro da comunidade científica.
Cerca de cinco dias depois, foi anunciado o valor de 50,38% (eficácia geral), superando os 50% exigidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para registrar o imunizante.
A eficácia da CoronaVac foi avaliada no Brasil através do ensaio clínico Profiscove e contou com 12.508 voluntários. Metade dos participantes recebeu placebo (substância inócua) e a outra metade a vacina.
Tratava-se de um estudo da categoria duplo-cego, ou seja, voluntários e as equipes de aplicação não tinham conhecimento sobre qual era o composto injetado, imunizante ou placebo.
São Paulo, agora segunda cidade brasileira em número de mortes (17.523 como constatado dia 04/02), já recebeu 6 milhões de doses da vacina produzida na China. No dia 22 de janeiro, outras 4,1 milhões de doses produzidas pelo Butantan tiveram autorização da Anvisa para uso.
De acordo com cálculos do governo paulista, a produção independente da vacina CoronaVac só acontecerá a partir de outubro. Isso tendo como base a construção de uma nova fábrica do Butantan, que teve início em 2 de novembro de 2020. A previsão é que as obras sejam concluídas no dia 30 de setembro.
Em outros países
Não é apenas o Brasil que faz uso emergencial da CoronaVac. No dia 11 de janeiro a Indonésia aprovou a medida, tendo como base os 65,3% de eficácia apresentados no país. O estudo clínico foi realizado com ajuda de 1.620 voluntários, entre 18 e 59 anos, de toda a população, não somente profissionais da saúde.
A Turquia começou seus estudos clínicos em setembro de 2020, prevendo a participação de 13 mil profissionais da saúde, entre 18 e 59 anos. Em análise inicial, divulgada em dezembro, a eficácia era de 91,25% (29 casos da doença em 1.300 participantes, dos quais 26 no grupo placebo e 3 entre os que tomaram a vacina).
AstraZeneca
Diferente da CoronaVac, a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e pelo laboratório AstraZeneca utiliza como tecnologia o vetor viral não replicante, ou seja, usa um "vírus vivo", como um adenovírus. Este é modificado por engenharia genética para que não se replique no organismo humano ou prejudique a nossa saúde.
No caso da Universidade de Oxford o adenovírus utilizado costuma infectar chimpanzés e tem o nome de ChAdOx1 (acrônimo de Chimpanzee Adenovírus Oxford 1).
No dia 27 de junho de 2020, o Ministério da Saúde firmou parceria com a farmacêutica britânica AstraZeneca e com a Universidade Oxford, para o desenvolvimento e produção da vacina, com previsão inicial de 30,4 milhões de doses. Nesta primeira fase serão dois lotes de insumos e uma transferência de tecnologia: um em dezembro de 2020 e outro em janeiro de 2021.
A transferência de tecnologia foi realizada para Bio-Manguinhos, unidade produtora de imunobiológicos da Fiocruz. Mais de 10 mil voluntários brasileiros, de 5 estados, integraram a fase de testes. Em caso de comprovação de eficácia e segurança, o Brasil poderá produzir mais 70 milhões de doses.
Os custos da fase inicial, de acordo com governo, são de U$ 127 milhões (R$ 695 milhões), incluindo custos de transferência da tecnologia e do processo produtivo para Fiocruz, estimados em U$ 30 milhões (R$ 165 milhões).
No momento, a vacina da AstraZeneca já começou a ser aplicada no país, após o envio de lote pelo laboratório indiano Serum. Para produzir a vacina no país, a Fiocruz necessita do IFA (Insumo Farmacêutico Ativo) vindo da China.
Novamente a questão da eficácia
Não foi apenas o Butantan que precisou esclarecer a eficácia de sua vacina. A AstraZeneca e a Universidade de Oxford também sofreram críticas. Um erro no ensaio acarretou em três taxas de eficácia apresentadas:
— 62%, para quem recebeu duas doses completas;
— 90%, para o grupo vacinado inicialmente com meia dose;
— 70%, uma média dos dois índices anteriores.
Tal discrepância foi resultado de parte dos voluntários a receber meia dose da vacina seguida de uma dose inteira, quando na verdade o correto seria duas doses completas.
Em tempos de pandemia agora a fraude é outra
A pandemia também abriu as portas não apenas para problemas ligados diretamente à saúde pública, mas deu oportunidade de grupos criminosos lucrarem com novos golpes e fraudes. Dentre as mais comuns há aqueles que se aproveitaram do medo e da desinformação para vender vacinas inexistentes e as fraudes nos testes de COVID-19
Entenda alguma delas:
Testes falsos
Um exemplo da ocorrência no Brasil foi em outubro de 2020, na qual quatro turistas do Tocantins foram presos em Fernando de Noronha acusados de falsificar as datas dos exames a fim de estar no arquipélago.
A suspeita da vigilância sanitária se deve ao fato que os exames haviam sido realizados em 25 de outubro, indo contra a regra de Noronha que implica no exame um dia antes do embarque.
A prática é uma exclusividade do Brasil, já que outros países passaram por casos semelhantes. No Aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, um grupo foi preso por vender certificados de testes falsos, por valores entre US$ 180 e US$ 360.
Já no Chile, um centro médico no distrito de Las Condes, em Santiago, chegou a ser fechado pelas autoridades sanitárias por comercializar testes PCR com resultados negativos por US$ 85. Holanda e Espanha também enfrentaram problemas de fraude nos testes de COVID-19.
Diante dessas situações, diversas companhias aéreas e autoridades sanitárias estabeleceram que um mero pedaço de papel não ajudaria a comprovar que uma pessoa estava saudável. No Havaí, por exemplo, os turistas precisavam fazer inscrição em programas de testes do governo antes da viagem e fazer a análise em laboratórios autorizados.
Fura-fila da vacina
Os primeiros grupos a serem vacinados contra COVID-19 foram profissionais de saúde diretamente ligados ao tratamento contra a doença, indígenas e quilombolas. A vacinação desse grupo teve início em 17 de janeiro no estado de São Paulo.
A partir do dia 8 de fevereiro, os próximos na vacinação foram idosos acima de 90 anos, e acima de 85 anos começaram a vacinação no dia 15 do mesmo mês. Já a vacinação de pessoas acima de 80 anos começa no dia 1º de março.
Apesar do calendário estipulado por São Paulo e outros Estados, ainda há quem descumpra as normas e fure a fila da vacinação. Em todo o país foram 1.065 denúncias sobre casos de fura-fila na vacinação contra COVID-19, segundo a Ouvidoria Nacional do Ministério Público.
Desde o dia 13 de fevereiro, a pessoa que furar a fila da vacinação em todo o estado de São Paulo poderá enfrentar uma multa significativa.
Em caso de descumprimento do cronograma de vacinação, a multa é de 1.700 Unidades Fiscais do Estado de São Paulo (UFESPs), o que no momento equivale a R$ 49.453, entretanto tal valor pode dobrar para R$ 98.906 se a pessoa imunizada em questão for um agente público, cuja vacinação ainda não estava prevista.
Corona-phishing
No começo da pandemia a fraude do tipo phishing era voltada para supostas vendas de produtos muito procurados, como máscaras faciais e álcool em gel. Na sequência os crimes se tornaram mais sofisticados e os cibercriminosos começaram a se passar por representantes da Organização Mundial de Saúde (OMS) para obter doações falsas e roubar dados pessoais.
Ainda há casos em outros países que os golpistas afirmam ser servidores do governo,quando na realidade apenas estão buscando informações para roubar esses pagamentos.
Em janeiro de 2020, a Comissão Federal de Comércio (FTC) dos Estados Unidos informou que recebeu mais de 225 mil reclamações de consumidores deste tipo de fraude. Com isso, mais de US$ 309 milhões de ajuda financeira foram roubados.
Vacina obrigatória?
Por dez votos a um, a tese do ministro Ricardo Lewandowski foi a vencedora. No dia 17 de dezembro de 2020 foi estabelecida pelo Plenário do Supremo Tribunal (STF) a obrigatoriedade da vacinação contra a COVID-19. Isso não implica em vacinação forçadas, mas que sanções podem ser determinadas contra as pessoas que não tomarem a vacina, como a de não fazer viagens internacionais.
A tese determina que:
"É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no programa nacional de imunizações; (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei; (iii) seja objeto de determinação da União, estados e municípios, com base em consenso médico científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar".
O STF também determinou que estados, Distrito Federal e municípios têm autonomia para estabelecer regras para a imunização.
Mas e as empresas? Elas podem exigir que seus colaboradores tomem a vacina contra a COVID-19?
No momento não se chegou a um consenso, pois há quem seja a favor da obrigatoriedade juntamente pela decisão do STF e por considerar que é dever das empresas garantir um ambiente seguro de trabalho para seus colaboradores. Em contrapartida, há outros declarando que tal obrigatoriedade vai contra o direito de escolha do trabalhador.
A caminho da imunização
Para se ter uma ideia, a contenção do vírus em até um ano vai exigir a vacinação de 2 milhões de pessoas por dia, segundo cálculos de um estudo publicado em fevereiro pelo Programa de Pós-Graduação em Modelagem Computacional da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) e Programa de Pós-Graduação em Ciência da Computação da UFSJ (Universidade Federal de São João del-Rei).
Atualmente o Brasil apresenta com uma média de 185 mil imunizações por dia, isso se levarmos em conta considerando as 5.756.502 de doses aplicadas entre 18 de janeiro e 19 de fevereiro.
Como resultado, o país precisa aumentar 10,7 vezes a quantidade de pessoas vacinadas por dia se quiser conter o coronavírus no período de um ano.
A missão não será nada fácil, já que muitas cidades brasileiras estão interrompendo a vacinação pela falta de doses da vacinas contra a COVID-19.
Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, a campanha de vacinação foi interrompida no dia 17 de fevereiro por esse motivo, devendo retornar apenas no dia 23 do mesmo mês.
De acordo com Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES), até o momento, o estado recebeu 1.040.320 doses de vacina contra a Covid-19 do Ministério da Saúde, sendo 855.320 da CorovaVac e 185 mil da Oxford/AstraZeneca.
Outras cidades que também tiveram a campanha de vacinação interrompida foram Curitiba, Salvador, Blumenau, Florianópolis, Volta Redonda, Sumaré e Nova Odessa.
Este artigo foi escrito por Luana Brigo e publicado originalmente em Prensa.li.