Damares x Jorge Amado
A polêmica dos absorventes é um ótimo reflexo das diferenças entre esquerda e direita. Quando o Parlamento decide que o poder público deve distribuir absorventes gratuitamente para as mulheres mais pobres, Jair Bolsonaro, eleito com retórica armamentista, sem nenhuma proposta de desenvolvimento social em seu programa de TV, apenas insultos ao PT, veta essa lei que beneficiaria estudantes, presidiárias, faveladas e mulheres em vulnerabilidade social. A direita adora dizer que defende a família, mas na prática é melhor que essa família não precise de absorventes. Damares, ministra da Mulher, chegou a dizer: “Não vamos tirar o arroz da cesta básica para colocar absorventes”. Então, ministra, a senhora prefere que as mulheres pobres usem miolo de pão ou as páginas do jornal Folha Universal, de seu aliado Edir Macedo?
Bem diferente era a postura do saudoso escritor Jorge Amado. Na adolescência, eu li todos os seus romances — e muito do prazer que eu tinha lendo esses livros eram as cenas de sexo, nas quais ele falava de coisas que o colégio religioso e conservador no qual eu estudava vetava. Por obra e graça dessa pornografia, minha consciência política aflorou. E não me lembro em qual deles o mestre baiano e universal propunha que o preço do livro fosse incluído no cálculo da cesta básica.
Eis a diferença entre esquerda e direita: enquanto um escritor de esquerda propunha a democratização do livro para ampliar os horizontes das camadas mais pobres, a direita, que diz defender a família, quer negar um item de primeira necessidade: absorventes que proporcionariam às meninas mais pobres uma maior frequência escolar. Sim, homens e mulheres têm direito à Educação, mas esse direito depende que as diferenças entre homens e mulheres sejam superadas. Se Gabriel, de 16 anos, é homem e não menstrua, terá uma preocupação a menos na prova de Matemática, marcada para o dia em que Gabriela, sua colega de classe, estará menstruada. E se lhe faltar absorvente?
Não se iludam: a direita fala em defesa da família mas não diz como gerar empregos para que essa família possa sobreviver dignamente; a direita assusta o eleitorado com o fantasma da ideologia de gênero porque não quer falar sobre a insegurança alimentar que ronda os lares de tantos brasileiros; fala em patriotismo e sacode bandeiras do Brasil enquanto fecha os olhos para o desmatamento, os agrotóxicos que envenenam nossa comida, o desmonte dos serviços públicos que existem para atender quem não pode pagar por serviços privados.
A esquerda sempre desejou o desenvolvimento do Brasil, apesar dos erros que cometeu — a obra de Jorge Amado, com seus erros e acertos, documenta isso. A direita, ao contrário, tudo faz para que regridamos rumo ao século 19, dilapidando as leis trabalhistas, o serviço público e o Estado de bem-estar social. O desgoverno direitista de Bolsonaro corta verbas na Ciência porque ela questiona os charlatães da cloroquina.
Quando puder, leia Jorge Amado. Ele está mais vivo que qualquer ministro do governo Bolsonaro. Jorge Amado é um orgulho do Brasil. Bolsonaro apenas nos envergonha diante do mundo.
Texto publicado originalmente aqui.
Este artigo foi escrito por Edson Amaro de Souza e publicado originalmente em Prensa.li.