Demanda por petróleo - o início do fim
Péssimas notícias para os combustíveis fosseis: o pico da demanda do Petróleo está chegando mais cedo do que a maioria das pessoas poderia imaginar. Novas tecnologias para geração e armazenamento de energia, aliadas a fatores econômicos, políticos, ambientais e, até mesmo psicossociais aceleraram o início do fim da demanda por petróleo.
O petróleo e seus produtos
O petróleo, apesar de já ser conhecido anteriormente, passou a ser explorado em meados do século XIX e utilizado em larga escala a partir da criação dos motores movidos a gasolina ou a óleo diesel.
Desde então, os combustíveis fósseis (petróleo, carvão mineral e gás) têm sido a principal fonte comercial de energia (produção industrial, comunicação, transporte, aquecimento, iluminação etc.) Os hidrocarbonetos, juntos, geram mais de 80% da energia consumida pela humanidade.
De maneira resumida, os seguintes produtos são extraídos do petróleo:
Ø Gasolina 46%;
Ø Diesel e outros combustíveis 26%;
Ø Combustível de aviação 9%;
Ø Asfalto 3%;
Ø Lubrificantes 1%;
Ø Outros 15%.
Esses 15% classificados como outros incluem diferentes tipos de insumos utilizados para fazer desde maquiagem a remédios. Aspirina, corante alimentar, batom, plástico, borracha sintética dentre vários, são todos produtos do petróleo.
Mais de 80% do petróleo extraído resultam em produtos que são utilizados na geração de energia em vários segmentos como transporte, indústria, geração primária de energia, agricultura etc. Cerca de 4% são utilizados na produção de polímeros (insumos para produção de plásticos etc).
A energia está em demanda massiva, apesar do mundo estar saindo da crise econômica da epidemia de covid, ao mesmo tempo em que os mercados globais de petróleo estão mudando drasticamente em função de vários fatores, dentre os quais o advento dos veículos elétricos e as crescentes pressões para descarbonizar o setor de transporte.
O petróleo está enfrentando uma concorrência significativa pela primeira vez em sua principal fonte de demanda: a energia. Essas forças combinadas, aliadas às pressões crescentes para reduzir as emissões de carbono, farão com que a demanda de petróleo pare de aumentar, após mais de 150 anos de crescimento quase ininterrupto.
Para reforçar esse cenário, recentemente, vários acontecimentos ocorreram quase que simultaneamente, funcionando como um conjunto de forças que atuam no mesmo sentido para antecipar o início do fim da demanda do Petróleo.
Os “driving forces” da mudança
As mudanças climáticas, por si só, funcionam como uma poderosa força que justificam a necessidade de diminuir a utilização de combustíveis fósseis.
No entanto, abrupta e inesperadamente ou não, surgiram, quase que ao mesmo tempo, outros “Driving Forces”, como o “breakthrough” em tecnologias para armazenamento e geração de energia, fatores políticos, econômicos e, até psicossociais, que, juntos, catalisam e aceleram a transição energética e a queda de demanda por petróleo e outros combustíveis fosseis.
Os recentes “breakthrough” em tecnologias para armazenamento e geração de energia, por si só mudaria de vez o cenário, pois isso está resultando numa adesão massiva do setor automotivo e consumidores ao carro movido a energia limpa, numa mudança abrupta e surpreendente e deve ocorrer com outros segmentos.
Uma das tecnologias importante para o armazenamento de energia é a bateria. Ela pode ser a pedra angular da transição energética, proporcionando um “backstop” para geração solar, eólica e outras fontes intermitentes de geração de energia, além de possibilitar a utilização em dispositivos móveis como veículos, barcos, aeronaves e portáteis como celulares, laptop etc.
Na geração de energia ocorreram vários “breakthrough”, dentre os quais o hidrogênio verde, cujo os custos são mais baixos que o hidrogênio produzido a partir de fontes fósseis. Ele pode ser utilizado em fontes estacionárias de geração de energia como residências, indústrias, estações de trens etc. Eles também podem ser utilizados em veículos grande, embarcações, aeronaves etc.
Lançado recentemente, o Departamento de Energia dos EUA (DOE) “Energy Iniciativa Earth shots” visa reduzir os custos do hidrogênio verde e armazenamento de energia de longa duração em 80% e 90%, respectivamente, até 2030.
Uma nova rota para obter o hidrogênio verde acaba de ser criada pelas equipes dos professores Alexey Cherevan e Dominik Eder, da Universidade de Tecnologia de Viena, na Áustria. O novo processo chama-se "separação fotocatalítica da água". O termo "foto" aponta para o uso de luz que pode ser do Sol, para ativar catalisadores de baixo custo que quebram as moléculas de água, separando-as em hidrogênio e oxigênio.
Outras tecnologias para geração de energia além das células fotovoltaicas, eólica e hidrogênio verde estão preste a entrar na fase de industrialização e comercialização. As Rectennas Solar Cells é uma delas. Elas podem captar a irradiância solar numa faixa de frequência maior que as células fotovoltaicas e tem uma eficiência próxima de 90%.
Recentes decisões políticas tomadas por vários países, praticamente decreta o fim dos motores a combustão. A maioria deles como a União Europeia, Estados Unidos, Japão, Austrália e tantos outros estabeleceram prazos de menos de quinze anos para mudança da propulsão de seus veículos para fontes limpas de energia.
Outros fatores que se tornaram “Driving Forces” dessa mudança são os econômicos e psicossociais. Os recentes aumentos abusivos de combustíveis fósseis, aliados à invasão da Ucrânia pela Rússia e a ameaça dessa potência militar em cortar o fornecimento de energia para a Europa, demonstrou a fragilidade e a dependência que os Países, as organizações e as pessoas têm desse segmento cartelizado.
Para os governos, além de questões ambientais, urge buscar fontes de energia que dê Segurança e Independência a seus Países. Para as pessoas é uma questão econômica que afeta seus “bolsos”, a sua qualidade de vida e de seus familiares.
Todos esses “Driving Forces” resultam em cenários e caminhos que apontam para o início do fim do petróleo.
O fim da linha
Segundo o Statistical Review of World Energy 2021 da British Petroleum (BP), uma gigante da indústria petrolífera, “a matemática por trás da queda de demanda por combustíveis fósseis não é complexa. A demanda global de energia cresceu 1% ao ano na década passada.
Enquanto o fornecimento de energia solar e eólica cresceu a uma taxa média de 20% ao ano durante a mesma década e representou cerca de 4,4% do fornecimento de energia primária em 2021. A energia solar e eólica já atende cerca de dois terços do crescimento da demanda de energia. A produção adicional do fornecimento de energia hidrelétrica, nuclear e de biomassa é suficiente para compensar o restante do crescimento da demanda. Isso deixa muito pouco espaço para a demanda incremental por combustíveis fósseis”.
Segundo ainda os cenários projetados pela BP, “a demanda por combustíveis fósseis atingiu um pico em 2019, se manterá ao longo de um platô por alguns anos e depois cairá de um penhasco na segunda metade desta década”.
Além dos “breakthrough” em tecnologias para armazenamento e geração de energia que tende a alterar a matriz energética mundial rapidamente, dominada por combustíveis fósseis, há, ainda, outras tecnologias surgindo que substituirá o petróleo na produção de insumos para outros segmentos, como, por exemplo, os polímeros.
O Dióxido de Carbono (CO2) está sendo usado como Matéria-Prima Química para fazer Polímeros e já existe quase 1 milhão de toneladas de capacidade de produção instalada. Um total de pelo menos 40 empresas e projetos de pesquisa da Ásia, Europa e América do Norte estão trabalhando em polímeros à base de CO2.
Em 2018 foram produzidas 400 milhões de toneladas de polímeros, dos quais cerca de 90% foram provenientes de combustível fóssil e os demais foram do resultado de reciclagem e da biomassa. A previsão é que em 2050 a produção e consumo chegue a 1200 milhões de toneladas (MT), sendo 750 MT da reciclagem, 135MT da Biomassa, 315 MT da captura de CO2 e nenhuma de petróleo cru. Isso significará, pelo menos, mais 4% de substituição da demanda por petróleo, que se soma com os mais de 80% destinado a energia. Não restará muita coisa para a indústria petrolífera.
A Carbon Tracker alerta que a demanda do Pico do Petróleo está chegando mais cedo do que a maioria das pessoas pensam e pode levar a ativos ociosos e perdas maciças. Parte dos investidores já estão evitando aplicar recursos financeiros na indústria petrolífera, principalmente em CAPEX e ações de longo prazo. Por isso, os últimos leilões da Petrobrás houve menos investidores interessados que o esperado.
“O risco da segurança energética hoje é um fator mais poderoso para os líderes mundiais do que o futuro do planeta em 30 anos. Dinâmicas convergentes como o aumento nos preços dos combustíveis e tanques russos nas fronteiras estão forçando os políticos a fazer escolhas antes consideradas impossíveis e adiantou a transição energética em mais de uma década”, afirma Kingsmill Bond, senior principal in the Strategic Analysis & Engagement Group da MRMI.
Os preços relativamente baixos são um dos Driving Forces muito importante da energia renovável e para substituição de outros produtos derivados do petróleo. A amônia verde e o hidrogênio verde, por exemplo, são mais baratos hoje do que as fontes baseadas em combustíveis fósseis. Além disso, os combustíveis renováveis podem ser produzidos localmente, são limpos, mais baratos e trazem independência energética.
Não é apenas a Europa que vai mudar. Preços altos criam pressão por mudanças em todos os lugares. Enquanto 10% do mundo vive em países produtores de petróleo, 80% das pessoas vivem em importadores de combustíveis fósseis.
Todos esses Driving Forces e demais situações descritas neste artigo, mesmo que tivessem sido planejados, não aconteceriam com tanta intensidade e sincronismo como está ocorrendo. O calque morfológico “tempestade perfeita” é a melhor maneira de sumarizar o cenário que se formou para a indústria petrolífera.
Por outro lado, essa realidade é muito importante para reduzir o risco de consequências ambientais desastrosa e descontinuidade de fontes de energia, pois o Petróleo é finito. Por tudo isso, essa década será conhecida na história como o ponto de inflexão de mudança na matriz energética para fontes inesgotáveis, limpas e de produção local e pelo início do fim do petróleo.
Este artigo foi escrito por Narcelio Ramos Ribeiro e publicado originalmente em Prensa.li.