Depois de terem sobrevivido por 360 milhões de anos na Terra, os anfíbios estão desaparecendo
Eles surgiram na Terra antes dos dinossauros, conviveram com eles, viveram sob climas diferentes, superaram catástrofes naturais e continuaram se multiplicando e chegaram aos dias de hoje, enquanto outros ramos da vida se extinguiam. Até agora. Depois de 360 milhões de anos vivendo muito bem no planeta, os anfíbios estão em perigo. Populações e espécies desse grupo de animais vêm escasseando, estão sob ameaça de extinção ou até mesmo desapareceram.
De acordo com dados da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN, na sigla em inglês), 41% ou cerca de 2.500 das mais 6.000 espécies de anfíbios conhecidas em todo o mundo estão ameaçadas de extinção. No Brasil, são 41 oficialmente em risco, além de uma já considerada extinta: a perereca-verde-de-fímbria (Phrynomedusa fimbriata), que vivia no Alto da Serra de Paranapiacaba, a cerca de 1.000 m de altitude, no município de Santo André, em São Paulo.
Para quem vê sapos, rãs e pererecas, os anfíbios mais conhecidos, como bichos asquerosos e repugnantes, que não despertam a mesma simpatia que os micos-leões-dourados e as ararinhas-azuis, o declínio ou a extinção desses animais pode não ter nenhuma importância. Quem pensa assim comete um grande erro, no entanto.
Os anfíbios – grupo de vertebrados que se divide em três ordens: anuros (sapos, rãs e pererecas), urodelos (salamandras) e gimnofionos (cecílias, também conhecidas como cobras-cegas) – são importantíssimos para a preservação do meio ambiente. Eles são predadores de insetos e invertebrados, e mantêm em equilíbrio a população dos animais desses grupos.
Controle de insetos
Além disso, a diminuição ou desaparecimento dos anfíbios leva a um desequilíbrio, com o aumento de mosquitos transmissores de doenças, como o da dengue, por exemplo. Não havendo predadores naturais, a quantidade desses insetos aumenta drasticamente e como consequência o próprio homem é atingido.
Como se não bastasse, eles também são presas, servindo de alimento a muitos outros grupos de animais, como cobras, aves e mamíferos. Sua extinção poderia interromper a cadeia alimentar em algum ponto. Os girinos, a primeira fase da vida dos anuros, vivem na água, e também são importantes para o equilíbrio do ambiente aquático, pois auxiliam na reciclagem de nutrientes.
Tão importante quanto isso são os benefícios diretos que os anfíbios podem trazer ao homem. Eles representam um estoque de produtos farmacêuticos novos, ainda pouco conhecidos. Centenas de compostos químicos já foram isolados da pele de algumas espécies, alguns dos quais já estão sendo utilizados no tratamento de vítimas de queimaduras e até de ataques cardíacos. Outros compostos vêm sendo estudados no que se refere às suas propriedades antibacterianas e fungicidas. Assim, à medida que os anfíbios são extintos, desaparece com eles a cura de várias doenças.
Apesar de conseguido sobreviver na Terra por tanto tempo, os anfíbios, ao contrário do que se poderia pensar, também têm seus pontos fracos. O mais notável é a respiração pela pele, que os torna ótimos bioindicadores das condições do ambiente, mas pode levá-los à morte. Qualquer poluição do ar ou da água os afeta. Por isso, quando o meio em que vivem está sendo degradado, eles são os primeiros a dar o alarme. Se algo está prejudicando os anfíbios, provavelmente afetará outros animais e até mesmo o homem.
Problema antigo
O desaparecimento desses animais não começou ontem, no entanto. O problema foi discutido pela primeira vez no I Congresso Mundial de Herpetologia, realizado na Inglaterra, em 1989, quando cientistas de diversos países relataram suas observações a respeito da diminuição de algumas populações desses animais. Hoje, o fenômeno está ocorrendo praticamente no mundo inteiro.
Ele é mais acentuado na Austrália e nas Américas, principalmente na América Central e no Caribe. Relatos de declínio são mais frequentes em espécies de médio e grande porte e que vivem em grandes altitudes. Há inclusive informações de casos em áreas protegidas. A extinção de espécies é esperada em locais em que o ambiente está degradado, mas a diminuição de populações em áreas aparentemente bem preservadas é preocupante, pois resulta de fatores ainda não identificados.
No Brasil, foram constatados casos de espécies em declínio na serra do Mar, em Boracéia (SP), em Santa Teresa e Linhares (ES), no maciço da Tijuca, em Teresópolis e na serra da Mantiqueira, em Itatiaia (RJ). Os casos mais preocupantes estão acontecendo em Boracéia e em Santa Teresa. Várias espécies encontradas nessas regiões até 1979 – Thoropa miliaris, Cycloramphus spp., Hylodes asper e Crossodactylus spp., por exemplo – desapareceram depois disso e até recentemente não voltaram a ser registradas.
Aos poucos, o esforço da comunidade científica internacional para determinar o que tem provocado o declínio, ou mesmo a extinção, de muitas espécies de anfíbios, começa a dar resultados. Há diversas causas possíveis, entre as quais está a destruição de habitats, provocada pelo homem. A chuva ácida, causada pela poluição do ar; inseticidas, herbicidas, fungicidas e resíduos industriais são outros fatores que agravam o problema. A introdução de espécies exóticas em ambientes onde vivem anfíbios também é uma das causas da diminuição e extinção de sapos, rãs e pererecas.
Novo inimigo
Mais recentemente vem ganhando importância nessa história outro vilão: o fungo Batrachochytrium dendrobatidis, cuja proliferação tem sido favorecida pelo aquecimento global. Ele já foi detectado em todos os continentes, menos na Antártida, e está por trás do declínio de dezenas de espécies de anfíbios no mundo. Agora, os cientistas começam a entender como o fungo é capaz de matá-los. Ele causa uma doença chamada quitridiomicose, que altera a capacidade da pele de fazer o balanço de íons. As concentrações no sangue se alteram e o animal acaba morrendo de ataque cardíaco.
Seja qual for o motivo do fenômeno, o certo é que o Brasil é o país que mais perde com o declínio das populações de anfíbios, já que detém o maior número de espécies. Das mais de 3,5 mil de anuros conhecidas, mais de 500 são registradas no Brasil. Assim como uma (Bolitoglossa altamazonica) das 400 de salamandras e três famílias de cecílias.
Um dos objetivos dos cientistas que investigam as causas do declínio na população de anfíbios é reverter esse fenômeno, embora não se saiba se isso é possível. Infelizmente, ainda não há muito que se possa fazer, pois as doenças e o clima não são controláveis por completo. Em alguns casos, só é possível proteger os ecossistemas e, em outros, mais extremos, manejar populações de anfíbios em laboratório, onde se podem curar doenças e mantê-los em condições ambientais adequadas.
O certo para os especialista é que é para evitar o desaparecimento dos anfíbios é necessário fazer o acompanhamento das populações e realizar mais estudos para conhecer melhor as causas do problema. Só assim será possível tentar reverter ou mitigar a situação No Brasil, o que vem sendo feito por enquanto é o monitoramento de áreas por grupos de cientistas de diversas universidades e a busca por populações que já não são encontradas há algum tempo.
Este artigo foi escrito por Evanildo da Silveira e publicado originalmente em Prensa.li.