Dexter: New Blood — Filho de serial killer é o que?
Divulgação/Showtime e Paramount+
Dexter foi uma das grandes séries de televisão dos anos 2000. Sua inusitada premissa colocou milhares de lares para torcer por um assassino em série que matou ao menos 138 criminosos (segundo fontes não oficiais) ao longo das oito temporadas pelas quais a série se estendeu.
Se você não chegou a assistir a série original, Dexter: New Blood fará pouco sentido, muito do que foi abordado aqui é consequência direta das ações da série original. Então acaba sendo um péssimo ponto de partida mesmo com os flashbacks e apresentações explicativas.
Agora, se a premissa de perito criminal especialista em sangue e sedento por matar te agrada, se ver Dexter atacar outros assassinos em série para “fazer o bem” enquanto supre sua necessidade por carnificina, te agrada; recomendo muito que você veja as seis temporadas de Dexter disponíveis no HBO Max e que ignore solenemente duas últimas temporadas disponíveis no mesmo local.
Mas entre quem acompanhou a série durante suas primeiras exibições e quem maratonou Dexter existe uma grande certeza de uma grande dúvida.
As últimas duas temporadas de Dexter são muito ruins.
Dexter: New Blood é ruim como o final da série original ou é incrível como a temporada com o assassino Trinity?
Para concordar com a primeira parte e responder a segunda, escrevi o texto abaixo com o menor número de spoilers possível.
Sangue novo
Dexter se escondeu muito bem, está totalmente integrado à comunidade na pacata e fictícia Iron Lake, na parte mais norte do estado de Nova Iorque. Com uma identidade falsa, Dexter trabalha como balconista em uma loja de pesca, caça e armas, mora numa cabaninha nos arredores do município e até arranjou uma namorada.
É em meio a essa vidinha discreta e gelada que chega um forasteiro à cidade. Com um certo suspense desnecessário, Harrison entra em cena buscando resposta sobre o porquê de ter sido abandonado quando ainda era uma criança muito pequena.
Meus mais sinceros parabéns aos responsáveis pelo casting de Jack Alcott como Harrison Morgan, um descendente consanguíneo de Michael C. Hall talvez não conseguisse ser tão parecido com ele. (imagem: Divulgação/Showtime e Paramount+)
Se formos minuciosos, ele nasceu em 2009 e não deveria ter mais que 13 anos, contudo isso não representa nada frente aos erros narrativos intitulados sétima e oitava temporada. Aqui ele está com uma idade não especificada entre 15 e 16 anos pelo bem da história e é isso, afinal, geralmente se é mais problemático com essa idade do que na pré-adolescência.
Harisson comeu o pão que o diabo amassou vezes suficientes para uma vida inteira. Primeiro sua mãe foi assassinada diante dele enquanto ainda era um bebê, depois sua tia morreu e seu pai o abandonou quase na mesma época; aí ele passa uns anos crescendo de boa na Argentina…
…Mas só até sua madrasta morrer de câncer, ele ser deportado para os Estados Unidos e passar por orfanatos e lares ruins tentando encontrar o pai que acreditou estar morto. Até que um belo dia, finalmente consegue encontrá-lo escondido em uma cidadezinha gelada! Domingo Legal e Caldeirão do Huck certamente conseguiriam muita audiência com uma história dessas…
Dexter bem que tentou manter sua mentira, mas a vontade de abraçar seu filho foi maior e Harrison ganhou uma chance de conhecer melhor a vida falsa do seu pai de verdade e a verdade por trás de seu passado.
Sangue velho
Dexter Morgan agora é Jim Lindsay (uma provável homenagem ao autor dos livros, Jeff Lindsay). Sem mais sangue para ser analisado, sem caixa de rosquinhas para agradar os colegas de trabalho, apenas o trabalho padrão de um vendedor de loja e ocasionalmente amolar umas facas de açougueiros para relembrar os velhos tempos.
Em Dexter: New Blood, Seu passageiro sombrio ainda está lá, só que se antes era a figura de seu pai, Harry, ou até mesmo de Bryan, seu irmão morto no final da primeira temporada, quem habita e castiga sua mente agora é Debra.
Precisamos parar um momento para apreciar Debra Morgan e sua intérprete Jennifer Carpenter. Jennifer e Michael chegaram a ser casados durante uma parte da série original e o rompimento parece não ter sido agradável.
Como uma forma de recompensa tardia, o papel de Jennifer nessa temporada foi basicamente ficar olhando para a cara do ex-marido e proferir palavrões e ofensas diversas. Já pensou? Ficar ofendendo aquela ex-paixão e ainda receber pra isso!
Jennifer passou anos tendo que contracenar com seu ex-marido após o término da relação. A vingança é um prato que se come frio mesmo e no frio pelo visto. (imagem: Divulgação/Showtime e Paramount+)
Dexter evita ter contatos mais íntimos com os habitantes da cidade, mas aparentemente a chefe de polícia é a exceção dessa regra e até mesmo do bom senso, afinal, que tipo de sociopata namora uma policial competente? É muita autoconfiança de que ninguém vai descobrir sobre seu passado em Miami. Ainda assim, a relação entre os dois parece bem natural ao longo da série.
Nos resta assistir como Dexter pretende lidar com seu filho adolescente, não só por acreditar que nunca mais veria nem Harrison nem sua ex (também assassina) Hannah, mas pela convicção de que todos com quem se importa morrem e que estão melhores longe dele. Hannah pode até ter aceitado isso, mas seu filho quer maiores explicações sobre toda essa história suja de sangue em diversos pontos.
Sangue bom
Respondendo ao questionamento feito nos primeiros parágrafos, Dexter: New Blood é uma boa continuação para a história. Daria pra fingir que foi um gigantesco corte de elenco, do qual só restaram o protagonista, seu filho, o fantasma de sua irmã e um personagem ao qual prefiro guardar a surpresa caso você ainda não tenha visto.
Novos (e gélidos) ares para Dexter respirar e manter aquela fachada de inofensivo, de cara padrãozinho que não mataria ninguém com requintes de crueldade. O bom desse novo cenário de fundo é que, além de contrastar fortemente com Miami, o vermelho do sangue fica esteticamente ótimo ao contaminar a pureza da neve branca 🩸.
Tudo começa com o assassinato de um cervo branco, protegido por lei e morto a tiros por um riquinho babaca. (imagem: Divulgação/Showtime e Paramount+)
Os personagens têm um background elaborado, laços e traumas pré-definidos que transmitem a clara mensagem de que eventos infortúnios moldaram o caráter de todos, de um fora da namorada a ser constantemente humilhado pelos colegas. Alguns inclusive deveriam ter sido melhor explorados na história, mas basicamente desaparecem nos episódios finais, o que é uma pena.
Sangue até na lua!
Por pura poesia, o nono episódio da série se passa durante uma lua de sangue, um evento formado na simultaneidade de um eclipse lunar e uma superlua. Ou seja, haverá muito sangue na parte final da temporada.
Alguns episódios acabam não sendo tão emocionantes assim, dava pra ter abordado o psicológico de Harrison e o quanto um sabia sobre o outro antes, pena que decidiram investir tanto nesse suspense. O importante é que, especialmente sobre a afirmação inicial de que é uma minissérie sem novos episódios, o desfecho foi incrível!
Tudo bem que Dexter não costuma usar o machado como arma, mas cada vez que ele coloca as mãos em qualquer item do tipo, eu ficava na torcida para ser bem utilizada. (imagem: Divulgação/Showtime e Paramount+)
Sabe aquele episódio final que costuma ser apenas das resoluções após o clímax dos acontecimentos finais? O final acabou sendo tão aguardado quanto ponto alto da série, porque mesmo sem ignorar o péssimo final que a série Dexter teve, Dexter: New Blood encerra de forma excelente e dá um fim digno do serial killer mais famoso da televisão.
Pra encerrar, coloco essa frase que guardei tantos anos oriunda da série original. Ela foi pensada sem saber que Dexter: New Blood existiria tantos anos depois, mas é como se tivesse sido escrita para essa nova série:
“É estranho ter uma cria lá fora.
Uma versão profundamente alterada de você mesmo...
Correndo por aí sem controle e ferrando com tudo.
Me pergunto se é assim que os pais se sentem.”
Dexter Morgan
Este artigo foi escrito por Gustavo Borges e publicado originalmente em Prensa.li.