Dicas para advogados que atuam em processos de execução: case de empresa que decretou falência após a citação em ação judicial
Recentemente recebi um caso o qual a executada pleiteava pela baixa do processo de execução, bem como do pedido de desconsideração da personalidade jurídica por ausência de pagamento, com fundamento em sentença que decretou a sua autofalência.
A executada argumentou também que a sua citação no processo de conhecimento ocorreu após a sentença de decretação da falência, motivo pelo qual o crédito executado deveria ser habilitado perante o administrador judicial, não podendo seguir nos autos do processo original.
Entretanto, tais fundamentações não mereciam acolhida pelo poder judiciário, conforme alguns pontos levantados no caso concreto e entendimento do Poder Judiciário, conforme podemos verificar a seguir.
O argumento da citação posterior à citação da executada, não merece prosperar, pois analisando a linha do tempo dos processos, verificou-se que ela ocorreu antes do ajuizamento do pedido de recuperação judicial que se convolou em falência.
Neste caso, é importante pontuar que o advogado atuante deve analisar de forma muito cautelosa não só os atos do processo o qual patrocina, mas também da ação judicial, a fim de verificar se o credor não está tentando induzir o juízo a erro com informações falsas.
Outro ponto a ser observado pelo advogado atuante em processos de execução é se o devedor, ao realizar pedido de recuperação judicial ou de autofalência indicou corretamente o crédito na sua petição. Este é um fator muito importante a ser observado, visto que a omissão deste dado, pode configurar crime falimentar conforme verificaremos adiante.
Nesse sentido, não há de se falar em suspensão da execução nos autos de processo de conhecimento e a habilitação do crédito perante o administrador judicial fica a critério do credor, caso o devedor não o tenha feito, inclusive, este é o entendimento dos nossos Tribunais, bem como previsto nos artigos 49 e 59, da Lei 11.101/05:
Apelação – Ação de cobrança – Venda e compra de produtos – Inadimplemento da compradora – Pleito com vencimento anterior ao pedido de recuperação judicial – Habilitação do crédito demonstrada – Necessidade de extinção da ação – Novação da dívida – Honorários sucumbenciais fixados – Princípio da causalidade obedecido.
Esta ação é anterior ao deferimento da recuperação judicial da executada/embargante e o inadimplemento, fato gerador da constituição do crédito, já era existente. Ficou demonstrado que o crédito da exequente é anterior ao pedido de recuperação judicial, portanto, se aplicam ao caso os artigos 49 e 59, da Lei 11.101/05.
Dessa forma, houve a novação da dívida, uma vez que o crédito já era existente quando da recuperação, devendo o credor executar a obrigação específica constante no novo título judicial, ou habilitar seu crédito no juízo universal da falência, caso haja a convolação.
Crédito já era existente quando da recuperação, devendo o credor executar a obrigação específica constante no novo título judicial, ou habilitar seu crédito no juízo universal da falência, caso haja a convolação. – Forçosa a extinção da ação, sem resolução do mérito, ante a perda superveniente do objeto (artigos 485, VI, e 493, do CPC), conforme ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.272.697-DF. – Verbas sucumbenciais a cargo da parte requerida/embargante, por força do princípio da causalidade. Apelação não conhecida, com observação.
(TJ-SP - AC: 10068341720208260320 SP 1006834-17.2020.8.26.0320, Relator: Lino Machado, Data de Julgamento: 27/07/2021, 30ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 27/07/2021) (g.n.)
No caso mencionado, o executado foi devidamente citado nos autos do processo, porém não apresentou defesa, tampouco manifestou-se durante qualquer movimento processual, apresentando-se somente quando do pedido de desconsideração da personalidade jurídica.
Ademais, em sua petição apresentou manifestações falsas, tentando induzir o juízo a erro, quando alegou que a sua citação se deu somente após a decretação da falência.
Ao iniciar processo de recuperação judicial, com posterior convolação em falência, ficou evidenciado o objetivo do executado em fraudar a execução, visto que não indicou a exequente no rol de credores dos autos do referido processo. O Código de Processo Civil traz alguns artigos que tratam sobre a fraude à execução, os quais destacamos:
Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
§ 3º Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.
Art. 828, § 4º. Presume-se em fraude à execução a alienação ou a oneração de bens efetuada após a averbação.
No caso concreto, o réu apresentou comportamentos durante todo o processo de conhecimento e após a distribuição do cumprimento de sentença, que tinha claros objetivos de não adimplir a sua obrigação. Nesse sentido, além da fraude à execução, havia indícios de atos atentatórios à dignidade da justiça, tais como:
(i) Art. 334, CPC: “O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado”;
(ii) Art. 774, CPC: “Considera-se atentatória à dignidade da justiça a conduta comissiva ou omissiva do executado que: I - frauda a execução; II - se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos; III - dificulta ou embaraça a realização da penhora; IV - resiste injustificadamente às ordens judiciais; V - intimado, não indica ao juiz quais são e onde estão os bens sujeitos à penhora e os respectivos valores, nem exibe prova de sua propriedade e, se for o caso, certidão negativa de ônus. Parágrafo único.
Nos casos previstos neste artigo, o juiz fixará multa em montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do débito em execução, a qual será revertida em proveito do exequente, exigível nos próprios autos do processo, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material”.
Outro ponto que o advogado que atua em processos executórios deve se atentar, é se houve litigância de má-fé por parte do devedor. O CPC também traz alguns artigos que tratam sobre o tema, os quais salientamos no caso em tela:
(iii) Art. 81, CPC: “De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou”;
(iv) Art. 536, § 3º, CPC: “O executado incidirá nas penas de litigância de má-fé quando injustificadamente descumprir a ordem judicial, sem prejuízo de sua responsabilização por crime de desobediência.” No caso sub judice, ao não cumprir as ordens judiciais, inclusive de pagamento, resta comprovada a litigância de má-fé;
Quanto à ausência de indicação do crédito no processo de recuperação judicial que posteriormente foi convolado em falência, a Lei de Falências traz o conceito de crime falimentar a comportamentos que podem caracterizá-lo:
(v) Art. 168. “Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem. Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa”.
(vi) Art. 170. “Divulgar ou propalar, por qualquer meio, informação falsa sobre devedor em recuperação judicial, com o fim de levá-lo à falência ou de obter vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa”.
(vii) Art. 171. “Sonegar ou omitir informações ou prestar informações falsas no processo de falência, de recuperação judicial ou de recuperação extrajudicial, com o fim de induzir a erro o juiz, o Ministério Público, os credores, a assembléia-geral de credores, o Comitê ou o administrador judicial: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa”.
(viii) Art. 175. “Apresentar, em falência, recuperação judicial ou recuperação extrajudicial, relação de créditos, habilitação de créditos ou reclamação falsas, ou juntar a elas título falso ou simulado: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa”.
Neste sentido, verificados os comportamentos do executado durante todo o processo, foram realizados alguns pedidos ao juízo, os quais podem ser adotados pelos advogados militantes nos processos executórios, dentre eles, exemplificamos:
a) Instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica e prosseguimento da execução, em face dos sócios atuais e antigos sócios, se for o caso, respeitando a limitação de responsabilidade de acordo com o perfil societário adotado pela empresa;
b) A fim de garantir a execução:
(i) O protesto do valor executado, nos termos do art. 514, CPC;
(ii) A penhora, de tantos bens quantos bastem, em nome da empresa e seus sócios, obedecendo a seguinte ordem:
a. Dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira, por meio do Sisbajud, acesso ao Banco Central, bem como ofício a ser distribuído nas fintechs que não estão cadastradas nos órgãos mencionados;
b. Títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado, com ofício ao Tesouro Nacional;
c. Títulos e valores mobiliários com cotação em mercado, com ofício à B3;
d. Veículos de via terrestre, via pesquisa Renajud;
e. Bens imóveis, com ofício a ser distribuído nos Cartórios de Registro de Imóveis;
f. Bens móveis em geral, a serem avaliados pelo Oficial de Justiça, com utilização de força policial;
g. Semoventes, a serem avaliados pelo Oficial de Justiça, com utilização de força policial;
h. Navios, com ofício à Marinha e aeronaves, com ofício ao RAB;
i. Ações e quotas de sociedades simples e empresárias, com expedição de ofício à Receita Federal, a fim de levantar outras sociedades as quais o executado eventualmente faça parte; e
j. Pedras e metais preciosos, a serem avaliados pelo Oficial de Justiça, com utilização de força policial;
k. Direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia.
c) Considerando a fraude à execução, ato atentatório à dignidade da justiça, litigância de má-fé e indício de crime falimentar, a parte credora pode requerer, caso sejam observados comportamentos similares ao caso apresentado:
(iii) Pelo não comparecimento injustificado do executado à audiência de conciliação, seja aplicada de multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado;
(iv) Pelas condutas previstas no art. 774 do CPC, consideradas atentatórias à dignidade da justiça, seja aplicada multa de vinte por cento do valor atualizado do débito em execução, a qual será revertida em proveito do exequente;
(v) Em razão da litigância de má-fé, condenação ao pagamento de multa no patamar de dez por cento do valor corrigido da condenação, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou bem como apuração de crime de desobediência;
(vi) No que tange à apuração de crime falimentar, que o Ministério Público seja intimado a fim de avaliar os atos praticados nos autos do processo falimentar, bem como nos autos do processo em andamento.
Portanto, ao se deparar com um caso o qual a empresa foi decretada falida, o advogado atuante em processos de execução possui mecanismos de ver o crédito do seu cliente adimplido, usando mecanismos no processo originário da demanda.
E você, colega? Já passou por situação parecida? Deixe seu comentário e me siga nas redes sociais para trocarmos ideias sobre o mundo do Direito.
Este artigo foi escrito por Juliana de Jesus Cunha Chiose e publicado originalmente em Prensa.li.