Din e o Dragão Genial: Mushu que se cuide!
Existe um novo dragão na cidade, LongZhu, o dragão que concede três desejos ao seu senhor chegou no serviço de streaming da Netflix fazendo sucesso. O Brasil, como sempre, fez gracinha com o título e um filme chamado Wish Dragon – traduzido literalmente como O Dragão dos Desejos em Portugal – aqui foi rebatizado de Din e o Dragão Genial, fazendo um trocadilho com o fato do dragão ser quase um gênio da lâmpada, mas vamos chegar nessa parte.
Normalmente, eu começaria te contando sobre o Din, um garoto gentil que leva uma vida humilde e sonha em reencontrar sua amiga de infância até que o destino o premia com um dragão de desejos, mas isso qualquer trailer te conta. Vou começar te contando da magia que acontece nos bastidores.
O mundo globalizado nos presenteou com um filme verdadeiramente internacional: Feito com verba de aproximadamente 8 empresas diferentes, destaco a empresa japonesa, Sony, uma de suas subsidiárias no Estados Unidos, a Columbia Pictures e sua parceria com a Tencent: uma poderosíssima empresa de internet e mídia chinesa conhecida no ocidente por ser dona de empresas como Epic Games, Blizzard, Activision, Riot, e o aguardadíssimo MOBA de Pokémon (Pokémon Unite) que vai estrear ainda esse mês, mas divago.
Esse grupo tão diverso investiu em um filme dirigido por um americano, Chris Appelhans que também é um dos autores, juntamente com chineses e outros americanos e que adaptaram uma lenda que é chinesa mas ficou conhecida no ocidente através do livro de origem persa As Mil e Uma Noites e da animação da Disney. Tudo isso faz com que o filme passado em Xangai consiga ilustrar bem o local onde o filme se passa e ainda ser entendível por pessoas das mais diversas culturas.
Ainda ressaltando o aspecto da obra que dá um sentido diferente ao termo multinacional, temos um elenco composto por atores norte-americanos com diversas ascendências orientais notáveis pelos próprios nomes: Jimmy Wong, Constance Wu, Natasha Liu Bordizzo, Jimmy O. Yang, Aaron Yoo, Will Yun Lee e Ronny Chieng. Mas eu preciso destacar novamente nosso querido dragão LongZhu:

Como ignorar esse rostinho? - (Imagem - Divulgação)
A voz do dragão LongZhu ganha vida através do ator John Cho (conhecido pela trilogia mais recente de Star Trek e pelo filme Buscando... de 2018). Esse ator nasceu na Coréia do Sul, vive na América desde os 6 anos, interpretou muito bem o dragão chinês nesse filme e ainda está escalado para ser o protagonista da adaptação live action do clássico cult japonês, Cowboy Bebop. Muito internacional, não é mesmo?
Na própria China, LongZhu é dublado por um dos produtores do filme, ninguém menos que o adorado Jackie Chan, o mestre de artes marciais que bate e faz rir ao mesmo tempo. Seguindo a natureza oriental do filme, o LongZhu brasileiro é feito por Ricardo Sawaya, experiente dublador e diretor de dublagem que está no Marvel Cinematic Universe (MCU) como a voz do agente Woo em WandaVision e no longa Homem-Formiga e a Vespa.
Da China para o mundo
É, querida leitora, querido leitor. Chegou a hora da grande revelação que já até foi revelada em parágrafos anteriores, a lenda da entidade mágica que concede três desenhos ao seu senhor é chinesa. O próprio livro As Mil e Uma Noites relata a história como um evento que ocorreu de uma local distante, muito ao leste da Pérsia, em uma terra que futuramente passou a ser conhecida como China.
Ao levarem a lenda para o que hoje chamamos de oriente médio, algumas adaptações foram feitas, como a de tirar a figura do dragão – que faz total sentido no extremo oriente, mas praticamente nenhum para os povos da região – e colocar um Djinn, espécie de entidade sobrenatural que não é nem boa nem má, cuja característica mais marcante é ter uma chama no lugar dos globos oculares e está presente no mundo árabe desde antes do islamismo e que aparece hoje como personagem secundário do livro / série American Gods (Deuses Americanos) escrito por Neil Gaiman. Algumas vezes mais condensadas, outras como tendo até mesmo um segundo dragão / djinn / gênio, a história segue contada através dos séculos e encantando diferentes gerações.
No título eu afirmei que o Mushu, dragão dos filmes da Mulan, aquele que lastimavelmente foi limado do filme de 2020, precisava se cuidar, e a partir daqui eu vou dizer, com um spoiler de narrativa, o por quê. Então se ainda não viu o filme, melhor parar aqui, assistir e voltar para ler depois dando mais uma visualização para a Prensa. Todo mundo avisado? Vamos lá:
Eu adoro o Mushu, enquanto criança era um dos meus personagens coadjuvantes preferidos, não só da Disney, mas valendo tudo, afinal frases como: _"Desonra pra tua vaca!” não são esquecidas com facilidade. A questão é que, enquanto Mushu é um coadjuvante, a grande novidade de Din e o Dragão Genial é que LongZhu é o protagonista! “Protagonista é aquele que busca a solução para o problema da história.” Se você pensar bem no filme, o Din começa e termina o filme da mesma forma, ele já está pronto, é um personagem bem resolvido, sem conflitos internos e que nem pestaneja para responder que dinheiro não é o que ele quer. Já LongZhu, esse aí é problemado...
Claro que Din é o personagem principal, ele tem o maior tempo de tela, mas tente ver o Dragão Genial como um filme onde o personagem principal é quem ajuda o ser mágico, exatamente o contrário do que sempre vemos, pegaram o plot e deram uma boa twistada nele! LongZhu é arrogante, nasceu na realeza como príncipe herdeiro e viveu uma vida inteira sendo ensinado que era melhor que todos ao seu redor, deu pouco ou nenhum valor para seus servos e para seus descendentes, morreu sozinho e ainda teve a ousadia de ofender uma divindade, que prontamente o puniu por isso, forçado a servir dez mestres como uma tentativa de aprender algo sobre seus defeitos, infelizmente ele passou por nove mestres ruins antes de cair nas mãos de Din, que se recusa a pedir seus desejos de forma rápida para que LongZhu seja libertado de sua maldição.
LongZhu só não rouba a cena porque o filme já é dele, seja com sua fascinação pela China moderna equivalente a de uma criança de cinco anos em um país que nunca viu, seja pelos momentos de alívio cômico que proporciona entre as cenas mais dramáticas. Aproveite a história de Din e Li Na, veja como um cortiço chinês pode lembrar muito um brasileiro e entenda como o dinheiro precisa ser um meio e não um fim para a felicidade, apenas faça isso tendo em mente quem é o protagonista da história.
Imagem de capa: Din, Li Na e o dragão mágico, digo genial. - Divulgação Netflix
Este artigo foi escrito por Gustavo Borges e publicado originalmente em Prensa.li.