Disney: preconceito no reino mágico
Ao infinito... e além? | Imagem: Brian McGowan / Unsplash
Estava me preparando para em algum momento falar do novo longa da Disney/Pixar, Lightyear, previsto para ser lançado em julho de 2022, coincidindo com o verão americano, provavelmente numa abertura épica de bilheteria após a atenuação (esperamos) da Covid-19.
Porém, como costumo dizer, a vida dá voltas, rodopia, dá cambalhota e faz estrelinhas no meio da rua. Lightyear será a história do astronauta que deu origem ao personagem da franquia Toy Story. Sim, aquele que a princípio não sabia ser o brinquedo de uma criança.
Acontece que a Pixar inseriu, neste filme, um beijo entre uma personagem chamada Hawthorne e sua parceira. Não seria a primeira vez que uma produção do estúdio apresentaria uma cena homoafetiva. E também não seria a primeira vez em que uma determinação de cima, da diretoria criativa da Walt Disney Company, mandaria censurar.
Amigo, estou aqui
Porém, desta vez, um grupo de funcionários da Pixar encaminhou uma carta aberta à centenária revista Variety, uma das mais prestigiadas publicações no ramo do entretenimento e show business dos Estados Unidos, e do mundo.
Na carta, denunciaram que a alta direção ordenou cortes em “quase todos os momentos de afeto abertamente gay… independentemente de quando houver protestos tanto das equipes criativas quanto da liderança executiva da Pixar”.
O texto não deixava nada em meias palavras: “Nós da Pixar sempre testemunhamos belas histórias, repletas de personagens diversos, voltarem da revisão em migalhas do que originalmente eram”.
Altas aventuras
A denúncia correu como fogo em mato seco. O Sindicato dos Animadores dos Estados Unidos engrossou o coro, cobrando ostensivamente explicações da Disney sobre o ocorrido.
O pior ainda estaria por vir: foi revelado que o atual presidente da Disney, Bob Chapek, havia doado a bagatela de 25 milhões de dólares à campanha Direitos Parentais na Educação, que recebeu da oposição a alcunha de Don’t Say Gay, ou no idioma do Zé Carioca, Não Diga Gay.
O apelido faz sentido: a proposta, aprovada no Senado da Flórida no início de março, veta qualquer tipo de debate sobre identidade de gênero e educação sexual no ambiente escolar, e orienta professores a denunciar alunos ou outros professores que apresentem comportamento diferente. Como se não bastasse, o projeto tem apoio pessoal do governador do Estado, e caso ninguém se oponha, valerá como lei a partir de julho.
“Cale-se, Bruno”
A carta aberta publicada pela Variety repercutiu, e não foi pouco. A direção da empresa do Mickey soltou um pedido enviesado de desculpas, e anunciou a doação de 5 milhões de dólares à organizações LGBT. Em relação aos 25 milhões de dólares citados anteriormente, porém, nada foi feito. Ou seja, o apoio permanece.
Mas a pressão realizada pelos funcionários, via carta aberta, mostrou algum resultado. A censura interna à cena de Lightyear foi derrubada e o segmento foi reinserido na versão final. Aparentemente, haverá um relaxamento destas determinações e certos conteúdos provavelmente surgirão.
A vida é uma festa
É compreensível que a Walt Disney Company preocupe-se com os valores que a regem há praticamente um século, e em uma corporação deste tamanho, movimentos que exijam grandes mudanças sempre são complicados, delicados e institucionalmente perigosos. Mas cabe muito bem à uma corporação que sempre esteve à frente em tendências, em inovação, em diversidade, ter a cabeça aberta aos novos tempos, uma nova sociedade.
Eu volto.
Este artigo foi escrito por Clarissa Blümen Dias e publicado originalmente em Prensa.li.