Ditadura do ursinho Waldo
Para examinar a verdade, é necessário, uma vez na vida, colocar todas as coisas em dúvida o máximo possível.
Dentro do budismo existe a ilusão (maya) onde tudo não existe, são percepções da sua mente dentro daquilo que o homem-ego quer ver como real. Mas, quando se diz que tudo é uma ilusão, não tem nenhuma outra realidade a não ser, o vazio de não julgamento. Exato. O vazio budista é uma suspensão do juízo e não julgar nada. Mais ou menos, o ataraxia dos estoicos, em que não julgar tem o propósito de não se importar com mazelas do mundo. Mas, na essência, há algo além daquilo que vimos e aquilo que vimos nem sempre é verdade.
Mas, o que seria a verdade? A serie Black Mirror (que poderíamos traduzir para espelho negro), no terceiro episódio de segunda temporada chamado Momento Waldo, é um questionamento do modo de fazer política nas redes sociais. Mas – como toda a série – tem um viés de crítica no modo como a maioria usa a tecnologia e o mundo virtual, como verdade. Waldo era um personagem que ficava dentro de um programa e seu idealizador era um comediante e, entre outras coisas, dublava ele e fazia gestos. Mas, se escondia atrás daquele personagem, porque não fazia sucesso. Porém, depois de ironizar o primeiro lugar das pesquisas e fazer sucesso – teve até um furgão tendo um telão perseguindo o candidato – começou a cogitar que Waldo poderia ser candidato.
Como um personagem de animação, virtual, poderia ganhar? Esse episódio nos mostra como as pessoas se iludem com palavras que vão deixá-las confortáveis e alegres, mas, o mundo não vai trazer nada confortável. A questão termina com uma ditadura de um personagem, em que mendigos não tinham vez e o comediante virando um deles. Claro, antes disso, a mulher disse a ele que depois disso ela ia ligar para ele, porém, ele não tinha nada porque lutar e se escondia por trás de Waldo. há ali uma mensagem dizendo: “Olha, você que não tem lados, vai virar um nada e não vai poder dizer nada”. Voltamos para a questão da ilusão, porque a ilusão não é uma mentira, a ilusão é uma não verdade. A mentira é uma distorção da realidade dentro das suas próprias crenças. A ilusão é uma verdade subjetiva, mas, que não distorce essa realidade.
A discussão do virtual acontece desde Aristóteles (384 a.C. —322 a.C.), pois, o filósofo dizia que toda virtualização tinha um potencial de existência. Ou seja, de alguma forma, existe um ser ali. Waldo não é só um personagem “infantil” com jeitos e atitudes obscenas, ele existe para uma grande maioria. Muitos associaram ao Bolsonaro e ao Trump por causa do período que ele foi lançado, mas, vou muito mais longe e vou transcender essa visão. Porque, além de tudo, não tem a ver com o poder, porque o poder está no candidato no primeiro lugar. Começa com Waldo dizendo: para que serve um político? Waldo é um perfil que por trás – usando Aristóteles – sua substância, digamos, é um comediante frustrado que só fez sucesso com um personagem virtual.
Waldo não é um político, o ursinho fofo que se parece um personagem infantil e começa a fazer ofensas é o usuário de internet e é ele que dita as regras hoje. Filmes não são lançados por causa das redes sociais. Marcas tiram e colocam patrocínio, graças aquela determinada “bolha” dentro das redes sociais e tudo é determinado graças aos avatares. Waldo vence e o determinismo dentro das bolhas determinam o que queremos ou não dentro desta questão. Voltamos para o começo do texto, o mundo não é uma realidade no critério que pensamos ser, mas, o que não queremos. Talvez, o episodio nos faça um alerta bem grave.
Este artigo foi escrito por Amauri Nolasco Sanches Junior e publicado originalmente em Prensa.li.