Do vazio
Cachoeira da Glória, arquivo pessoal.
Existe uma tristeza velada, oculta até mesmo nos mais sinceros sorrisos.
É resultado da certeza, mesmo que inconsciente, de que nenhuma felicidade durará tempo suficiente para que possamos retê-la em nossos corpos.
Sim, somos felizes! Mas cada instante de alegria, intenso ou não, se esvai com o passar dos anos, dos meses, dos dias. Vai se gastando conforme recorremos a essas lembranças na tentativa até mesmo insana de preencher nosso vazio.
E a cada frustração, ao perceber que nada nos fará completos, o anseio por uma felicidade ainda mais intensa nos torna viciados em buscar o prazer, cada vez maior e mais distante.
Quando pequenos, nossa alegria reside em singelezas: um dia de sol, um passeio no parque, a chegada do Natal. Crescemos, e nossa felicidade passa a ser o amor correspondido, os bons resultados na escola, a conquista de alguns objetivos.
Nos tornamos adultos, e aquilo que nos fazia felizes anteriormente quase sempre não nos causa mais nenhum alento. Está sol, somos amados, é Natal, e ainda nos sentimos vazios e incompletos. Ignorantes que somos de tudo que sentimos, julgamos ser o dia de sol errado, o amor errado, a vida errada.
Talvez pensamos "se eu fosse outra coisa, se tivesse optado por outro caminho, se estivesse frio...Talvez se eu vivesse em outra cidade, se trocasse de carro, de corpo...Talvez então eu poderia ser mais feliz..." E então, numa sucessão de pequenos equívocos, abandonamos a vida que conquistamos e partimos numa aventura cega em busca de qualquer coisa que possa nos preencher.
Casamos, e quando a felicidade de termos um companheiro se acaba, é hora de ter filhos. Os filhos nascem, e quando a solidão se mantém presente mesmo com a casa lotada deles, é hora de nos separar. E nesse ciclo de busca e decepção, alguém nos diz que o que nos falta é Deus...
Desesperados nos lançamos na busca de um Deus, seja ele qual for.
E assim seguimos dia após dia tentando preencher o que não pode ser preenchido.
Sem nos dar conta de que o vazio nos acompanhará eternamente, e somente podemos suportá-lo quando olharmos para ele e nos acostumarmos a sua presença.
Somos todos parte de um vazio maior, e somos todos incompletos.
E talvez seja essa sensação de falta que faz com que a humanidade caminhe, nos fazendo buscar e arriscar.
Se fossemos completos, seríamos estáticos.
Pelo medo de perder o que nos faz inteiros, não daríamos nenhum passo adiante, não arriscaríamos nenhuma mudança por mais sutil que fosse. Usaríamos eternamente o mesmo corte de cabelo, acordaríamos na mesma hora e ficaríamos perdidos quando as mudanças acontecessem.
O vazio que sentimos é equivalente à fome. Imaginem que depois de comer um bom prato, a fome desaparecesse. De certo com o passar do tempo, ficaríamos angustiados ao ver as pessoas que ainda sentem fome se fartando de pratos que não desejamos. Com certeza nos forçaríamos a comer, mesmo sem fome, e ficaríamos desesperados por não sentirmos saciedade, apenas um peso desconfortável no estômago.
O vazio nada mais é que nossa fome de viver, de experimentar o novo, de provar novos sabores. E é por isso que existe uma tristeza velada na alegria, e um certo prazer em cada momento de sofrimento. Porque, independentemente de sua intensidade, ambos jamais habitarão em nós eternamente.
Este artigo foi escrito por Marcela Malta e publicado originalmente em Prensa.li.