DOM: um recorte da dependência química
Pedro Machado Lomba Neto nasceu em 27 de setembro de 1981. O garoto loiro de olhos azuis ficou conhecido como o “bandido gato”, um jovem carioca usuário de cocaína, autor de assaltos a mansões no Rio de Janeiro nos anos 2000.
Filho de um ex-policial, Pedro Dom começou a usar drogas aos nove anos de idade e passou a conviver com outras crianças dependentes pelas ruas de Copacabana.
Aos 12 anos ele começou a roubar para sustentar o vício, furtando itens da mãe. Nessa época, os pais descobriram e iniciaram uma série de tentativas, frustradas, de fazê-lo se livrar do vício. A família até vendeu um apartamento para financiar tratamentos médicos e propinas para a polícia, visando evitar que ele fosse preso.
Pedro Dom foi detido por porte ilegal de armas em 2001, após passar por 14 internações em clínicas de reabilitação. Porém, devido ao laudo médico emitido pelo Hospital Psiquiátrico Heitor Carrilho, que alegava dependência química, ele foi liberado pelo juiz e a decisão foi revogada.
Em uma tentativa desesperada de salvar a vida de seu filho, a mãe do rapaz implorou de joelhos pela prisão dele em um hospital penitenciário. A intenção era mantê-lo longe das ruas e, consequentemente, distante dos pontos de venda de drogas. Mas não foi o que aconteceu.
De forma resumida, todos os esforços foram em vão. Pedro Dom foi morto em 15 de dezembro de 2005, poucos dias antes de completar 24 anos, em uma tentativa de fugir dos policiais.
Dos jornais às telas
A história de Pedro morreu junto dele, lá em 2005. Mas seu pai, Luís Victor Lomba, ex-policial, passou anos insistindo com o diretor Breno Silveira (2 Filhos de Francisco) para que transformasse em filme a história vivida por sua família.
Quando, enfim, as filmagens da série DOM estavam para começar, em 2018, Lomba morreu vítima de câncer de pulmão. Mas a história chegou aos streamings.
DOM é a primeira série brasileira original do Amazon Prime Video que chegou à plataforma dia 4 de junho. A história protagonizada por Gabriel Leone acompanha Pedro Dom e suas relações com a dependência química, família e sua inserção no mundo do crime.
A série conta com um elenco formado por nomes como Flávio Tolezani que interpreta o pai de Dom, Raquel Villar, Isabella Santoni, Ramon Francisco, Laila Garin, Mariana Cerrone e Digão Ribeiro.
Lendo as entrelinhas
Quando a série DOM chegou à Amazon, a produção de Breno Silveira dizia que era uma série de ação. E até pode ser, mas os atos que afligem o telespectador estão na dor familiar que um usuário de drogas pode causar à sua família.
Quando um dependente químico se revela, todo o núcleo familiar de seu entorno adoece.
Acompanhar essa história é se compadecer da dor desses pais e da falta de dor daquele filho, que, ainda menino, atropelado, revelará um diagnóstico: “Ele não chora, como se não sentisse dor”, informa o médico. “Isso é ruim?”, questiona o pai. “É”, define o avô (Roberto Birindelli) “A dor determina limites.”
Esse é um ponto muito forte em “Dom” e, no entanto, subestimado nos anúncios que venderam a série como uma adaptação da história do bandido gato da zonal sul carioca.
A história é tão rica de detalhes que é impossível não notar os retratos sociais como a presença da polícia, que diz muito sobre a corrupção na corporação fluminense. Ainda podemos nos perguntar, como salvar o ladrão, quando aquele que deveria ajudá-lo é o maior bandido de todos?
Outra referência ao mundo real é em relação ao contexto da droga no Rio. Há menções ao envolvimento do Exército Brasileiro no tráfico de armas e de drogas. Outra coincidência é a citação do policial achacador (André Mattos).
O enredo traça um histórico da chegada da cocaína ao Brasil, nos anos 1970, e da transformação da boca de fumo em “boca de pó”.
Apesar da arte imitar a vida, o impacto da dependência química é ainda mais intenso “do lado de fora” da tela.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) são mais de 500 mil mortes por dependência química anualmente, em dados publicados no ano de 2019.
Dados do escritório sobre drogas e o crime das Nações Unidas do mesmo ano mostram que mais de 35 milhões de pessoas são consideradas dependentes e necessitam de tratamento especializado.
Diversos “Pedros” estão por aí. Diversas famílias estão despedaçadas pela dependência química. E diversas vezes o Estado não agiu da melhor forma para combater o tráfico de drogas.
Nada evoluiu desde o início dos anos 2000, e está cada vez mais difícil vislumbrar uma solução. Nem o tráfico nem a dependência química serão vencidos à bala. Mas o Estado segue agindo dessa forma, a se ver o massacre de Jacarezinho e as notícias de toda semana.
A série DOM coloca em foco questões sociais de altíssima relevância e, além disso, não esquece do drama na dose certa.
O enredo é tão envolvente que nos faz pensar, a separação do casal pode ter contribuído para o “descaminho” do filho? O maior pecado são as más companhias, ou ainda, quem foi má companhia pra quem? Onde os pais falharam? Alguma medida que eles tivessem tomado poderia ter proporcionado um futuro diferente para o Dom?