Doutor Estranho 2: Loucura é pouco!
Imagem: Divulgação/ Disney e Marvel
A produção cinematográfica está voltando a níveis pré-pandêmicos e Hollywood inteira corre atrás do tempo perdido. Viúva Negra que já estava até filmado saiu simultaneamente no streaming e Homem-Aranha: Sem volta pra casa, encontrou cinemas com necessárias restrições de público e exigência de comprovação vacinal em lugares mais responsáveis.
Por outro lado, Doutor Estranho no Multiverso da Loucura estreou com um mundo onde todo mundo que tem o mínimo de juízo já se vacinou ao menos uma vez contra a Covid-19 e até os mais receosos (eu) vestem sua melhor máscara e encaram ir ao cinema para se deleitar com esse ótimo blockbuster.
Diferente do primeiro filme, onde quase não houveram vínculos e ligações com outras obras do MCU, Doutor Estranho 2 parece ter uma lista de tópicos e cenas a serem inseridos no filme, felizmente a costura é bem feita e o filme consegue funcionar.
Mesmo sem ter uma Joia do Tempo para consultar os possíveis futuros, digo que em 5 anos ou menos voltaremos a esse filme para confirmar que “realmente, plantaram um monte de coisas nesse aqui que foram colhidas em outro filmes”.
A Chavez que abre muitas portas
América Chavez, interpretada por Xochitl Gomez, é muito mais que o motivo da história acontecer, é uma fonte inesgotável de carisma ao longo dos 126 minutos de duração do filme.
Chavez faz você torcer para que dê tudo certo e arrasa na complicada missão de contrastar com a tristeza de um Stephen Strange (Benedict Cumberbatch) que finge não sentir-se incompleto e uma Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen) devastada pela perda da família e corrompida pelo Darkhold. Sem América Chavez, esse filme seria mais triste e emo que o próprio Homem-Aranha 3!
O carisma de um filme inteiro nas mãos de uma adolescente, ainda bem que capricharam o casting. (imagem: Divulgação/Disney e Marvel)
Nos quadrinhos, sua origem está vinculada ao Wiccano, filho da Feiticeira Escarlate, o que talvez seja aproveitado no futuro, mas por hora vamos apenas fingir que nunca aconteceu e que ela é somente uma jovem que por puro acaso possui a habilidade de abrir portais dimensionais aleatórios.
Enfim, a Feiticeira Escarlate
Wanda não chega a ser uma deusa apesar do seu absurdo nível de poder, mas aqui foi retratada como uma louca e se assumiu uma feiticeira. Termo que custou dinheiro até demais, foi preciso a Disney comprar a Fox inteira para recuperar o direito ao uso dos nomes Feiticeira Escarlate e Mercúrio (que morreu, mas passa bem em algum outro universo).
Assumir a alcunha de Feiticeira Escarlate serviu lindamente para marcar o novo alinhamento da personagem. Infelizmente não foi exatamente condizente com seu longo arco pelos filmes anteriores do MCU ou mesmo com a minissérie WandaVision, dentro do filme fica lindo, mas a falta de esmero torna contrastante a jornada de Wanda, que merecia mais zelo ao justificarem sua nova postura de vilã.
Heróis podem virar vilões, e vilões podem encontrar redenção ao longo da vida. O problema é só se sua propriedade intelectual estiver nas mãos da Sony, nesse caso você será um vilão tratado como anti-herói sem qualquer lógica. Voltando à Wanda, a própria Feiticeira Escarlate já alternou algumas vezes entre lutar com os mocinhos e ser uma vilã nos quadrinhos, tudo depende do roteiro e dos roteiristas.
É tanto poder que nem os roteiristas souberam exatamente como lídar, impressionante como Wanda conseguiu se controlar por tanto tempo. (imagem: Divulgação/Disney e Marvel)
A atuação de Elizabeth Olsen está boa, porém abaixo da entregue em WandaVision, não chego a culpar a atriz, Sam Raimi admitiu que não viu todas as cenas dela no MCU e creio que isso pese na hora de entender o cerne da personagem e dirigir suas cenas.
Participações especiais falsas e verdadeiras
Minha vida enquanto cinéfilo melhorou quando ativamente parei de ver trailers, contudo existem pessoas que correm na direção oposta indo além dos materiais promocionais e caindo direto no multiverso das loucuras inventadas na internet.
De roteiro vazado a fontes internas secretas, fiquei sabendo que Cavaleiro da Lua seria importante no filme, a equipe dos X-men dos anos 2000 apareceria com todo o elenco original, Deadpool reclamaria de palavrões censurados em uma cena e Tom Cruise faria sua estreia triunfal como novo Homem de Ferro(!)
Foram tantos rumores infundados e inventados que — por puro esgotamento de possibilidades — acabaram acertando em 0,1% dos casos. Eu não preciso dizer quais, afinal ou você já viu ou a internet já estragou isso para você.
Não era exatamente o Mordo que todo mundo esperava ver quando foi assistir ao filme, mas sua participação ficou melhor que muitos easter eggs colocados ao longo dos filmes da Marvel. (imagem: Divulgação/Disney e Marvel)
Saindo dessa parte louca, as cenas e participações especiais ficaram boas, não mudam completamente o rumo da história, mas encaixam-se de forma bem orgânica na narrativa e na proposta do longa metragem, serão minutos que muita gente vai reassistir quando o filme chegar formalmente nas plataformas digitais.
O doutor e suas versões mais estranhas
Para um filme intitulado Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, é preciso admitir que teve até pouco Dr. Stephen Strange em tela. Claro, tem o Benedict interpretando umas 3 ou 4 versões do mesmo personagem, mas em termos de função ele é mais o olhar através dos quais assistimos a história acontecer do que um protagonista cujas ações fazem a narrativa se desenrolar.
É como Leo Kitsune — tradutor e ex-editor de quadrinhos Marvel e DC — disse em seu podcast: esse poderia ser um filme da Wanda, mas preferiram vender como um filme do Dr. Estranho.
A atuação de Cumberbatch segue afiada como sempre, sua habilidade em fingir quase muito bem que está feliz com sua vida e ainda deixar espaço para percebermos as tristezas em suas pausas é muito precisa e específica.
O doutor encontrar outras versões de si mesmo não traz um contraste de atuações, pelo contrário, nosso Stephen sabe o quanto suas outras versões são próximas entre si e até usa essa lógica a seu favor, o que de certa forma acaba lenvando a uma das cenas mais originais dos filmes da Marvel.
Me pergunto se não planejaram a outra metade desse pôster com uma metade diferente do próprio doutor, talvez uma que use um manto azul… (imagem: Divulgação/Disney e Marvel)
Notas de surpresa e de sucesso
O tão aguardado momento no qual Dr. Estranho enfrenta uma versão alternativa de si mesmo, ao meu ver, merece mais destaque até que a batalha final contra a Feiticeira Escarlate.
Apesar de apenas Cumberbatch estar em cena, acredito que os maiores responsáveis pela magia desse momento sejam o diretor, Sam Raimi; o pessoal dos efeitos especiais que nunca ganhou reconhecimento suficiente pelas maravilhas criadas e, claro, o compositor Danny Elfman.
Talvez esse último nome te traga ao de familiar, pode ser um hit oitentista, quem sabe uma animação sobre a cidade do Halloween ou se for pra focar no pessoal que usa capa, do tema do Batman utilizado em filmes antigos, novos e até em sua famosa animação dos anos 90.
Maestro, quantas notas tem entre o dó, ré, mi e o si fu em lá maior? (eu avisei que não entendia de música) (imagem: Divulgação/Disney e Marvel)
Essa cena do embate musical merece ser recordada e revista muitas vezes, pois até eu que não entendo nada de música, achei lindíssima! Juntamente aos traços de terror acrescentados por Sam Raimi, vai ser uma das principais razões pelas quais esse filme ainda será lembrado por muito tempo.
Um desfecho apropriado
Não que tenha sido o final mais emocionante do cinema, da década ou mesmo da Marvel, mas quando os créditos terminaram de subir e a segunda cena pós-créditos acabou, fiquei com a sensação de que deveria realmente ter acabado como acabou.
Falando com umas gotinhas de spoilers, Dr. Estranho é um dos personagens mais fortes nos quadrinhos e no cinema, nem ele ser capaz de aplacar os poderes da Feiticeira Escarlate é bom para fugirmos do padronizado final onde o herói derrota seu oponente que quase sempre possuiu poderes muito similares aos do protagonista.
Ao que tudo indica ninguém conseguiria parar a Wanda, inclusive eu esperei muito pela chegada no Visão nessa hora. Independente da ausência ou presença dele, a solução de mostrar que conseguir o que quer não vai lhe trazer felicidade, apenas gerar traumas em seus filhos de realidades paralelas foi uma excelente ideia da América Chaves.
A tragédia de perder aqueles que amava repetidade e não ter sequer a esperança de reencontrar seus filhos novamente foi um golpe bem pesado, mais pesado que qualquer feitiço que poderia ser conjurado contra a Feiticeira Escarlate.
Não acho que Wanda Maximoff terá um funeral apropriado, mas bem que em sua lápide poderia estar escrito que “morreu de epifania ao perceber que jamais se reencontraria com aqueles que ama.” Seria bem poético, mas como estamos falando de quadrinhos e filmes de quadrinhos, eu não ficaria nem meio surpreso se ela voltasse a aparecer em filmes futuros.
Eu não tive medo de Wanda em Vingadores 2: A Era de Ultron, mas em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura ela foi colocada em umas ótimas cenas de susto. (imagem: Divulgação/Disney e Marvel)
Este artigo foi escrito por Gustavo Borges e publicado originalmente em Prensa.li.