Druk: mais uma rodada ou somos todos adictos
Quando falamos em vícios, pensamos sempre no abuso de drogas lícitas e ilícitas. Vemos como viciado ou adicto aquele que consome excessivamente e apresenta uma relação de dependência com barbitúricos (remédios para dormir), álcool, cigarro, maconha e outras drogas mais pesadas.
Porém, a adicção vai muito além da dependência química em drogas lícitas ou ilícitas. De uma forma ou de outra, em graus diferentes, todos nós nos viciamos em algo: comida, café, refrigerante, limpeza, fofoca, trabalho, sexo, sono, cuidados com a beleza, televisão, religião etc
O filme Réquiem para um sonho, de Darren Aronofsky já havia trabalhado com maestria duas ideias muito importantes:
1. O vício não se restringe às drogas.
2. O vício é consequência, não causa. Cada um à sua maneira tenta preencher o vazio existencial que faz parte do ser humano de algum modo. Somos incompletos e nada no mundo pode alterar esta condição, nem sucesso, dinheiro, amor, filhos, casamento, espiritualidade etc
Druk: mais uma rodada vai além de Réquiem para um sonho. Associamos muito os vícios aos traumas e necessidade de esquecer o sofrimento. Porém, os vícios não servem apenas para tamponar o negativo. Muitas vezes, ele funciona como um mediador entre o que desejamos e o que nos permitimos. O vício pode funcionar como um meio de relaxar um pouco o superego (o nosso mais implacável juiz) em busca de uma existência menos opressora, mais criativa.
Porém, como tudo na vida, qualquer adicção traz consequências. O uso de drogas lícitas e ilícitas pode aprisionar e destruir se ganhar proporções excessivas. O mesmo vale para outros vícios que impedem a autonomia da pessoa e prejudicam tanto a saúde física quanto a emocional.
Druk: mais uma rodada, de Thomas Vinterberg, um dos idealizadores do movimento Dogma 95, realizou um filme musical, colorido e vibrante sobre as terríveis limitações da existência humana, por meio de quatro professores fartos de suas rotinas. A experiência que decidem fazer com o álcool foi um caminho para se reconectarem com o grupo e com eles mesmos.
Os professores poderiam ter escolhido algum outro instrumento para se reconectarem, mas por alguma razão, escolheram o álcool e cada um lidou de uma forma com esta decisão. O filme também apresenta um questionamento interessante em relação à cultura dinamarquesa e a sua relação com o abuso de álcool. Mais uma vez, se estabelece uma conexão entre prosperidade e uso de substâncias, que pode se tornar perigosa.
Independentemente da qualidade das escolhas, o grupo saiu do estado de paralisia, que leva muitas pessoas à análise. Uma cena que merece destaque é a de Martin, professor de História, pedindo aos alunos para optarem entre três candidatos. E sem saberem o nome referente a cada descrição, elegem Hitler.
Muitas vezes, quando optamos por caminhos moralistas, podemos eleger facínoras. A cena final também é um show à parte quando a figura do professor ao se jogar no rio, parece um pássaro alçando voo.
O grande mérito de Druk é apresentar um tema tão polêmico de forma não-moralista. Druk nos desperta acima de tudo para a questão da ética e para a necessidade de nos responsabilizarmos por nossas escolhas.
Este artigo foi escrito por Silvia Marques e publicado originalmente em Prensa.li.