Duna - conheça o maior filme do ano
Existe um planeta, muito longe daqui, explorado no tempo em que a humanidade terá quase esquecido a Terra.
É um mundo deserto, pouco habitável. Nele, imensos monstros patrulham as areias à procura do que devorar. E impregnada em tudo o que existe está uma substância capaz de estender a vida e derrubar impérios.
Em 1965, este lugar foi criado pelo jornalista e escritor Frank Herbert no livro que se tornou a ficção científica mais vendida da história.
É uma saga que envolve transhumanismo, impérios intergaláticos, minhocas, messias, o Timothée Chalamet e muito, muito tempero.
Sejam bem-vindos à Arrakis. Bem-vindos à Duna.
Sci-Fi sem Sci-Fi? É golpe
Frank Herbert, que havia atuado como fotógrafo do exército americano na Segunda Guerra Mundial, trabalhava como jornalista e escrevia seus contos pulp. Numa viagem, pesquisando para fazer uma matéria sobre… Dunas… Ele encontrou inspiração para algo maior e mais complicado.
Dizem até que ele pegou referências de certos usos bem criativos de cogumelos. E um certo evento global de pouca expressão, a Guerra Fria, pode ter dado inspiração aqui e ali também.
Além de política, teremos barba no futuro. (Divulgação - via IMDB)
A primeira coisa a entender sobre Duna é que não se trata de um Sci-Fi tradicional. Um termo que pode ser usado é o do Soft Sci-Fi, uma oposição ao Hard Sci-Fi.
A versão Hard é quando os elementos científicos, a ciência e a verossimilhança com as nossas leis da física são respeitadas. Ou pelo menos, respeitadas o suficiente para que a história possa fluir.
Gente do calibre de Isaac Asimov (de Eu Robô), assim como Arthur C. Clarke (2001 - Uma Odisséia no Espaço, Encontro com Rama) são exemplos dessa linha. Ou o sucesso Perdido em Marte, livro de Andy Weir que virou filme pelas mãos de Ridley Scott.
O Soft Sci-Fi seria uma história que apesar de ter elementos claros do gênero — viagens interplanetárias, vida alienígena —, está pouco interessada em criar uma ciência plausível. Quer saber mais de outro aspecto tradicional da ficção científica: as metáforas com a nossa sociedade. De maneira que Duna, a exemplo de Fundação (também de Isaac Asimov) funciona mais como um Social-Fi.
O interessante da história, além da aventura e dos personagens, não são os conceitos científicos, a warp speed, ou o technobabble, mas os embates sociopolíticos. As traições, os segredos, as manipulações. Nesse sentido, parece muito um Game Of Thrones. Só que sem inverno nenhum à vista.
A história de Duna — Bota mais tempero
Duna começa com o jovem herdeiro, Paul Atreides, se conformando com uma mudança de vida. Seu pai, o Duque Leto, acaba de ganhar uma nova missão do imperador galáctico: assumir a liderança do planeta Arrakis.
Arrakis, apelidado de Duna, é um planeta cujo único clima é “muito quente”. Um deserto, praticamente inabitável, sem nenhuma gota de água detectável.
Acontece que também é o único lugar onde a especiaria pode ser colhida. Melange, o nome oficial deste “tempero” é uma substância que estende a vida de quem a ingere, além de conferir a habilidade de prever o futuro a alguns.
Esse pessoal pode então controlar a navegação de naves interplanetárias. Ela é também altamente viciante, e a longa exposição à especiaria torna os olhos de qualquer em profundo azul.
Sem a commodity, o império não existe. Logo, várias casas “feudais” lutam pelo controle dela. Os donos anteriores, os cruéis e doentios Harkonnen, perderam a vez, e o imperador decidiu colocar o clã Atreides para tomar conta do lugar.
Ah, a fauna local. (Divulgação - via IMDB)
Ao mesmo tempo, nosso protagonista tem que lidar com visões proféticas e apocalípticas. E como se não bastasse, descobre uma conspiração dos Harkonnen para eliminar da face de várias Terras a sua família.
Começa então uma saga de milênios, mais complexa e estranha a cada novo episódio. Porque os “nativos” do planeta, habitantes de Arrakis há séculos e acostumados ao duro clima, encontram em Paul mais do que “um cara legal”. Veem nele um messias prometido.
Beduínos do futuro
Os Fremen, o povo do deserto, tem uma relação simbiótica com o clima, com a especiaria, e com os gigantes vermes da areia. São um povo disciplinado, religioso e bastante distinto dos viajantes espaciais que chegam ali para drenar aquela commodity locomotora.
Não é muito difícil ver a influência que o ciclo do petróleo aqui da Terra e os povos árabes têm sobre Duna. “Aquele que controla a especiaria, controla o Universo”, cita o vilão, Vladimir Harkonnen, e nos faz lembrar de uma ou outra fonte natural de energia, sem a qual nossos impérios não existiriam.
Estes nômades espaciais acabaram de lançar um álbum de Rap irado. (Divulgação - via IMDB)
E Herbert quer falar ainda mais sobre nosso planetinha, usando os confins do universo como ferramenta. Duna é também considerada uma história ecológica. Seu livro serviu de introdução à preocupação com o planeta numa escala maior para muita gente. Os Fremen de Duna sonham com um mundo com água e ar puros para todos, e o drama dessa evolução acompanha muito dos conflitos da saga.
Claro, os livros seguintes também envolvem guerras santas, fusões entre seres humanos e vermes gigantes, 3000 anos de história sociopolítica e guerra. Mas uma coisa de cada vez.
Duna - A bomba!
Imagine um tempo onde o criador de Twin Peaks, David Lynch, chamou gente do calibre de Sting e o Capitão Picard pra adaptar Duna. E de quebra chama a banda Toto para cuidar da trilha sonora. Não poderia ser outra época senão os anos 80. Não poderia ter outro resultado que uma completa tragédia.
Na época, produtores de Hollywood achavam que Star Wars dava em árvore. Então alguém assistiu O Homem Elefante e pensou “Sabe o que esse cara precisa na carreira? Um épico espacial”.
Esqueceram de avisar Lynch que “se interessar por Sci-Fi” poderia ajudar um pouco. Depois de muitas versões de roteiro, o diretor — que sempre foi muito mais um cara “dramas bizarros” — rodou o filme com um orçamento polpudo, lutou contra uma edição de quase quatro horas, e lançou um filme que a crítica chamou de “confuso, nojento e incompreensível”.
Quem aí tem saudade dos anos 80? Nem eu. (Divulgação - via IMDB)
É lembrado como um desastre de visão artística, crítica e bilheteria. Mas não precisava ter sido assim.
Anos antes, o plano era ter o diretor chileno e grande nome do cinema surreal, Alejandro Jodorowsky (El Topo, A Montanha Sagrada) dirigir uma adaptação. Esta versão teria artes conceituais de ninguém menos que H. R. Giger (o criador do xenomorfo de Alien) e Jean Giraud (conhecido por aí como Moebius). Além de trilha sonora pelos famosos — e socialmente ativos — membros do Pink Floyd.
O projeto não andou, e os direitos acabaram nas mãos de Lynch. Mas podemos ter certeza de duas coisas: seria um filme inesquecível, e também não seria um sucesso de bilheteria.
Existe até um documentário fascinante sobre esta produção que nunca saiu do chão, Jodorowsky’s Dune, de 2013. É uma aula de criatividade, sonhos e de como a ficção científica pode ser muito mais. Eu recomendo fortemente que, no mínimo, você veja o trailer do doc.
Chame-me pelo… nome de Paul Atreides
Na falta de mais uma mega saga, à la Senhor dos Anéis, a Legendary Pictures conseguiu chamar o diretor estrela-em-ascenção Dennis Villeneuve para criar uma versão moderna, bem contada e pelo menos bonita do livro que começou tudo.
Villeneuve declarou que filmar Duna sempre foi um sonho dele. O diretor franco-canadense conseguiu até testar o campo da ficção científica com o recente Blade Runner 2049 e o espetacular A Chegada.
E agora em 2021, depois de quase dois anos sem ninguém ter permissão de pisar em uma sala de cinema, a grande obra participa dos esforços para trazer as pessoas (vacinadas) de volta às cadeiras do cinema.
No papel de Paul Artreides temos o jovem Timothée Chalamet (que fez sucesso com o romance Chame-me Pelo Seu Nome), que lidera um elenco espetacular. A Mary Jane Zendaya, o Thanos Josh Brolin, o Aquaman Jason Momoa, o Drax Dave Bautista, e ainda Oscar Isaac, Rebecca Ferguson, Javier Bardem e Stellan Skarsgård.
Muita areia por baixo da ponte
Duna é um livro denso, cheio de personagens, termos estranhos, traições, mortes, areia e minhocas. Mas é também uma história sobre curar um planeta, e como os rumos do mercado não são páreos para o tempo.
É a temporada de grandes épicos. Ainda não sabemos se valerá a pena ir ver o que VIlleneuve fez com Duna, mas com certeza, ir atrás de uma edição do livro é uma jornada muito válida.
Se for, vá pela sombra. Se encontrar alguma.
Imagem de capa - Divulgação - via IMDB