É pra cumprimentar ou dar soquinho?
O isolamento social e o retorno gradual à vida pregressa tem gerado/ressuscitado situações insalubres. Perceba que me recuso a chamar de "normal" uma vida em que, no mesmo dia de "descanso", havia três ou quatro compromissos em locais e com grupos diferentes; discussões domiciliares por motivos irrelevantes e corrida por cartolina no domingo a noite. Isso não era normal, era tortura e confissão involuntária de uma rotina hostil.
Enfim, a nova vida pregressa acrescentou à dinâmica dos relacionamentos ainda mais complexidade: cumprimentar se tornou constrangimento. Parece que estamos todos participando de uma versão muito estranha de joquempô em que não existem vencedores, apenas embaraço. Uma parte de mim morre toda vez que seguro um punho fechado, recebo um abraço claudicante ou ficamos paralisados no aguardo da iniciativa alheia. Parece que chamam isso de cringe.
Engana-se também quem se ilude pensando que antes do COVID éramos bons agentes sociais. Quem nunca ficou sem ação diante do segundo beijinho carioca? Desconcertado com a afetividade dos mais calorosos? Incomodado com as visitas que parecem criar raiz? Os convalescentes pares de meias denunciam que não estamos prontos para a neo etiqueta de tirar os sapatos na casa do outro.
Me parece que todos faríamos bom uso das lendárias (não reais) aulas de ressocialização dos egressos do ITA. Além do colapso sanitário, o COVID trouxe a tona uma certa inadequação social dormente. A medida que fomos saindo de nossas tocas e rotina pandêmica, temos redescoberto os prazeres e agruras do conviver. O ponto é que o "novo normal" (argh!) não trouxe tantas novidades. As pessoas continuam atrasando para os compromissos e a gente se cansa delas depois de pouco tempo.
Um antigo filósofo disse que nunca se criou uma teoria humana tão perfeita capaz de fazer com que todos os homens sábios concordassem. E nem precisava ir tão longe, com tanto verniz de sabedoria. É para falar biscoito ou bolacha? Palmeiras tem mundial? Fulano de tal é bom governante? As vezes parece que o problema não é tanto o tipo aperto de mão ou a hora para chegar. Mas quem decidiu cada uma dessas coisas e faz as coisas serem como são.
Imagem de capa - As regras de convivência ajudam, mas também nos prendem a coisa que nem sempre fazem sentido. Photo by Marcus Wallis on Unsplash
Este artigo foi escrito por Daniel Manzano e publicado originalmente em Prensa.li.