Ecoinovação: temos sim, mas não muito
Os direitos fundamentais evoluíram dos direitos individuais, como a liberdade, passando pelos direitos sociais e chegando aos direitos coletivos. Estes chamados de direitos de terceira geração ou dimensão, incluem o direito ao meio ambiente e ao desenvolvimento. A triangulação dos direitos fundamentais em gerações é atribuída ao jurista tcheco Karel Vasak e foi apresentada no final dos anos 70. Até hoje a classificação é usada, embora a triangulação tenha sido superada e já se fale em direitos de sexta geração.
Colocando o desenvolvimento junto ao meio ambiente, desenvolveu-se o conceito de sustentabilidade, nada mais sendo que o equilíbrio entre a exploração e a disponibilidade de recursos naturais. Perante esses conceitos, é coerente imaginar o desenvolvimento saudável dentro do princípio de conservação dos recursos naturais, na medida em que a manutenção do meio ambiente garante o direito de todos.
A ecoinovação resulta justamente do conceito de desenvolvimento sustentável, voltada à redução dos impactos, utilizando recursos de forma responsável e promovendo a resiliência da natureza frente às pressões ambientais. Estabelece uma cadeia de valores para o uso de fontes alternativas de energia, processos otimizados, entre outras medidas, visando a redução do tempo de fabricação, modelos alternativos de distribuição e soluções inovadoras de consumo.
É tempo de colocar foco em alternativas para amenizar a crise socioambiental causada pela industrialização e consumo desenfreados, gerando toda a sorte de resíduos nos três estados da matéria. E a tecnologia propicia o desenvolvimento cada vez maior de soluções para atender as demandas da sociedade em termos de produtos e preservação ambiental.
Incentivos Fiscais não impedem queda de investimentos
De acordo com Neely e Hill (1998), a inovação influencia o crescimento econômico e está relacionada com a capacidade competitiva de indivíduos, empresas, regiões ou países.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) define ecoinovação como produção, assimilação ou exploração de um produto, processo produtivo, serviço ou gestão ou método de negócios que é novo para a organização e resulta na redução de risco ambiental, poluição e outros impactos negativos do uso de recursos ao longo do ciclo de vida do produto.
Desde o Proálcool, que propiciou uma ecoinovação histórica indicando o futuro nos biocombustíveis, as pesquisas no setor nunca pararam. A crise de abastecimento do etanol no fim dos anos 80 derrubou o Proálcool e o etanol compete com a gasolina na preferência do consumidor dependendo dos preços, influenciados pela safra e pelo preço do açúcar no mercado internacional, o que direciona a produção das lavouras à exportação da commodity.
Há pelo menos 20 anos, temos a tecnologia do plástico biodegradável desenvolvido por uma usina em Serrana (SP). Os altos custos de produção, falta de incentivos e pressão do mercado impediram o sucesso de iniciativas como essa.
A Constituição Federal estabeleceu em seus artigos 218 e 219 que o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação tecnológica e a inovação. Isso somente veio a ocorrer com a lei 11.196/2005, permitindo às empresas deduzir despesas operacionais com pesquisa do lucro líquido do exercício e também acesso a 50% de redução no IPI sobre bens de uso e seus acessórios destinados à pesquisa e desenvolvimento tecnológico.
Conhecida como “Lei do Bem”, proporciona ainda desconto de 34% no IRPJ e CSLL. Microempresas e Empresas de Pequeno Porte podem ser beneficiadas se contratadas para pesquisa tecnológica, desenvolvimento e inovação. A receita obtida por meio desses contratos não é tributada se forem revertidas integralmente em P&DI.
Não parece o suficiente. O Brasil perdeu 10 posições entre 2011 e 2020 no Índice Global de Inovação, ficando na 57ª posição entre 132 países. O ranking é elaborado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO) em parceria com a Confederação Nacional da Indústria e outras entidades internacionais. A própria CNI considerou o resultado incompatível com o porte do país e cita que o crescimento sustentável e a superação da crise agravada pela Covid-19 depende da inovação.
O Brasil ficou atrás inclusive da Costa Rica. Talvez a própria crise iniciada em 2013 explique a queda nos investimentos e a perda de relevância do país no cenário mundial da inovação. Romper o círculo vicioso é fundamental e se o mercado não dá a resposta, esta caberia ao governo por meio de políticas públicas. Não há evidências de que isso venha sendo pensado no momento.
Benchmarking
A última edição (2021) do prêmio Valor Inovação Brasil premiou empresas por iniciativas em processos, produtos e sustentabilidade. Iniciativa do grupo Valor Econômico e Strategy& que elabora anualmente um ranking com 150 empresas.
O top 20 é formado por gigantes em seu setor, entretanto a única representante no quesito é a Boticário, em 20º lugar, com o que é considerado o maior programa de logística reversa do país, além de outras iniciativas. Entre as médias empresas premiadas, está a Nanovetores com sua tecnologia de nano encapsulamento biodegradável com aplicação nas indústrias cosméticas, farmacêuticas e nutricionais. Representando as pequenas empresas, a Oficina do Sorvete oferece produtos baseados em frutas nativas, estimulando seu cultivo para evitar a extinção das espécies.
Todas as empresas citadas são da região Sul, que continua como polo de inovação ao lado da região Sudeste. É um mapa de concentração da ecoinovação nas regiões mais desenvolvidas, o que não é exatamente uma surpresa.
Os recursos naturais são um dos nossos principais ativos econômicos ao lado de parques tecnológicos e industriais de primeira linha. Portanto, as iniciativas para preservar esse patrimônio convergem com o nosso maior interesse: desenvolvimento sustentável. Dentro do cenário, é alvissareiro saber do potencial do mercado produtor e consumidor de produtos e serviços inovadores que preservam o meio ambiente.
Por outro lado, convivemos ainda com velhas práticas disseminadas e predatórias, que avançaram na matriz econômica como demostra o ranking do IGI. A inovação é realmente a chave para virar o jogo e a ecoinovação para isto e também a sustentabilidade. O reconhecimento público das empresas inovadoras precisa acompanhar a disseminação de tecnologias não poluentes e de mudança de hábitos de consumo.
Essa é uma pauta para se perenizar na agenda de governos, lideranças empresariais e corporativas e população em geral. Se não houve avanço na escala necessária, o fato é que não foi abandonada. Não é pouca coisa. Esperemos os próximos anos.
Este artigo foi escrito por Renato Assef e publicado originalmente em Prensa.li.