Editorial Prensa - MP e Responsabilidade
A Prensa fez aniversário um tempinho atrás.
Nossa organização está há mais de um ano dando passos cada vez mais largos na direção de transformar a Internet num lugar melhor, mais aberto, diverso, inteligente, interessante e humano.
Faz isso no meio de turbilhões muito específicos, cinematográficos e catastróficos. Pandemia, crise institucional, entre outras mudanças drásticas. Nos esforçamos ao máximo para trazer um conteúdo atual, que gere um diálogo construtivo, que faça o leitor investir seu tempo em algo transformador e duradouro. Mas, até agora, o apocalipse tinha chegado na Prensa só por conta dos assuntos de nossos artigos e dos artigos de nossos Creators.
Claro, membros do nosso time foram acometidos com COVID-19. Algo que poderia ter sido evitado (e eles estão todos bem, graças a Deus e às vacinas). Mas nosso ambiente, nosso mundo virtual nunca tinha sido diretamente afetado pelos ventos estranhos que sopram já há alguns anos nas nossas terras.
Daí, um pouquinho antes da celebração de 199 anos do grito de “vamos tentar de outro jeito agora”, o Presidente da República Jair Bolsonaro soltou uma Medida Provisória que impacta o ambiente da internet como um todo.
Você pode ler tudo sobre o caso neste artigo feito pela Luana Brigo. O resumo desta ópera é que plataformas on-line de comunicação e redes sociais estariam proibidas de, com seu próprio entendimento e exercendo sua discrição — sacramentadas por Termos de Uso apropriadamente aceitos (mas raramente lidos) — de remover conteúdo que considerassem problemáticos, negativos e perigosos.
A MP deixa claro que existe espaço para “justa causa”, como inadimplência, violação de patentes e alguns crimes. Habilmente, evita falar da dor de cabeça da década, fake news (ou Fatos Alternativos, como certos governos preferiram chamar). Para derrubar qualquer coisa que não seja “justa causa”, há uma série de protocolos meio vagos para seguir.
Os veículos afetados têm 30 dias para cumprir as novas normas, e em 60 dias, a MP pode ser renovada.
Não existe, no conjunto de pessoas lógicas, alguém que acredite que esta MP vá sobreviver por muito tempo. Seja tanto pelo claro teor inconstitucional de tentar proteger desinformação chamando de “liberdade de expressão”, quanto pelos eventos que seguiram.
Ainda assim, a Prensa tem a missão de estar presente no diálogo, no mínimo com seus próprios leitores.
Temos, de fato, que ficar atentos ao cerceamento da liberdade de expressão por parte de governos e de agentes privados. Ideias das quais não gostamos muitas vezes nos fazem crescer, e calar é sempre uma atitude arriscada quando existimos em — e lutamos por — um estado democrático.
Porém, a liberdade de expressão é um direito que vem junto com deveres. Deveres como “apelar para a verdade”. Fazer uso do discurso em prol da construtividade, da crítica legítima, da segurança de todos.
Você, aqui na Prensa, e em tantos outros lugares da internet, tem plataformas. Não só no sentido de “ambientes eletrônicos”, mas no sentido de “lugares de elevação, de onde sua voz alcança mais”.
Você precisa usar o poder que tem com a liberdade de expressão junto com a responsabilidade que vem com este poder, que é o de preservar o real. No mínimo, em nome da segurança de quem vai te ouvir.
Limitar as ferramentas que os agentes on-line têm para manter ordem no mundo da internet é irresponsável e preocupante.
E vai contra exatamente uma das principais missões, pelo menos, da Prensa. De transformar a internet num lugar melhor.
Ouçam as palavras de Benjamin Parker. Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades.
Não fujam das suas, e não fujamos das nossas.
Imagem de capa - Kane Reinholdsten - @kanereinholdsten - via Unsplash