El silencio de las palabras que matan
Cena do documentário Palabras que matan. Imagem disponível em: https://www.retinalatina.org/video/palabras-que-matan/. Acesso em: 27 abr. 2022.
Sábado, 23 de abril de 2022. Assistindo Palabras que matan, em minha própria companhia. Não que eu tenha matado um amor com palavras e, se o tivesse feito, ninguém poderia dizer o que viu, até porque ninguém teria visto nada. Eu saberia como fazer.
Vejo a cena em câmera lenta. Uma briga de casal. A marca no braço, o punho pressionado e o início do fim. Vestida de noiva e angústia, Lucia reage às agressões de Carlos. Em estado de ira, joga nele o buquê. O grito, inaudível ao observador, fala mais alto que as palavras neste trecho do curta-metragem ficcional.
O observador presencia a cena onde Carlos pega Lucia pelo pescoço e, num ato de defesa, ela joga em Carlos o sapato, começando a desfigurar a imagem tradicional da noiva tal como esperada por todos na grande cerimônia. Ela corre; ele, atrás. O observador é contemplado com a luz do sol entre as árvores, como um intervalo que separa vítima e agressor.
A caça retorna às mãos do caçador e a reação a mim destinada é continuar assistindo para ver quando ela se salvará, pois estou impedida de amarrar as mãos do agressor que tenta calar o grito da vítima. Pés flutuam e nada posso fazer. A impressão é a de que não haverá saída para Lucia. Tudo parece perdido.
O noivo arrasta o corpo indefeso, cuja suavidade se esconde no delicado vestido nude enquanto folhas e pedras completam a paisagem nua. É complexa a posição do observador diante de situações do tipo. Sinto como se o caçador tivesse me amarrado. O braço da noiva anuncia a queda fatal, mas eis que ela reage. Eu, idem.
No melhor curta-metragem do ano de 2016, a caçada continua, no tempo especial da câmera lenta. Como é diferente a dimensão de uma imagem em câmera lenta. O toque, o olhar, o fato. O que parece insignificante se torna grandioso em relação ao efeito de sentido criado pelo tempo particular da cena menos apressada.
Somente o observador testemunha um novo grito de alerta. No grito estão contidas as palavras e a força delas é capaz de eliminar o homem que Lucia amava. A cena que vem depois é a visão do céu, como se pudéssemos nos colocar no ponto de vista do noivo, agora incapaz de agredi-la.
A imagem focada em Carlos deixa a cena mais interessante. O caçador está eliminado. Os papéis se invertem e ela arrasta o corpo de Carlos. É a última cena do filme. Não há golpes desferidos contra o noivo, não há marcas, apenas palavras, em um sem diálogos com um sofisticado teor de violência, na medida do possível.
Kelly Ledesma, criadora do curta-metragem boliviano Palabras que matan.
Filmografia: PALABRAS QUE MATAN. Direção: Kelly Ledesma. Produção: Adan Sanabria. Retina Latina. Bolívia. 2015. 12 min. Disponível em: https://www.retinalatina.org/video/palabras-que-matan/. Acesso em: 23 abr. 2022.
Este artigo foi escrito por Rosa Acassia Luizari e publicado originalmente em Prensa.li.