Eleições de 2018 e Feminismo - um horizonte azul
As narrativas sobre a profícua conversa entre os séculos XIX e XXI, no que se refere ao ideário social em relação ao gênero e consequentemente as suas formas de violência no cotidiano contemporâneo é uma das prerrogativas desse artigo.
A invenção da ideologia de gênero , que teve origem no segmento conservador dentro do catolicismo, encontra na política atual (liderada pela bancada Bíblica) espaço para o seu discurso de que há um comportamento correto, um comportamento natural para os sexos, a heteronormatividade. Essa bancada que continua fabricando o discurso da família cristã é um movimento de resistência frente as transformações culturais, que se apropria da misoginia como artefato para as suas pulsões, para os seus medos, para as suas verdades.
Esses preconceitos arraigados, estruturalmente construídos pela história cultural brasileira, continuam a reverberar suas vozes em pleno século XXI, sem nenhum pudor ou vergonha, como no cenário pré-eleitoral de 2018. Esse fato é referência no que tange a proliferação do autoritarismo, como solução para os problemas do Brasil, e por outro lado, o contraponto de vários grupos a esse discurso, como o movimento “Ele não”, e o grupo facebook “Mulheres contra Bolsonaro ”, pra citar alguns.
A resistência à mentalidade sexista se intensificou durante a campanha eleitoral, as mobilizações em setembro de 2018 ganhavam as ruas de mais de cem cidades brasileiras, concomitantemente, e em mais de 60 países. Todos esses movimentos utilizando a hashtag #elenão como símbolo da resistência a Bolsonaro .
Parecia que tudo estava seguindo o objetivo dos movimentos envolvidos pela hashtag #elenão, tanto que a pesquisa do Datafolha de setembro de 2018 apontava esse candidato com o maior número de rejeição, 43%, e entre as mulheres, a rejeição era de 49%. Mas...Eis que em 28 de outubro Jair Bolsonaro foi eleito no segundo turno com 55,13% dos votos....
A mentalidade conservadora, racista, sexista e misógina compõe o quadro estrutural dos seus apoiadores/políticos eleitos em todo o Brasil. Os exemplos da negação do século XXI e da democracia são inúmeros e para abordar um deles, seleciono o caso do deputado estadual de Santa Catarina, Jesse Lopes (PSL).
Nesse sentido, retomo a descontextualizada fala do deputado estadual Jesse Lopes (PSL- SC), que em pleno século XXI se ampara ao arranjo social do século XIX em relação ao comportamento de gênero, legitimado pelo discurso autoritário oficial da presidência da república.
O cenário é Florianópolis em janeiro de 2020 e o calor das discussões sobre feminino, corpo e gênero se intensificam. É preciso ter os partidos políticos para ratificar o espaço das divergências, dos conflitos, sem dúvida é um lugar legítimo para que ideias possam ser (re)colocadas e consequentemente debatidas. Até aqui tudo bem, tudo em paz com a democracia.
A questão que gostaria de expressar é a detração, ou seja, ação de depreciar, tirar mérito, ação essa que o deputado Estadual de Santa Catarina Jesse Lopes (PSL), está praticando no século XXI, exercitando a sua necessidade de maldizer as mulheres.
Diz o referido deputado em uma de suas redes sociais, ao criticar o ato do coletivo feminista Não é não, que pela primeira vez atua em Florianópolis: “O assedio massageia o ego” e continua falando que ser assediada é um “direito"" da mulher, e que ações de combate são “inveja de mulheres frustradas por não serem assediadas em frente a uma construção civil” .
Se ele estivesse em 1919, isso já seria um problema, e lhes digo o motivo. A Revista Ilustrada , publicou um provocativo e inverossímil Os Deveres da Esposa, assinado por um tal de seu Rosny. Diz o seu Rosny:
Il.mo. Sr. Diretor da Revista Ilustrada: Venho pelo presente solicitar-vos a transcrição do trecho abaixo: DEVERES DA ESPOSA
I Na Índia- A mulher indiana não deve reconhecer na terra outro deus, senão o seu esposo.
II- Se o marido ri, ela também é obrigada a rir; chora-se, a chorar.
III- Se o marido se acha ausente, a indiana não se alimenta até seu regresso.
IV- Se o esposo a descompõe, ela tem de lhe agradecer isso; se lhe bate, beija-lhe a mão, porque é a única culpada da zanga do marido.
V- Não pode ser infiel ao marido: Se o for, este tem o direito de matá-la da maneira que quiser.
Se os deveres das nossas fossem idênticos aos das mulheres indianas, por certo nós homens seríamos menos infelizes e as nossas esposas menos egoístas... assinado: Rosny
Eis que a direção da Revista escreveu:
Nota de redação: Antecipadamente lhe aconselhamos que ponha as costelas no seguro. Tenha cuidado seu Rosny - com as mulheres....
A ironia que se faz posfácio dos Deveres da Esposa, na Nota da Redação, tem como objetivo demonstrar que intelectuais da época, dentre eles a mulher Delminda Silveira que compunha a redação da Revista, ao mesmo tempo em que permitiam a publicação da carta provocativa e preconceituosa do Sr. Rosny, estavam conscientes das mudanças de mentalidade da cidade Florianópolis. Isso resultaria na atitude daquelas que já estavam repensando, muito mais do que seus deveres, em seus direitos.
Hoje, cem anos depois, ainda temos Rosnys, Jesses, Bolsonaros, a falar coisas pejorativas, agora não mais em Revistas, mas em redes sociais e a ocupar cargos políticos no Parlamento e no Executivo, contudo, somos mulheres e homens do século XXI a nos comportar com os câmbios culturais, com as mudanças estruturais na história da mentalidade desse País, desse Estado e desse Município. Por fim vale ressaltar que muitas mulheres se lançam na política partidária, na produção intelectual, no incentivo de associações e coletivos, na liderança de novos cenários de ruptura, no processo de transformação social.
E para essas mulheres gostaria de expressar gratidão e admiração, como sabemos são tantas e muitas, que não caberiam nessa conversa, digo apenas que suas vozes são colheita. Nota de redação: Antes que eu me esqueça: Deputado Jesse, Presidente da República Jair Bolsonaro, dentre tantos outros, ponham as suas costelas no seguro e sejam bem vindos aos anos 20 do século XXI.
Imagem de capa - Fabiana Kretzer
Este artigo foi escrito por Fabiana Kretzer e publicado originalmente em Prensa.li.