Elvis Presley e a Cultura de Inovação
Com definições diversas, mas bastante convergentes, entre especialistas e estudiosos, “Inovação”, de forma mais resumida, pode ser desde uma mudança de mindset até ações tangíveis, operações, serviços e produtos que agreguem valor, utilidade e benefícios de maneira que não eram possíveis ou imagináveis antes.
Por mais amplo que o termo “inovação” possa ser, as principais formas bem estruturadas e aceitas desse conceito precisam se basear em certos pilares e definições para uma cultura assertiva e benéfica de mudanças inovadoras no mercado e na sociedade.
Que relação pode ter um cantor nascido na década de 30 com os pilares da inovação na sociedade e nas empresas?
Elvis Aaron Presley foi um cantor, ator e entertainer norte-americano nascido em 8 de janeiro de 1935. O músico já sonhou em ser um super-herói, um agente secreto e um astro de filmes de drama, mas no começo de sua vida, talvez nunca tenha sonhado em ser o precursor de tantas transformações na sociedade, na moda, na cultura, na música – claro – e na tecnologia.
Criado inicialmente na cidade de Tupelo, no estado sulista do Mississipi, interior dos Estados Unidos, Elvis e sua família enfrentaram diversas dificuldades a níveis sociais, econômicos e naturais naquela região pobre que havia sido devastada por um ciclo de 12 tornados que assolaram a comunidade entre os dias 5 e 6 de abril de 1936 – caracterizando o evento chamado de surto de tornados de Tupelo-Gainesville.
Abertura
Como um pilar para qualquer processo inovador, a abertura para ideias novas e informações diversas, sem julgamentos prévios ou intolerantes é fundamental para entender o que há no mundo e o que precisaria ser foco de melhorias para os envolvidos.
Sobrevivendo com a família após esse desastre natural, Elvis se viu em um contexto social distinto. Em uma região sulista, onde havia cada vez mais críticas e conflitos, dada a segregação racial entre negros e brancos, Elvis – um jovem branco – não cresceu com a educação preconceituosa que muitos tinham nas adjacências.
A família Presley, com suas dificuldades financeiras históricas e naquele momento, foi acolhida imediatamente e integrava uma comunidade harmoniosa entre seus diversos membros, negros e brancos, sem todo o racismo que circundava as outras pessoas dos arredores. Elvis, desde criança, cresceu com o envolvimento natural em seu dia a dia com as pessoas e elementos da cultura negra naquela região americana.
As pessoas e as situações envoltas no cotidiano daquela comunidade eram tão naturais para Elvis quanto para qualquer um criado em qualquer outra comunidade, construindo seu gosto musical, diversos trejeitos e seu caráter. A mistura de pessoas diversas, tão malvista por membros de fora da comunidade, era o seu mundo normal, e o mundo que ele viria a desmistificar para os outros logo depois.
Criatividade
Com apenas 19 de idade, Elvis foi chamado para o estúdio de gravação Sun Records para cantar uma canção sem imitar nenhum artista tradicional consagrado da época, como era o usual para muitos aspirantes à cantores. Nesse intuito, após tentativas frustradas e erros cansativos, em uma descontraída criação, surgia o que hoje é considerado o grande nascimento do Rock n’ Roll.
Cantando e dançando em um ritmo original, envolvente e surpreendente a letra da música "That's All Right" composta por um de seus ídolos, o músico Arthur Crudup, Elvis conseguiu inovar com as combinações de estilos do blues, do swing e do violão, criando uma versão inteiramente nova e desejável da canção.
Diferente do que alguns pensam sobre criatividade, nem sempre ela tem a ver com criar algo literalmente novo e do zero, mas sim com prover frutos advindos de pequenas substituições, combinações, adições e novos usos não imaginados antes para elementos já existentes no mundo. Foi basicamente o que Elvis fez com a letra, o ritmo, os instrumentos usados e o groove da canção que chamou a atenção do público para seu estilo inovador.
Liberdade
Experimentando quebrar velhas regras e paradigmas de forma despojada e livre das opiniões da sociedade, o rapaz rompia o status quo com muitas atitudes e influências arriscadas diante da maioria, enfrentando riscos e perdas a fim de promover a inovação desejada para o progresso do ramo musical e, claro, de sua própria carreira, como a de muitos outros.
Como um rapaz pobre – não humilde, mas verdadeiramente pobre da região naquela época – Elvis chamou a atenção para si, e mais do que isso, para os vários artistas negros responsáveis por parte das ótimas composições que ele passava a divulgar aos grupos sociais tradicionalmente brancos a fim de fazê-los conhecer e apreciar a música e seus artistas.
Por puro preconceito das classes dominantes, as canções e os artistas que Elvis buscava promover, quando não eram completamente desconhecidos, eram discriminados e até vaiados, assim como Elvis foi por se envolver com as pessoas que eram tão marginalizadas pela sociedade elitista e segregadora.
Responsabilidade
O cantor não fracassou. Graças a suas diversas microevoluções e inovações com seu estilo, a audiência logo aumentou internacionalmente. Contudo, engana-se quem pensa que Elvis Presley se tornou da noite para o dia o ídolo com dinheiro e fama que é reconhecido hoje, sem assumir responsabilidades e despender de esforços.
Mais do que usar a criatividade livremente por aí, enfrentando todos os riscos sem qualquer gerenciamento ou plano, a inovação requer trabalho duro, senso de compromisso, organização e priorização.
Antes mesmos das turnês e shows que tinham que virar a madrugada, dia após dia, contratos e viagens exaustivas pelo país inteiro para cantar, gravar músicas, ler roteiros e atuar em filmes, Elvis e sua pequena banda, no começo simples da carreira, já tinham de dirigir por conta própria, cidade após cidade, estado após estado com um carro velho, apertado e repleto de instrumentos.
Performando em dezenas de apresentações agendadas consecutivamente para obter e manter um interesse crescente da população tão ampla e diversa dos EUA, e para alcançar o sucesso e o dinheiro suficiente para sustentar essa empreitada, Elvis e os integrantes de sua banda inicial, The Blue Moon Boys, trabalhavam arduamente, de forma planejada e com responsabilidade para atingir esses objetivos.
Recompensa
Embora muitos experimentem benefícios durante a construção e execução de processos e projetos inovadores, o diferencial entre “inovação” e uma simples “mudança” é o grande resultado positivo gerado ao final. Inovação só é inovação se gera uma recompensa para o público-alvo e para as pessoas, equipes, mercados e sociedades envolvidas.
Pela envolvente canção “Heartbreak Hotel”, Elvis Presley superou pela primeira vez na história norte-americana a marca de mais de 1 milhão de cópias de discos vendidas.
Em 1968 surgia o “68 Comeback Special”, o primeiro show acústico gravado em vídeo e transmitido pela TV. O evento que logo inspiraria todo um mercado e seus novos players foi um show para televisão projetado especificamente para reintroduzir as apresentações ao vivo de Elvis, que estava distante dos palcos há um bom tempo devido ao serviço militar.
As apresentações incluíram um storytelling que mesclava sua própria história na música, no cinema e cenas ensaiadas para a TV com um pequeno palco dentro de um estúdio rodeado por um enorme público ao vivo.
Elvis nunca se formou em engenharia ou nenhuma área correlata da tecnologia. Na verdade, até teve dificuldades para se formar no colégio, e na juventude dirigia por aí em um caminhão prestando serviços para a companhia elétrica. Contudo, isso não o impediu de ser o foco para uma inovação tecnológica, de comunicação e de arte que revolucionaria o mundo.
Em 1973, a primeira transmissão via satélite de um show de música, o Aloha From Hawaii enviava para mais de 40 países o show projetado exclusivamente para levar o Rei do Rock ao mundo todo, adquirindo uma audiência entre 1 e 1,5 bilhão de pessoas – uma transmissão mais vista que a chegada do homem à Lua.
Quebrando recorde atrás de recorde em canções premiadas, filmes estrelados e shows realizados, Elvis Presley com seu estilo inovador enfrentou, criou e influenciou diversas gerações no ramo da música com suas canções.
No ramo da moda, provocou concepções artísticas e funcionais em diferentes gerações com seus trajes, figurinos e senso de estilo rock e pop. No ramo da dança, quebrou paradigmas com seu jeito radical de envolver, seduzir, agitar e “requebrar” para a multidão – mesclando dança com golpes de karatê em muitas vezes – e no ramo da sociedade, alavancou uma rede de novos artistas e seus fãs com seu jeito acolhedor e sem preconceitos, abrindo portas e levando dezenas de cantores e estrelas de cinema de diferentes gêneros, raças e classes sociais ao topo junto com ele.
Até hoje, mais de 40 anos após a sua morte, a companhia que administra sua marca e seu legado, Elvis Presley Enterprises, assim como ele fazia em vida, contribuiu com investimentos para hospitais e centros de pesquisas contra doenças, e para instituições voltadas para cuidados com os animais.
NFTs, um projeto de blockchain chamado Elvis-On-Chain e serviço tecnológicos de streaming com obras sobre o cantor tomam conta da mídia atual e da demanda de novos profissionais para movimentar o mercado nesses projetos.
O cantor e ator norte-americano pode não ter sonhado em estudar ou praticar nenhum processo formal de inovação usado nas empresas e até em órgãos públicos, mas com seus pilares intrínsecos idênticos aos pilares inovadores conhecidos atualmente, Elvis Presley provocou disrupções que integraram a modelagem da cultura e da sociedade no mundo que temos hoje.
Como em centenas de empresas de sucesso, esses pilares de processos e de uma cultura de inovação podem ser a base para grandes e benéficas transformações no mercado. Se um cantor nascido na década de 30 conseguiu praticá-los, o que impede as empresas com os recursos globais de tecnologia e comunicação atual de ter êxito?
Este artigo foi escrito por Gabriel Tessarini e publicado originalmente em Prensa.li.