Em Defesa da Memória da Resistência Indígena no Brasil
No mês da Consciência Negra é tradicional reverenciarmos as mais diversas formas de resistência dos negros escravizados e seus descendentes. É muito comum as celebrações em torno da maior forma de resistência negra no Brasil Colônia, o Quilombo dos Palmares, inclusive seu grande líder, Zumbi, é o grande homenageado no Dia da Consciência Negra.
No entanto, além de não termos um "Mês da Consciência Indígena", quando comemorado o Dia do Índio ou o negligenciado Dia da Consciência Indígena, sua celebração é muito romantizada e é pouco - ou muitas vezes, nunca - explorado as formas de resistência indígena ao colonialismo e escravidão.
O indígena muitas vezes é retratado como o “bom selvagem”, ou visto de forma preconceituosa e/ou racista como “indolente”, “vagabundo”, “alegre”, “pacífico”, “pouco afeito ao trabalho” etc. A mídia, as instituições de Estado e o cidadão médio focam mais em questões emergenciais acerca da situação contemporânea do povo indígena, vitimado sobretudo pelo desrespeito à demarcação de terras indígenas perpetrado por grandes latifundiários.
Mediante esta situação, é de suma importância resgatarmos a luta dos povos originários desde os tempos coloniais, a fim de combatermos essa visão romântica e paternalista sobre os autóctones brasileiros.
Talvez, a mais perfeita tradução de resistência indígena ao colonialismo e escravidão seja a Santidade de Jaguaripe. Localizada no Recôncavo Baiano do século XVI, a santidade era um reduto de indígenas resistentes à escravidão, que também incorporava negros, mamelucos, cafuzos e mesmo brancos. Na santidade se criou um sincretismo religioso que fundiu elementos ritualísticos tupinambás e católicos. Sua grande cerimônia religiosa era conhecida como caraimonhaga, nela havia um profeta que incorporava uma entidade que se comunicava com seus fiéis.
A Santidade de Jaguaripe também tinha um caráter de resistência armada. Seus guerreiros praticavam incursões militares contra engenhos, saqueando-os, incendiando-os, executando senhores e resgatando indígenas e negros escravizados.
Indubitavelmente, um movimento como esse não poderia ficar imune aos ataques das forças de repressão coloniais. Após décadas de resistência, a Santidade de Jaguaripe conheceu seu fim por volta de 1620. Para vocês terem uma ideia, as aldeias da Santidade reuniam cerca de 20 mil pessoas, ou seja, tinha quase a grandiosidade de um Quilombo dos Palmares, no entanto, a Santidade é muito pouco conhecida e estudada.
Embora tenhamos, por incrível que pareça, muitos documentos e produção acadêmica sobre essa belíssima passagem histórica dos nossos povos originários.
Ademais, com este texto, tenho a pretensão de estimular um maior engajamento e estudo acerca da história, cultura e memória indígenas. E contribuir para que um dia, quem sabe, a Santidade de Jaguaripe seja tão reverenciada quanto o Quilombo dos Palmares em um “Mês da Consciência Indígena”.
Referências bibliográficas:
SILVA, Isabelle Braz Peixoto da. A santidade de Jaguaripe: catolicismo popular ou religião indígena?. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v.26, n.1/2, 1995, p.65-70. Disponível em: http://repositorio.ufc.br/handle/riufc/10398. Acesso em: 18 de novembro de 2021.
CARDOSO, Jamille Oliveira Santos Bastos. Ecos da liberdade: a santidade Jaguaripe entre os alcances e limites da colonização cristã (1580-1595). Dissertação de Mestrado, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2015. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/18784. Acesso em: 18 de novembro de 2021.
Este artigo foi escrito por Célio Roberto e publicado originalmente em Prensa.li.