ESG e Responsabilidade Social Corporativa em um mundo que clama por políticas sustentáveis
O modo de produção capitalista e a recorrente delegação de responsabilidades pelo poder público à iniciativa privada traz às vistas um cenário de elevação das complexidades negociais, aumento da competitividade e avanço das novas tecnologias. Assim, cada vez mais, as empresas se veem em uma situação de investir em procedimentos diferenciados de gestão com o objetivo de torná-las cada vez mais competitivas.
Em contrapartida verificamos também que vivemos em um mundo cada vez mais desigual, que nos obriga a raciocinar sobre os meios de produção até então empregados e uma possível modificação que traga desenvolvimento econômico, social e ambiental.
Em 1945, a Organização das Nações Unidas cita pela primeira vez em sua Carta, no capítulo IX denominado Cooperação Internacional Econômica e Social o termo Direito ao Desenvolvimento. Assim dispõe o seu artigo 55:
Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão:
a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social;
b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e
c) o respeito universal e efetivo raça, sexo, língua ou religião.
Assim, não restaram dúvidas que o desenvolvimento só é possível se indissociável o conceito de evolução econômica e social concomitantemente.
Assim, a ONU determinou a década de 1960 como a “Primeira Década das Nações Unidas para o Desenvolvimento” que promovia a ideia de que a cooperação internacional através da transferência de tecnologia, fundos monetários e experiência proporcionaria um crescimento econômico que resolveria os problemas dos países com menor desenvolvimento relativo.
Concomitantemente as questões ambientais ganharam destaque no âmbito global e a preocupação universal do uso saudável e sustentável do planeta ganhou espaço. Assim, em 1972 a ONU convocou a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano em Estocolmo, capital da Suécia.
Em 1987 a ONU utiliza pela primeira vez o termo Desenvolvimento Sustentável no Relatório Brundtland elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Assim, o desenvolvimento sustentável pode ser definido da seguinte forma:
O desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades, significa possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório de desenvolvimento social e econômico e de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da terra e preservando as espécies e os habitats naturais.
Desta forma o Desenvolvimento Sustentável pode ser conceitualmente dividido em sustentabilidade econômica, sustentabilidade sociopolítica e sustentabilidade ambiental.
O conceito de Desenvolvimento Sustentável abrange e pode ser aplicado às mais diversas áreas, dentre elas podemos citar o campo corporativo. Para promoverem o Desenvolvimento Sustentável as empresas se utilizam, dentre outras alternativas, da Responsabilidade Social Corporativa ou Empresarial.
A Responsabilidade Social Empresarial tem conceito relativamente novo, visto que possui personalidade complexa e dinâmica de acordo com o contexto que é aplicada. Porém a essência é basicamente a mesma, parte do princípio da necessidade de as empresas adotarem uma postura mais responsável por suas ações, levada pelas exigências do mercado, a Responsabilidade Social Corporativa tem a ética e transparência na gestão do negócio como princípios basilares.
É de atribuição do empreendedor a implantação da Responsabilidade Social Empresarial tendo em vista os critérios que o empresário se utiliza para a tomada de decisões, os valores que norteiam suas prioridades e o relacionamento que o empresário possui com os públicos com os quais interagem são extremamente necessários para a adoção de uma política de implementação de Responsabilidade Social Corporativa.
A Responsabilidade Social Empresarial deve se preocupar com o próximo de uma forma ética e não só filantrópica. Agir eticamente é um dos princípios basilares da Responsabilidade Social Corporativa, pois sem uma gestão ética não é possível ser socialmente responsável.
Conceito de responsabilidade social corporativa
As mudanças globais ocorridas no século XXI fizeram com que os indivíduos começassem a raciocinar sobre o seu papel na sociedade e a implicação do mesmo diante do todo. Isso não foi diferente no âmbito das empresas. As organizações começaram a perceber que não tinham somente um papel econômico na sociedade, mas também outras responsabilidades que deveriam atender às novas exigências.
Uma das primeiras conceituações sobre a Responsabilidade Social Empresarial foi do economista americano Howard Bowen em sua obra Social Responsibilities of the Businessman:
The doctrine of social responsibility rests upon the idea that business should be conducted with concern for the effects of business operations upon the attainment of valued social goals.
Em suma o autor baseava-se na ideia de que as empresas devem ter a compreensão do impacto social que produzem e que os desenvolvimentos éticos e sociais devem estar incorporados à gestão do negócio.
Um significado mais amplo de Responsabilidade Social Empresarial surge a partir de 1979 através do conceito estabelecido pelo administrador Archie B. Carroll que propõe uma variedade de responsabilidades que as empresas têm perante a sociedade. O modelo englobaria então a responsabilidade econômica, legal, ética e discricionária.
Para o autor as empresas possuem uma missão econômica, esperando-se delas que a realização dos negócios gere lucro. A Responsabilidade Econômica implica no desenvolvimento econômico da corporação não deixando de se atentar com a sustentabilidade socioambiental. Portanto, trata-se da perpetuação e do desenvolvimento das transações visando o lucro e a remuneração do capital de forma que haja uma distribuição deste para o progresso social sem afetar os recursos ambientais.
Responsabilidade ética
A responsabilidade ética é aquela que se espera das empresas para que elas atuem além do âmbito legal. Uma empresa exemplar não visa somente o lucro, mas se preocupa também com a justiça social e a qualidade ambiental.
Uma corporação preocupada com ética empresarial investe principalmente em questões como transparência nas ações, controle financeiro de acordo com a legislação vigente, investigação e solução de problemas e compliance (atos de identificação de irregularidades e ações corretoras aos responsáveis pelos problemas).
Veja-se que a construção de uma empresa ética demanda de diversas áreas da corporação esforços para o respeito de valores e de um código de conduta a ser respeitado por todos.
A ética empresarial prevê um conjunto de decisões da empresa que contempla, dentre outros:
Transparência nas ações da empresa e dos proprietários; elaboração de um código de conduta dentre os vários stakeholders: empresas – empregados – clientes; sistema contábil e financeiro de acordo com a legislação vigente; e investigação das irregularidades e imputação de responsabilidades
A conduta ética e uma empresa desse ser de conhecimento amplo e referência para a tomada de decisões em todos os níveis do negócio.
Sustentabilidade
Sustentabilidade é a preocupação da sociedade com o meio ambiente, obtenção de lucro sem exploração de pessoas e degradação de recursos naturais.
A sustentabilidade de uma empresa é garantida quando se possui três pilares: lucro, qualidade ambiental e justiça social. Essa mudança de postura ética também altera o modo que a empresa se relaciona com seus diversos públicos.
O público direto é aquele composto por pessoas que há contato diariamente: público interno ou empregados (colaboradores).
Uma gestão participativa cujos colaboradores possam ser ouvidos e valorizados é uma forma ética de manter relacionamentos saudáveis no âmbito corporativo. É necessária a promoção do desenvolvimento profissional dos colaboradores, bem como direito à saúde, segurança e boas condições de trabalho. Cursos de aperfeiçoamento na área de atuação do colaborador é um exemplo de valorização do trabalhador.
Clientes: para a manutenção de uma boa relação com os consumidores e satisfação de suas necessidades, é necessário investimento na promoção de produtos e serviços confiáveis, além de suporte e canal de comunicação eficiente. Após uma análise do tipo de cliente assíduo e potencial, será necessária a adequação das ações do empreendedor para a satisfação ao adquirir o produto ou serviço.
Sócios: é papel dos sócios garantir a aplicação e o desenvolvimento da responsabilidade social empresarial, assim, imprescindível a implantação de consciência e atitude ética e transparente fundamentada em todas as suas práticas para com todos os públicos.
Já o público Indireto, apesar de não manterem contato diário são essenciais para a prática da responsabilidade social empresarial. Tanto como o público direto quanto com o público indireto é necessário a manutenção de uma relação saudável, ouvindo, compreendendo e satisfazendo seus interesses.
Fornecedores: ter responsabilidade e seriedade com os seus fornecedores só traz benefícios para ambas as partes. Assim, faz-se patente a necessidade de cumprimento de contratos para aprimoramento de parcerias.
Meio ambiente: o meio ambiente é um tema extremamente ocorrente atualmente, pois trata-se de peça fundamental quando se fala em responsabilidade social empresarial. A análise dos impactos ambientais que podem ser provocados no âmbito corporativo com o objetivo de minimizar implicações negativas e ampliar as positivas é uma atitude para iniciar uma ação responsável.
Comunidade: a contratação de colaboradores da comunidade é prática essencial para que haja geração de renda para a comunidade local e promova, consequentemente seu progresso. Caso a empresa não comporte uma demanda substancial de colaboradores ou não entre mão de obra qualificada na localidade, o apoio aos projetos sociais é um exemplo de implementação de políticas sociais no âmbito empresarial.
Governo e sociedade: é patente que um empreendedor deve cumprir com seus deveres sociais com o pagamento de taxas e impostos para a manutenção regular do negócio. O incentivo da liberdade de escolha do voto, bem como as preocupações com questões político-sociais fazem parte do aparato de práticas responsáveis.
É necessário manter uma relação saudável com os públicos, na qual se torna indispensável ouvir, compreender, e satisfazer seus interesses de forma ética e transparente. Assim podemos dizer que a responsabilidade social empresarial é uma forma de gestão do negócio, na qual todas as suas práticas são baseadas no respeito a todos os públicos.
Investimento social privado
O investimento social privado é um aspecto particular da responsabilidade social empresarial através de investimentos em projetos sociais.
É o uso voluntário, monitorado e planejado de recursos privados em projetos de interesse público. Tanto a responsabilidade social quanto o investimento social privado não possuem necessariamente cunho assistencialista.
No investimento social privado, as empresas investem recursos em planejamento e acompanhamento dos projetos sociais. Seu monitoramento é feito com o intuito de gerar um retorno positivo à sociedade através dos seus resultados.
Já a responsabilidade social empresarial possui uma amplitude maior que o investimento social privado, pois diz respeito ao processo de gestão da empresa de uma forma que a torne parceira e corresponsável pelo desenvolvimento social.
Investimento social privado é uma ação social da empresa, a imagem da empresa melhora diante dos consumidores, mas esse não é o principal objetivo. Está intimamente relacionado com a ligação entre a empresa e a comunidade.
Em suma, pode-se dizer que a responsabilidade social empresarial diz respeito à forma de conduzir o negócio dentro da empresa, se preocupando com todos os seus públicos: colaboradores, consumidores, fornecedores, sociedade, entre outros e o investimento social privado se preocupa com o que está acontecendo fora da empresa.
Saber enxergar as oportunidades de ação em volta do que se empreende e trabalhar isso de forma ética, preocupando-se com a sociedade é adotar a responsabilidade social empresarial.
Tornar-se responsável socialmente requer revisão de posturas, responsabilidade a longo prazo, profissionalismo, determinação, visão de futuro, ética, incondicionalidade pela raça humana, técnica aguçada e comprometimento com os direitos humanos.
Verificamos a importância da questão ética, inclusive do ponto de vista dos sócios, das suas ações e valores como donos de um negócio.
Para ser responsável socialmente a empresa deve, antes de tudo, ser coerente com os valores que ela possui e divulga. Deve-se incorporar os valores na maneira como se conduz o negócio de forma que o empreendedor seja transparente, zelando sempre pela ética em suas relações.
Conversar com os públicos também é uma forma de divulgar os valores os quais a empresa acredita. Criar documentos como código de conduta, com os valores da empresa, declaração de missão e visão/objetivos são fundamentais para gerar o comprometimento de todos na empresa.
Governança corporativa
A divulgação da missão e dos valores do negócio é a base para o bom relacionamento com os públicos, assim como o respeito aos direitos humanos. Esses dois itens são pilares para a ação ética e transparente da empresa e, para que esta ação seja efetiva, nada melhor do que a adoção de medidas de Governança Corporativa.
A Governança Corporativa possui princípios éticos, como a transparência das operações, reconhecimento dos direitos individuais, justiça no tratamento de todos e responsabilidade na prestação de contas. É também um sistema que defende a transparência das operações que ocorrem dentro da empresa e, principalmente, a responsabilidade na prestação de contas.
O estudo da Governança Corporativa se deu por volta dos anos 90. As privatizações, fusões e aquisições desencadeadas pela globalização fizeram com que investidores buscassem um papel mais ativo na forma de gerenciar os seus negócios, pois estavam acontecendo escândalos constantes nas gestões das grandes empresas no momento.
O sócio deve sim ter compromisso com o desenvolvimento econômico, mas também o ambiental e social. Os três pilares da sustentabilidade: desenvolvimento econômico, ambiental e social. Devem também estar abertos à gestão participativa, promovendo um ambiente de diálogo, participação, onde todos os públicos possam falar e serem ouvidos.
Vantagens de ser responsável socialmente
Sem dúvida a implementação de uma gestão responsável socialmente valoriza a marca e a imagem institucional, assim como traz a lealdade do consumidor.
Atualmente o consumidor valoriza muito uma empresa que possui princípios de respeito ao ser humano e ao meio ambiente. Desta forma, ele se torna fiel ao empreendimento.
Outra vantagem é a capacidade de recrutar e reter talentos: uma empresa que reconhece o valor do ser humano se preocupa em sempre desenvolver as pessoas que ali trabalham. Assim, promovem a ampliação dos seus conhecimentos e consequente crescimento em seu local de trabalho. É uma forma de promover o sentimento de valorização do colaborador e consequente desejo de permanecer na empresa.
A redução de custos operacionais ao eliminar desperdícios e ineficiências e acesso a financiamentos é outro benefício. Ter consciência ecológica não faz bem só ao meio ambiente. Saber eliminar desperdícios eleva o faturamento da empresa tendo em vista a economia com gastos desnecessários. Além disso, empresas que investem em sustentabilidade possuem acesso mais fácil a financiamentos.
Confiança no relacionamento com os públicos e longevidade. Uma empresa ética e transparente transmite confiança aos seus públicos, colaboradores, clientes, fornecedores dentre outros atores que necessitem celebrar algum contrato ou negócio com empresa que possui política de responsabilidade social. Para a empresa, essa peça-chave é fundamental para a sua longevidade.
Atualmente os produtos do mercado possuem poucos diferenciais. Eles estão muitos parecidos e o que os torna diferentes, muitas vezes, é a confiança que aquele produto ou serviço representa para o cliente. É preciso contemplar os públicos no processo decisório da gestão da empresa, desta forma eles se sentem parceiros do negócio identificando problemas e sugerindo soluções.
O impacto da Responsabilidade Social Empresarial nas pequenas e médias empresas é semelhante ao de grandes empresas:
Vantagens financeiras pelas menores despesas com o lixo produzido ou da otimização de custos em qualquer área, como a conscientização do menor consumo de energia.
Legislação (saúde, segurança, conduta ambiental ou discriminação): ao promover um trabalho de qualidade, os colaboradores se sentem mais motivados, diminuindo assim o absenteísmo, ou seja, falta constante do trabalhador. Essa qualidade no trabalho vai muito além do saber fazer ou do fazer bem-feito, ela também é responsável pela qualidade da saúde do trabalhador, pois um colaborador saudável diminui o tempo e o gasto com as licenças necessárias e previstas e lei.
Prova de boa conduta ambiental: uma empresa que diminui a produção de lixo também atenua o manejo com ele, promovendo assim um menor contato com os agentes poluentes o que assegura um ambiente mais saudável para os colaboradores.
Escolher um fornecedor qualificado que oferece ótimos produtos para a sua empresa melhora a imagem na comunidade local. Uma empresa que possui essas preocupações acaba ampliando a população inicialmente atendida, podendo até compreender mais segmentos do mercado.
Uma empresa confiável gera segurança à sua clientela e aos fornecedores também, ampliando assim sua rede de contatos.
As micro e pequenas empresas têm a margem de lucro muito limitada. Por isso, na competição de mercado, o grau de eficiência e competência pode significar a sobrevivência ou não da empresa. O empresário deve atentar para a continuidade do atendimento e não apenas com a venda; preocupar-se com a pré-venda, tratando bem o cliente, e com o pós-venda, verificando a satisfação dele com o produto ou serviço.
A implantação do sistema de gestão com responsabilidade social não é fácil e encontra uma série de desafios para ser implantada como (I) transformar as intenções e valores em ação; (II) implementar sem aumentar os custos operacionais e administrativos; (III) preparar profissionais para atuar neste novo cenário e (IV) converter as ações em oportunidades de negócios.
Entretanto, como vimos anteriormente, este modelo de gestão traz uma série de benefícios não só à empresa, mas todos que o cercam, bem como o meio ambiente, tornando o negócio sustentável, perene e em consonância com as demandas mundiais.
Este artigo foi escrito por Juliana de Jesus Cunha Chiose e publicado originalmente em Prensa.li.