Esquadrão Suicida - Pop Explosivo
(spoilers dos mais óbvios de O Esquadrão Suicida (2021))
Antes do lançamento, quem ouvisse a ideia central de Guardiões da Galáxia (Guaxinim? Árvore falante?) não apostaria no tremendo sucesso alcançado pelo filme. Isso foi em 2014, muito antes de Doutor Estranho e Thor Ragnarok trazerem mais… “experimentação” ao mundo dos “super-heróis no cinema” que a Marvel/Disney cultiva desde 2008.
Nenhum destes filmes reinventa a roda. Mas havia algo em Guardiões, na sua musicalidade, no humor e na jornada de seus personagens que ressoou com o fã de quadrinhos. O mérito é todo do diretor e roteirista James Gunn, que nunca viu problema em se arriscar um pouco.
Esquadrão Suicida (2016) não ressoou com ninguém. O Universo Cinematográfico Extendido da DC Comics tinha começado morno (Homem de Aço) e continuou com um cataclisma (Batman V Superman). Lançado antes de um ótimo recomeço (Mulher-Maravilha), o filme dos desajustados sub-vilões foi uma sucessão de erros. O único acerto foi a escalação impecável de Margot Robbie como Harlequina.
E isso tudo antes de esforços mais recentes (e bem longos) de renovar tudo.
James Gunn só cruzou o caminho da chamada “Distinta Concorrência” por um acaso. Um acaso liderado por arruaceiros da alt-right: por sua oposição constante ao então presidente Donald Trump, os minions do norte recuperaram tweets de piadas de muito mal gosto feitos por Gunn 10 anos antes. Coisa pela qual ele já tinha se desculpado. A Disney decidiu demiti-lo.
A Warner, que não é boba nem nada, chamou Gunn para revitalizar aquele filme todo errado que tinha o Jared Leto no papel de Coringa. Um novo Esquadrão Suicida, quase que do zero.
ELES TÊM UMA MISSÃO, E NÃO LIGAM PARA INDUMENTÁRIA (Imagem - Warner Bros./Divulgação - via BleedingCool)
Sublinhando o SUICIDA do Título
O mundo corre perigo. Para se infiltrar numa ilha-república da América Latina e impedir um grande mal, um grupo de meliantes com habilidades superiores é chamado. Se cumprirem a missão e sobreviverem, terão sua pena diminuída.
Sobreviver é a parte mais complicada. Nos 20 primeiros minutos de Esquadrão Suicida 2021, James Gunn faz uma carnificina de gente-com-superpoderes como nunca se viu. Ou o time foi muito mal escolhido, ou eles estão perante os militares latinos mais bem treinados da história.
O “segundo time”, no entanto, aproveita o caos e se infiltra na ilha. E o tropo de “grupo de desajustados com uma missão” vai ganhando contornos cada vez mais absurdos e sanguinolentos enquanto os detentos tentam descobrir o que esse lugar tem de tão perigoso.
A trama do filme é simples, direta, e cada reviravolta pode ser vista de longe. Estamos falando de um grupo de criminosos, ou seja, haverá brigas, traições, e, já que estamos num filme de super-heróis, até momentos de heroísmo.
O primeiro dos destaques reais que o filme traz é a tremenda qualidade do elenco. No papel do “mais protagonista dos desajustados” está Idris Elba. Como Bloodsport (Sanguinário, em PT-BR), ele é um mercenário perito em armas e em matar, e está passando por momentos complicados com a própria filha. Retornando ao papel de “único bonzinho no grupo” está Joel Kinnaman, como Rick Flag. John Cena, reiterando que é um tremendo ator cômico ao interpretar o psicopata patriótico Pacificador.
Embate de dois gigantes da atuação (Imagem - Warner Bros./Divulgação - via BleedingCool)
Temos ainda Peter Capaldi (Doctor Who), David Dastmalchian (Homem-Formiga), Viola Davies (vencedora do Oscar por Um Limite Entre Nós), Sylvester Stallone (dublando um meio-homem, meio-tubarão), Nathan Fillion (Firefly), além de é claro, Margot Robbie retornando. Ainda tem espaço para a Alice Braga aparecer como uma revolucionária!
Não há elo fraco entre os atores. O enorme elenco (que diminui muito rápido) mantém-se bem atento ao estilo de humor de Gunn. Viola Davies, por exemplo, não titubeia nunca como a diretora governamental mais perversa dos quadrinhos. E Idris Elba, o James Bond que não foi, consegue carregar um pouco da normalidade necessária a um protagonista. E mesmo assim, tem uma cena brilhante de briga com sua filha.
O berço dos desajustados
O mais interessante é, pouco a pouco, perceber que todos no filme tem problemas - às vezes surrealmente sérios - com seus próprios pais. Se um personagem não tem uma relação de amor e ódio com seu pai ou mãe, ele é o pai problemático da relação.
Tirando talvez a Harlequina (que ainda carrega o trauma de ter namorado ninguém menos que o Coringa), todos os personagens representam algum tipo de traição por parte de suas próprias origens. Rick Flag (Kinnaman) se vê traído por seu próprio governo, enquanto Nanaue (o Tubarão-Rei) é talvez o último descendente de um tubarão-deus.
Nanaue e outro amigo marinho (Imagem - Warner Bros./Divulgação - via BleedingCool)
O Homem-Bolinha (Dastmalchian, em outro acerto na carreira) originalmente não era mais que um vilão galhofento do Batman. Aqui, se torna um maníaco desajustado, porque sofre com uma horrorosa e colorida condição por conta de sua mãe tê-lo usado como cobaia em experimentos. Bloodsport é metade da mais franca troca de xingamentos entre um pai e uma filha da memória recente no cinema.
A exceção é Ratcatcher 2, a moça que lembra do pai com alguma ternura. A atriz portuguesa Daniela Melchior é a única ilha de inocência e positividade no meio de tanta bagunça em Esquadrão Suicida 2021. E faz um ótimo trabalho como o centro emocional do filme, alguém que aprendeu com o pai não só a controlar ratos, mas que há valor até na mais suja das criaturas.
O diretor repete muito dos temas presentes em Guardiões da Galáxia, com a crueldade paterna sendo uma constante em todos os seus filmes de super-heróis até agora. É um trend de heróis um pouco mais elaborado do que somente “ser órfão” como o Homem-Aranha ou “ser órfão e muito mais” como o Batman.
Porém, diferente de achar paz no compartilhamento do trauma, ou em como o descobrimento de sua origem traz o direito (e às vezes o dever) de rejeitar a própria origem, que nem em Guardiões, aqui essa trend não leva a muita coisa.
A quantidade de personagens dificulta bastante a criação de um foco emocional de fato. O impacto que Gunn consegue trazer aos seus personagens nos filmes Marvel aqui é diluído.
Daniela Melchior é uma das coisas mais memoráveis do filme, aqui vista com seu parceiro de crimes (Imagem - Warner Bros./Divulgação - via BleedingCool)
Esquadrão Suicida 2021 consegue se segurar bem na ação, na comédia, no carisma dos envolvidos e na insanidade das situações (tem uma estrela-do-mar rosa em algum lugar deste filme, tente encontrá-la). Mas isso Gunn e os magos do cinema tiram de letra.
No meio do pastiche que virou o cinema-pipoca Hollywoodiano, não são palavrões e um tubarão humano mastigando um capanga que vão trazer novidade. São ousadias temáticas (como em Logan), questionamentos inteligentes (como em Pantera Negra) e enquadramentos necessários (como em Mulher-Maravilha) que vão elevar a mídia.
Se bem que… Ninguém aqui vai atrás de O Esquadrão Suicida exatamente para ter a mídia elevada.
Dado o sucesso de sua iteração anterior, se o filme fosse coerente, tivesse personagens cativantes, ação divertida e só um pouquinho de coração, já estaríamos no lucro.
Com certeza, James Gunn entregou.
Imagem de capa - Warner Bros./Divulgação - via BleedingCool