Eternos da Marvel - Do que vale uma eternidade sem memórias?
Os Eternos é o novo filme da Marvel, lançado recentemente e que tem dividido opiniões sobre ser um filme de mediano para bom ou para ruim. O filme foge da chamada “fórmula Marvel” e aborda questões importantes como, por exemplo, a diversidade.
Mas, quero chamar a atenção para algo que, talvez, passe batido para a maioria das pessoas que já assistiram (ATENÇÃO – SPOILERS), o caso da eterna Thena. Mas, antes, cabe uma explicação rápida sobre quem é quem dentro do filme.
Arishem - Reprodução / Marvel
Quem é quem nessa história?
Os Celestiais criaram três raças, os humanos, os Eternos e os Deviantes. Os humanos são resultados das experiências genéticas feitas pelos Celestias (assim como os Kree e os Skrulls). Os Deviantes possuem uma genética instável, os tornando extremamente agressivos. Os Eternos, dotados de grandes poderes, recebem a missão de proteger o universo dos Deviantes.
Os Deviantes aterrorizam a Terra desde os seus primórdios e os Eternos a defendem. Os Eternos também ajudam os humanos em seu desenvolvimento, ensinando-lhes atividades como agricultura, construções e dando origem a várias culturas espalhadas pelo mundo. Em tese, os Eternos não podem interferir em nada do que acontece na Terra, por isso, por exemplo, eles não puderam lutar ao lado dos Vingadores contra Thanos.
Durante séculos os Eternos acreditaram que todos os Deviantes haviam sido destruídos até que reaparecerem no século XXI, levando os Eternos a se reunirem mais uma vez para combatê-los. E a partir daqui você pode assistir ao filme para ver no que vai dar.
Thena - Reprodução / Marvel
Thena
A história dela não é abordada no cinema, aliás, a história de nenhum dos Eternos é. O que vale a pena saber é que ela é uma grande guerreira, tendo poderes como superforça, supervelocidade, agilidade, durabilidade e reflexos extremamente apurados. Além disso, também possui fator de cura e habilidade de manipular energia cósmica das mais variadas formas possíveis, como, por exemplo, as armas que ela utiliza.
Em resumo, ela é uma das maiores, se não for a maior, guerreira da galáxia. Ah! Detalhe: ela é prima de Thanos.
Thena é fundamental para os Eternos, mas, sofre de um mal chamado de Mahd Wy’ry, que seria algo assemelhado a um processo de demência. De acordo com Nate Moore, produtor dos Estúdios Marvel, a quantidade de memórias que ela tem se desprende da própria mente e ela se esquece de onde está. Os sete mil anos de vida cobram um preço alto de Thena e ela começa a se esquecer das coisas do agora. Para evitar que algum problema maior ocorra, Gilgamesh se torna seu protetor e a leva para morar em uma cabana, no meio do nada, na Austrália.
O desespero de não saber o que acontece é evidente no rosto e nas palavras de Thena. E é sobre isso que quero falar um pouco.
As memórias e sua importância
Você já parou para pensar na importância das memórias que temos? Já parou para se perguntar quantas memórias adquirimos ao longo da vida? Quantas memórias nos são passadas de geração em geração? E, em algum momento, fez alguma brincadeira ou exercício que te levasse a imaginar o que seria da sua vida se perdesse completamente a memória?
Mas, o que é a memória? A memória pode ser algo relacionado com o passado, que pode ser transmitido de geração em geração. É uma reconstrução do passado de uma maneira parcial, limitada e seletiva.
Quadro "Independência ou Morte" de Pedro Américo - Museu Paulista / Reprodução
Segundo o sociólogo Maurice Halbwachs, um dos pioneiros nessa discussão sobre memória, a memória individual é um ponto de vista da memória coletiva. Se observamos bem, a maioria das nossas lembranças são construídas em ambientes como a família, o trabalho, a escola, a comunidade que frequentamos. Em um aspecto amplo, macro, podemos falar que a humanidade trabalha para manter as suas memórias, por isso temos museus, bibliotecas, arquivos.
Não podemos deixar de pensar na memória como algo que leva em conta os interesses políticos, econômicos, sociais e ideológicos, sendo assim, ela pode criar seus heróis ou vilões, pode alterar a forma de pensar de uma sociedade inteira, pode usar e distorcer acontecimentos de acordo com seus objetivos, inclusive, manipulando o passado para criar uma memória que sequer existiu.
As nossas memórias são parte de quem somos e estão relacionadas com experiências que vivemos ao longo de nossas vidas, sejam elas boas ou ruins, afinal, ainda segundo Halbwachs, elas têm relações diretas com nossos sentimentos e esse, ao longo do tempo, pode se tornar um problema.
Por exemplo, os sentimentos que você demonstra ter por uma pessoa no início de uma relação gera lembranças diversas, como uma música, um perfume, um filme. Mas, se essa relação se desgasta e termina, essas lembranças passam a não fazer sentido e, às vezes, até geram traumas.
Como vocês podem perceber, a memória é algo de extrema importância para a sociedade e seus indivíduos. Pessoas que sofrem em decorrência do Alzheimer ou por qualquer outro processo de demência tem sua memória afetada, sobretudo as memórias mais recentes. Quem está próximo sofre muito, mas, a pessoa em si, vive em suas memórias antigas.
Quando temos eventos catastróficos, como o incêndio no Museu Nacional em 2018, ou furacões que destroem cidades, temos parte da memória de um país ou de um local afetada, comprometida, com risco de perder sua identidade, sua relevância, sua história e cair no esquecimento.
Concluindo
Olhando para Thena, vendo o desespero em seus olhos quando percebe o que está acontecendo com ela, exemplifica bem tudo o que falamos aqui. Em um momento ela luta ao lado de seus companheiros e no outro luta contra sem ter a menor noção do que está fazendo. O choque de realidade ao saber disso dói, machuca e, não fosse por Gilgamesh se propor a cuidar dela, não se sabe o que poderia ter acontecido.
Precisamos valorizar as memórias, sejam elas individuais ou coletivas, pois, no fim das contas, elas estão interligadas. Essas memórias nos fazem ser quem somos e dão razão e significado para o que temos e construímos.
Este artigo foi escrito por Edu Molina e publicado originalmente em Prensa.li.