ETH Rio: blockchain a serviço das pessoas! Parte I
https://www.ethereum.rio/
O Evento
A ETH Rio foi a convenção de entusiastas da tecnologia blockchain no Rio de Janeiro, e falando assim parece simples mas uma certeza que posso te dar é: se alguém te disser que pode te contar tudo o que aconteceu por lá essa pessoa está mentindo.
Previamente à etapa carioca do evento tivemos a etapa em Denver (Colorado, USA) quando uma parcela da comunidade de entusiastas da Web3 e da tecnologia blockchain se reuniu para discutir o presente, passado e futuro desta tecnologia.
Conquanto tenha sido pioneira em vários sentidos, a reunião em Denver não foi a primeira a trazer os temas sociais e as preocupações políticas e econômicas sobre a forma como a tecnologia está se desenvolvendo.
No entanto, na edição carioca esses temas não apenas apareceram, como foram o epicentro do debate.
Primeiro vamos entender um pouco mais sobre o evento para depois pular de cabeça no buraco do coelho dos debates e dinâmicas que caracterizaram a experiência.
O evento aconteceu no Museu do Amanhã e na Fábrica de Start Ups entre os dias 11 e 20 de Março e contava com pelo menos quatro espaços: o Bootcamp, o Launchpad, o Main Event e o Hackathon.
O Bootcamp foi o local de aprendizado, nele pessoas aprenderam, por exemplo, a criar sua própria rede blockchain e seus próprios tokens. Tudo ensinado passo a passo, em inglês e português, desde o básico.
Já o Launchpad era onde as startups apresentavam seus projetos a investidores para colher informação e investimentos.
O Main Event foi onde grandes figuras da comunidade blockchain nacional se revezavam trazendo o que há de mais sofisticado no debate sobre a relação entre tecnologia blockchain, economia, e, desafios sociais e ambientais.
Ali era o ambiente para quem queria se conectar ao que está sendo discutido e construído pelos grandes líderes da indústria web3, como o grande Fausto Vanin da One Percent (que tive a honra de encontrar pessoalmente pela primeira vez lá).
Já o hackathon foi o momento onde a história da comunidade blockchain brasileira recebeu um grande marco.
Todos sabemos que o Brasil é um grande celeiro de mão de obra de desenvolvedores, no entanto, a relação desta mão de obra com os problemas sociais brasileiros ainda é tímida.
No entanto, no Hackathon da ETH Rio, os desenvolvedores, criadores, etc, foram desafiados a apresentar soluções para problemas bem brasileiros como infraestrutura pública e sustentabilidade financeira para iniciativas de impacto social.
O desafio não foi abstrato, no sentido de abordar os problemas de uma forma generalista, pelo contrário, as equipes deveriam apresentar suas soluções para desafios levantados por líderes comunitários do RJ.
Lideranças como Márcia Cristina de Souza e Silva, umas das fundadoras do Museu de Favela que registra as narrativas e as memórias das comunidades ao redor do bairro Cantagalo.
A equipe de jurados também era multifacetada entre lideranças nacionais e internacionais.
A Hackathon e o primado das pessoas!
Existe um grande paradoxo da comunidade blockchain como um todo.
Ao mesmo tempo que é um dos lugares mais acolhedores do ponto de vista das pessoas ali envolvidas, é também um lugar de difícil acesso devido ao conhecimento especializado necessário para dar conta de tudo.
Por vezes me peguei repetindo a frase, que me veio à mente pela primeira vez na conversa com Thiago Catarino (que conheci lá), gerente de marketing da OKex para América Latina:
“A dificuldade de explicar Blockchain reside no fato de que a maior promessa da tecnologia é substituir as formas tradicionais das relações econômicas e políticas, e a maioria das pessoas está excluída da compreensão dessas relações mesmo nas formas tradicionais.”
Ou seja, se temos como objetivo aumentar esta comunidade, é necessário que apresentemos novas narrativas sobre ela, narrativas simples, cativantes e baseadas nos problemas das pessoas.
Neste ponto reside a importância da centralidade das lideranças comunitárias do Rio de Janeiro no processo de exposição dos desafios do hackathon.
As soluções apresentadas no Hackathon, na trilha social, não foram apenas projetos disputando um prêmio, mas projetos que se tornam uma realidade independente do prêmio.
Por exemplo, a equipe BlackLeadersDAO desenvolveu um ecossistema de serviços a ser disponibilizado aos pequenos empreendimentos que ajudarem as lideranças comunitárias negras em projetos para melhorar a vida das pessoas nas comunidades mais pobres.
O primeiro fruto deste ecossistema foi o assessoramento da Márcia Silva, representante do Museu de Favela, durante o evento tirando dúvidas e apresentando ela a pessoas que poderiam ajudar em diferentes temas.
O segundo fruto foi a disponibilização (ao Museu de Favela) de um curso de introdução à tecnologia blockchain para uma turma de alunos selecionados nas comunidades ao redor do museu.
Esses dois frutos mais a proposta do ecossistema foram suficientes para que os jurados dessem à equipe BlackLeadersDAO o prêmio de Ethereum Rio Social Impact Prize.
A BlackLeadersDAO, no entanto, não existiria sem o suporte de duas outras organizações.
Harmony + Blu3DAO = Comunidade Primeiro!
Como havia mencionado no começo, há um paradoxo relativo à acessibilidade da Web3 como um todo. Enquanto a comunidade é geralmente progressista, os obstáculos sociais para grupos tradicionalmente excluídos persistem.
É importante lembrar que a inclusão destes grupos não é um tema da caridade, mas um tema primeiro da justiça, considerando o quanto esses grupos contribuem para o produto social e quão pouco consomem.
O segundo pertencimento do tema da inclusão é à eficiência, uma vez que a descentralização, que está na bandeira da Web3, depende da inclusão. Sem inclusão, sem descentralização.
Sem descentralização, blockchain é só um PIX para hipsters e nerds.
A união entre inclusão e eficiência foi a fórmula do indiscutível sucesso da iniciativa da Blu3DAO, ao aprofundar o significado do conceito de Comunidade Primeiro da Harmony. Vamos por partes.
A rede Ethereum, a segunda maior blockchain que existe, deve seu sucesso a duas coisas: tecnologia eficiente e comunidade engajada.
Sem a tecnologia não existiriam os serviços e sem a comunidade (de usuários e desenvolvedores) a tecnologia não teria avançado ao ponto de oferecer serviços tão eficientes.
A rede Ethereum demorou alguns anos para desenvolver sua comunidade, no entanto, agora que já sabemos a fórmula do sucesso, podemos aprimorá-la.
Como disse um sábio anônimo no twitter: Na Web3, os recursos financeiros são abundantes, o software é livre e as ideias são gratuitas. O único recurso escasso é a comunidade.
A Harmony leva a sério o investimento na construção de comunidade, e uma das maiores manifestações desta disposição é a viabilização da Blu3DAO.
O que é a Blu3DAO? Em termos simples: uma organização autônoma descentralizada voltada para levar educação financeira para mulheres. Nas palavras de algumas das incríveis mulheres que dela fazem parte:
“Blu3DAO é uma comunidade de integração essencial para ajudar mulheres, incluindo mulheres não-binárias e trans, a acessar educação, financiamento e comunidade com foco em crypto.” (Sunny Satva)
“Um grupo de borboletas é chamado de caleidoscópio e é isso que blu3 DAO é - um lindo caleidoscópio de diferentes tipos de mulheres e pessoas de todo o mundo se unindo para criar algo bonito, transformador e libertador.” (Lana Dingwall)
"Blu3 DAO é a abreviação de Blue to Fly - nossa missão é capacitar mulheres, não-binários e aliados para alcançar a liberdade financeira no espaço web3. […] Encontre suas asas e voe! 🦋” (Amy Soon)
Porém, para a Ethereum Rio, a Blu3DAO levou muito mais que educação financeira, a organização trouxe diversidade e talento. Em síntese a Blu3DAO se encarregou dos custos de hospedagem e ingressos de 40 bolsistas escolhidos entre os mais diferentes países e contextos (prioridade para mulheres latino americanas).
Ah, segredo, os bolsistas ainda receberam o valor de US$1.000,00 para cobrir seus custos de viagem, alimentação e claro…festa.
Em toda parte onde havia algum dos 40 scholars da Blu3DAO, havia uma intensa conexão de sentimentos, projetos e recursos.
Às vezes a conexão era tão intensa que algumas pessoas, após o evento, decidiram ficar no Brasil mais alguns dias ou mesmo semanas, apenas para desenvolver as relações que haviam construído.
É o caso dos meus amigos Craig e Aminta, da WeLoveCollors, e meu amigo William Caldeira, um fotógrafo de Vila Velha, ES.
A conexão deles foi tão forte que eles iniciaram a construção de uma agência de comunicação para ajudar projetos de impacto social ao redor do mundo, e Craig e Aminta resolveram estender a estadia deles no Brasil.
Outro caso foi o da jornalista Diana Aguilar, que está criando uma organização para educar jornalistas latino americanos sobre a Web3.
No caso dela, mais do que alguns dias, ela está considerando se mudar para o Brasil por alguns meses para conhecer o país e se conectar com seus pares tupiniquins.
Todas essas iniciativas, e outras que vou descrever na segunda parte deste artigo, só foram possíveis graças à intenção da Harmony de colocar a construção de comunidade em primeiro lugar e a competência das mulheres da Blu3DAO em tornar isso algo concreto.
No próximo texto conheceremos mais sobre os dois maiores impactos do evento: a Harmony Network e o apogeu das DAOs.
Este artigo foi escrito por Dr. Marcelo A. Silva e publicado originalmente em Prensa.li.