Etimoloverso
Pode parecer bobeira, mas as palavras têm vida própria, tem sentidos, tem histórias. Como nós, sofrem dessa doença incurável: o tempo. Há, para isso, um campo de estudo, chamado etimologia. Do grego étumos – real, verdadeiro – e logos – estudo, descrição.
Vejamos um exemplo: o prefixo grego “metá”, elemento de formação de palavras, pode dizer: “além de”, “por entre de” ou “mudança de” - a depender de quem acompanha.
A metafísica (grego: física – natureza) é fundamental no desenvolvimento humano. Perceber - e a partir disso imaginar - o mundo exterior ao próprio corpo, capacitando perguntas fundamentais, é indispensável na investigação do existir.
Em metalinguagem (língua+agem, indicando ação) temos potencial de entremear comunicações numa mesma mensagem. Falamos sobre a fala, escrevemos palavras falando de palavras.
Metamorfose (grego: morfo – forma) acontece também na natureza, para além da mente humana. Admite que tudo está em constante movimento, interage, se transforma.
E metaverso? Depois desse passeio etimológico fica mais fácil entender: o mundo digital cria seu próprio universo. Metafísicos óculos prometem levar, literalmente, a outro lugar sem sair do lugar. Toma teu todo, o real, por tua metade, o que vê.
Gigantes da tecnologia arvoram em desenvolve-lo o mais rápido possível. A destruição da paisagem não espera, e claro, o balanço dos acionistas vê muito potencial.
Como toda ferramenta humana, carrega potencialidades incríveis e nefastas ao mesmo tempo. Reinventar as velhas aulas sobre Grécia Antiga, a chatíssima Idade Média – que nem dragões tem – ou recriar um Brasil pré-colonização é metalinguísticamente louvável.
Triste é constatar que não veremos o metaverso entrar no serviço de educação básica tão cedo por aqui. Mais fácil imagina-lo como artigo de exteriorização de veleidades. De cartuns e jogos sem muita pretensão, além da distração.
Uma possibilidade real que se abre é compreendermos, cada vez mais, as redes sociais como drogas legalizadas. O metaverso pode ser muito mais bonito que nosso horizonte deteriorado.
É um campo de disputa para as sociedades: que fazer com isso? É simplista reduzi-lo à pura alienação, com o tanto a que pode prestar. Além de não impedir sua existência enquanto fenômeno metamórfico de relações humanas.
O mundo digital cabe no mundo real, resta saber se a recíproca é verdadeira. A escolha, com ou sem algoritmos, ainda é nossa. Num esforço metafórico: basta abrir os olhos.
Símbolo de nosso tempo é que algo tão corriqueiro parece ter se complicado. Perceber pode não ser mais tão simples quanto olhar para cima.
Este artigo foi escrito por Matheus Dias e publicado originalmente em Prensa.li.