EUA e Rússia definirão lei para criptoativos ainda este ano
Pra começo de conversa, vale perguntar o que tem de especial na regulamentação dos criptoativos nos EUA e na Rússia
No caso dos EUA, além de ser a maior potência global em vários setores, o elemento principal da atenção sobre a sua regulamentação é bem específico.
No relatório do Bloomberg Crypto Outlook (Junho, 2021) o fato da maior parte das stablecoins (criptoativos que replicam o valor de uma moeda nacional) serem atreladas ao dólar americano gerou uma vantagem geopolítica para o país.
Inclusive, o ativo mais negociado naquele ano trata-se de uma réplica do dólar.
Ao mesmo tempo, a vantagem chinesa dizia respeito a ter em seu território a maior parte das fazendas de mineração do mundo.
Quando a China baniu a mineração de bitcoin em 2021 grande parte destas fazendas mudaram-se para a Rússia e países geograficamente ou politicamente próximos, como Cazaquistão e Irã.
Ou seja, a regulamentação russa para os criptoativos irá impactar todo o mundo e isso inclui o Brasil.
Segundo notícias recentes, EUA e Rússia se preparam para regulamentar criptoativos ainda este ano.
O que sabemos até agora?
Desde o ano passado, o poder legislativo dos EUA tem mantido reuniões com especialistas e representantes das corretoras de criptoativos.
Tais reuniões tiveram como objetivo alimentar uma proposta de regulamentação que possa abranger os interesses de todos os envolvidos nesse ambiente.
Até então, a participação de membros do governo estava limitada à observação.
Tudo isso mudou nesta última semana de Janeiro (2022) quando o site Barrons vazou a informação de que o governo estava preparando uma ordem executiva acerca do assunto.
Segundo o relato de Daren Fonda, repórter do Barrons, a ordem executiva partirá da Casa Branca e definirá a regulamentação dos criptoativos como assunto de segurança nacional.
A regulamentação deverá contar com apoio internacional e será construída a partir de contribuições das agências governamentais que terão entre três e seis meses para apresentar suas propostas.
Devemos lembrar que além das divisões típicas da política estadunidense, democratas x republicanos, há também divisões internas nos partidos.
Tal divisão diz respeito principalmente à forma como cada Estado tem levado adiante as discussões, o Texas, por exemplo, já definiu sua direção de abertura para os criptoativos.
Antes das revelações do Barrons, a própria Bloomberg havia adiantado informações sobre o tema.
Há dois aspectos deste evento que merecem nossa atenção, o primeiro diz sobre o fato da administração Biden se colocar no centro deste projeto legislativo.
Este aspecto é importante porque sinaliza a existência de um projeto (ou intenção de projeto).
O segundo aspecto diz sobre tratar o tema como assunto de segurança nacional, o que aumenta a possibilidade de intervenções governamentais sobre o tema.
Além das preocupações comuns sobre a estabilidade cambial, inovação e transparência, há também a expectativa de que o documento final vá trazer a proposta de uma moeda digital com lastro no dólar.
Essa moeda não substitui a função das stablecoins para a maioria dos usuários nativos dos criptoativos, mas pode se tornar a porta de entrada do dólar em um mercado de quase quinze trilhões de reais.
Lembrando que nem 1% da economia global está alocada em criptoativos, e essa entrada do dólar representaria o ponto de ruptura.
O aspecto ambíguo das expectativas recaem sobre dois fatos:
O fato de tal proposta vir após as rodadas de diálogo com as corretoras tranquiliza alguns analistas ao gerar expectativa de uma regulamentação consensual.
No entanto, o fato de o assunto ser tratado como de segurança nacional pode preocupar outros.
Nas próximas semanas, de qualquer maneira, a Casa Branca irá apresentar sua ordem executiva e nos próximos seis meses haverá um documento pronto.
No entanto, os EUA não é o único país a avançar neste sentido, pois poucos dias atrás Vladimir Putin, Presidente da Rússia, sinalizou sua aprovação para o roadmap aprovado pelo Primeiro Ministro do país.
“[…] mas o senhor já combinou tudo isso com os russos?”
Diferente dos EUA, onde as agências governamentais tendem a manter um tom moderado, na Rússia o debate aberto expõe diferenças profundas acerca do tema.
A mais aguda destas diferenças se manifesta nas posições de Andrey Lugovoy, presidente da Comissão Anticorrupção e de Segurança da Duma (uma das câmaras do poder legislativo russo) e de Elizaveta Danilova, diretora de estabilidade financeira do BC da Rússia.
O primeiro afirma que a regulamentação dos criptoativos deve servir para evitar atrasar o desenvolvimento da tecnologia Blockchain na Rússia e impedir o surgimento de um mercado paralelo.
Já Danilova defende o completo banimento da emissão, propriedade e posse de criptoativos pois os considera um esquema de pirâmide.
Na dinâmica do “manda quem pode, obedece quem tem juízo” ambos já declararam que vão construir um consenso para apresentar ao governo russo.
Como isso pode nos afetar?
Podemos mensurar o impacto destas notícias para o Brasil a partir de três aspectos: legal, geopolítico e especulativo.
O primeiro aspecto diz sobre a nossa própria regulamentação sobre o tema.
Conquanto sejamos um país com um avançado sistema de open banking, ainda engatinhamos quando o assunto é blockchain.
Uma regulamentação polarizada entre Rússia, China e EUA, poderia empurrar o Brasil para uma difícil escolha sobre qual modelo seguir.
As atuais gestões do Banco Central e Ministério da Economia nunca declararam nenhum tipo de inconsistência sobre o assunto.
Pelo contrário, o próprio sistema PIX possui inspiração na rede Ethereum.
Mas sabemos que a palavra final da gestão do país não está com nenhum tipo de autoridade oficial, mas com a família do Presidente da República e nos interesses do Min. Da Casa Civil Ciro Nogueira.
O aspecto geopolítico nos coloca diante de uma oportunidade única de, diante da falta de uma liderança mundial no tema, tornar o Brasil uma liderança regional na América Latina.
Após fazer isso, a América Latina estaria apta a negociar um modelo global de regulamentação como bloco, não mais como países isolados.
Um bloco que concentra grande parte das reservas globais de terras férteis, água e minerais de indiscutível relevância.
Abraçar essa oportunidade poderia devolver ao Brasil a relevância na geopolítica global em um tema positivo.
A boa notícia é que na 59º Cúpula do Mercosul houve uma notificação para ampliar o uso da tecnologia blockchain entre os países.
Inclusive tal tecnologia já é utilizada de forma cooperativa pelos países do Mercosul através do sistema bConnect.
A esperança tem um sabor doce e eu sou viciado em açúcar.
E nem mesmo assim eu consigo acreditar que na atual conjuntura temos lideranças de Estado (ou Mercado) com capacidade e interesse em produzir consenso suficiente para lançar o Brasil na missão de propor uma legislação para o Mercosul.
Mesmo sem esperança, continua patente a responsabilidade de registrar as possibilidades de enaltecer o Brasil e a América Latina.
Este artigo foi escrito por Dr. Marcelo A. Silva e publicado originalmente em Prensa.li.